Solicitados
pelo Governo do Pará, cientistas do Goeldi,
com apoio da CI-Brasil, pesquisa a biodiversidade
de milhões de hectares que integram as novas
unidades de conservação do norte do
estado. Até agora, já foram registradas
mais de duas mil espécies.
Belém, Pará, 29
de setembro de 2008 — Para enfrentar o desafio de
mapear a biodiversidade da Calha Norte do rio Amazonas,
no Pará, o Museu Paraense Emílio Goeldi
(MPEG), com o apoio da Conservação
Internacional (CI-Brasil), está colocando
em campo 20 especialistas que cumprem uma agenda
apertada para produzir avaliações
ecológicas rápidas de sete pontos
distintos de unidades de conservação
(UCs) estaduais. No período de 14 de outubro
a 2 de novembro, as equipes irão pesquisar
a Reserva Biológica de Maicuru, localizada
na fronteira das Terras Indígenas de Tumucumaque
e Rio Paru d'Este.
Será a quinta expedição
biológica do projeto, coordenado pela Secretaria
de Estado de Meio Ambiente do Pará (Sema).
O órgão articulou um consórcio
de instituições governamentais e da
sociedade civil para prover dados socioambientais
relativos às UCs paraenses na Calha Norte
e seu entorno, bem como apoiar a elaboração
dos planos de manejo e a formação
dos conselhos gestores das novas unidades de conservação.
As três primeiras expedições
já registraram mais de 2 mil espécies
de aves, mamíferos, anfíbios, répteis,
peixes, plantas superiores e samambaias.
A quarta e mais recente expedição
biológica foi realizada entre 25 de agosto
e 14 de setembro e percorreu a Estação
Ecológica Grão-Pará, a maior
unidade de conservação da Calha Norte
do rio Amazonas. Desde o início de 2008,
a equipe do Museu Geoldi inventaria a diversidade
biológica de cinco novas unidades estaduais
de conservação do Pará, que
somam mais de 12 milhões de hectares contíguos
de áreas protegidas. Além de se caracterizarem
como mega unidades, algumas ainda têm o fascínio
de serem terras desconhecidas pelos pesquisadores
da natureza.
O Consórcio é integrado
pelo Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente),
o Imaflora (Instituto de Manejo e Conservação
Florestal Agrícola), a GTZ (Cooperação
Técnica Alemã), o Ideflor (Instituto
de Desenvolvimento Florestal do Pará), além
do Museu Goeldi e da CI-Brasil.
Esforço - O secretário
do Meio Ambiente Valmir Ortega destaca que o consórcio
paraense é emblemático como ação
de planejamento de mosaico de unidades de conservação
na Amazônia, pois a Calha Norte é reconhecido
como o maior bloco de unidades de conservação
de florestas tropicais do mundo. Para Ortega, a
credibilidade desse trabalho pode ser mensurada
pela pluralidade de instituições envolvidas
nas ações de implementação
das UC´s estaduais na Calha Norte paraense.
São organizações
não governamentais nacionais, como o Imazon
e o Imaflor; internacionais, como a CI e a GTZ e
a comunidade científica, que tem à
frente o Museu Emílio Goeldi. “Trata-se de
uma rede de parcerias, atuando sob a liderança
da Sema, concentradas em um esforço com dois
grandes objetivos: proteger a biodiversidade da
região mais conservada no Pará e encontrar
saídas econômicas e sociais aos que
estão assentados no entorno dessas áreas”.
Ortega considera que o produto
estratégico desse esforço inclui não
só uma ação coordenada de proteção
da biodiversidade, mas também um plano de
desenvolvimento sustentável que contemple
os municípios, as comunidades locais, incluindo
os indígenas e quilombolas, a maioria deles
dependentes economicamente dos recursos naturais,
sobretudo da madeira.
Segundo o secretário paraense,
os planos de manejo vão apontar ainda outras
possibilidades de exploração sustentável
de produtos da economia florestal como o ecoturismo
e produtos não-madeireiros. “O importante
é que as comunidades estão fortemente
inseridas no processo de consolidação
das UC´s e tudo está sendo construído
na base de muito diálogo”, enfatizou Ortega.
Corredor – As cinco unidades de
conservação estaduais inventariadas
pelo MPEG no norte do Pará estão localizadas
no escudo das Guianas e foram criadas ao final de
2006. Somadas às unidades federais (4), terras
indígenas (5) e as estaduais (2) ali já
existentes, essas novas unidades estaduais formam
o maior bloco de florestas protegidas oficialmente
– 22 milhões de hectares.
Este grande bloco integra o maior
corredor de biodiversidade do planeta, que engloba
terras protegidas no Brasil (situadas nos estados
do Pará, Amapá e Amazonas), Guiana,
Guiana Francesa, Suriname e Venezuela.
O trabalho realizado pelo governo
paraense e seus parceiros para viabilizar as novas
UC estaduais é estratégico e preventivo:
o território ainda bem preservado pode se
tornar ponto de partida para uma ocupação
humana mais intensa em toda a região.
“A implementação
de uma unidade de conservação é
fundamental para que ela possa funcionar de forma
efetiva, cumprindo seu papel social de preservação
da biodiversidade e dos serviços ambientais
de que a sociedade depende, além de proporcionar
a melhoria da qualidade de vida das populações
sob influência destas áreas”, observa
Renata Valente, gerente do programa Amazônia
da Conservação Internacional (CI-Brasil).
“O estado do Pará assumiu
este compromisso e este é o primeiro passo
para demonstrar que os governos estaduais têm
capacidade técnica para gerenciar suas próprias
unidades de conservação, estabelecendo
parcerias para manejá-las e protegendo-as
contra possíveis pressões econômicas
que possam romper a delicada rede de relações
ecológicas existentes nestes ecossistemas
únicos e tão importantes para o planeta.
Além disso, esta é a primeira vez
em que estudos científicos intensivos são
realizados em tão curto espaço de
tempo e por equipe técnica tão especializada,
garantindo a qualidade dos dados que vão
subsidiar o plano de manejo dessas unidades.”
As unidades de conservação
estaduais da Calha Norte paraense hoje estão
divididas entre as de uso sustentável - como
a Floresta Estadual de Faro (635 mil hectares),
a Floresta Estadual do Paru (3,6 milhões
de hectares) e a Floresta Estadual de Trombetas
(3,1 milhões de hectares) - e as de proteção
integral - como a Reserva Biológica do Maicuru
(1,1 milhão de hectares) e a Estação
Ecológica do Grão-Pará (a maior
de todas, com 4,2 milhões de hectares).
As unidades de proteção
integral são áreas onde só
se admite o uso indireto de recursos naturais. Nesse
contexto estão as Estações
Ecológicas (ESECs), destinadas a estudos
científicos, e as Reservas Biológicas
(Rebios). Ambas têm visitação
pública limitada apenas a objetivos educacionais.
Entre as unidades de uso sustentável, onde
é permitido o uso dos recursos naturais de
forma racional, se enquadram as três Florestas
Estaduais (Flotas), onde está prevista a
exploração de produtos florestais
madeireiros e não-madereiros.
Expedições Biológicas
– Enquanto Imazon, Imaflora, Ideflor e SEMA são
responsáveis pela organização
dos dados socioeconômicos das Florestas Estaduais
(flotas) e seu entorno, o Museu Goeldi, com o apoio
da CI e SEMA, produz um diagnóstico da biodiversidade
aplicando a técnica da Avaliação
Biológica Rápida (RAP). Desenvolvidas
para conseguir extrair o máximo de resultados
em períodos menores de aplicação,
as RAPs neste projeto estão concentradas
na busca de informações sobre a herpetofauna
(anfíbios e répteis), avifauna, mamíferos,
peixes e flora (tipos de vegetação).
"O Museu Goeldi fortalece
uma tradição institucional - a realização
de expedições científicas para
inventário da fauna e flora amazônica.
As expedições à Calha Norte
do Pará permitem a descoberta de novas espécies,
o avanço do conhecimento científico
sobre a região amazônica, o enriquecimento
das coleções científicas e
a sistematização de informações
sobre uma extensa região onde existe uma
grande lacuna de conhecimento.
A pesquisa está produzindo
informações estratégicas que
vão apoiar decisivamente a consolidação
das unidades estaduais de conservação.
A formação do Consórcio permite
darmos continuidade no apoio a formulação
de políticas públicas direcionadas
para a conservação ambiental",
ressalta Ima Vieira, diretora do Museu Goeldi, centro
de pesquisa vinculada ao Ministério da Ciência
e Tecnologia.
Instituição científica
responsável pelo levantamento biológico
das novas Ucs estaduais na Calha Norte do Rio Amazonas,
o Museu Paraense Emílio Goeldi iniciou ainda
em janeiro de 2008 as expedições no
chamado Corredor de Biodiversidade do Norte do Pará.
Sob a liderança de Alexandre Aleixo - pesquisador
da Coordenação de Zoologia e Curador
da Coleção Ornitológica do
Museu - a equipe da instituição congrega
cerca de 20 pesquisadores especialistas em biodiversidade
amazônica.
As metas da equipe biológica
são reunir o máximo de conhecimento
disponível sobre a região da Calha
Norte Paraense e seu entorno, executar levantamentos
de campo inéditos sobre a biodiversidade
nas unidades de conservação estaduais
e consolidar um diagnóstico sobre a biodiversidade
da área, integrando as novas informações
com aquelas encontradas na literatura especializada
e em coleções científicas.
Ao final, as informações levantadas
integrarão um banco de dados sobre a biodiversidade
daquela região para uso das instituições
parceiras.
"Estamos visitando áreas
nunca antes amostradas por cientistas da biodiversidade
e o resultado tem sido a descoberta de novas espécies
e o registro de várias outras nunca encontradas
anteriormente na região da Calha Norte. As
novidades são tantas e o ritmo de campo tão
intenso que não tivemos tempo ainda de 'digerir'
com calma a enorme quantidade de informações
levantadas", comemora o coordenador Alexandre
Aleixo.
Cronograma apertado - A primeira
área visitada pelos pesquisadores foi a Floresta
Estadual de Faro, em janeiro deste ano. Em março
a equipe inventariou a Floresta Estadual de Trombetas.
Para a Estação Ecológica Grão-Pará,
a maior unidade de conservação da
Calha Norte do Rio Amazonas, foi desenvolvida uma
estratégia diferente: ela foi dividida em
3 pontos de coleta, sendo que dois pontos já
foram percorridos. A a primeira expedição
à ESEC aconteceu em junho deste ano.
Sem muito tempo para processar
o material coletado, dar andamento às atividades
de laboratório e analisar os dados obtidos,
a equipe do Museu Goeldi já se prepara para
a próxima expedição à
Reserva Biológica de Maicuru.
Mosaico de paisagens – Ao contrário
do imaginado, a Amazônia não é
uma região homogênea e este dado afeta
diretamente a maneira como os levantamentos de biodiversidade
da Calha Norte do Pará vêm sendo feitos.
A Amazônia reúne mais de 30 diferentes
ecorregiões e pelo menos oito centros de
endemismo, caracterizados por abrigarem contingentes
únicos de espécies, o que exige políticas
específicas direcionadas à conservação
da biodiversidade. Além disso, as diferenças
de estratégias de conservação
a serem implementadas em cada um desses centros
de endemismo também são acentuadas
por diferentes taxas de desmatamento existentes
nas várias regiões.
Para a biologia, chamam-se de
endêmicos aqueles grupos taxonômicos
que se desenvolvem em regiões muito restritas.
O maior centro de endemismo de espécies na
Amazônia é conhecido pelo nome de Guiana.
Tem mais de 1,7 milhões de quilômetros
quadrados de área e se estende por territórios
de cinco países (Brasil, Guiana, Guiana Francesa,
Suriname e Venezuela).
Mais da metade do centro de endemismo
Guiana (50,8%) se encontra em território
brasileiro, o que dá ao País um papel
crucial na sua preservação. Atualmente,
a porção brasileira do centro de endemismo
Guiana é uma das mais conservadas (apenas
4,06% da sua área total foi desmatada), somando
um dos maiores percentuais de área protegida
por unidades de conservação e terras
indígenas (45,4%).
Parte do território do
Pará situada ao norte do rio Amazonas, a
Calha Norte Paraense se encontra praticamente toda
na área de formação geológica
chamada Escudo das Guianas. Apesar da predominância
da vegetação de florestas, há
importantes ocorrências de cerrados e campos
naturais. A região sul da Calha Norte Paraense
é a mais impactada pela presença do
homem, sendo ocupada em sua maior porção
por pastagens e concentra quase toda a população
daquela área.
Historicamente, a ocupação
da porção norte da Calha Norte Paraense
sempre foi dificultada pelo relevo acidentado e
pelo regime de chuvas da região, que desfavorecem
a navegação até nos rios mais
caudalosos entre os que deságuam no Amazonas,
como o Nhamundá, o Mapuera, o Trombetas,
o Cumiá, o Curuá, o Maicuru, o Paru
e o rio Jari.
Os mesmos entraves, porém,
se refletem num vazio de conhecimento existente
sobre a região. As dificuldades logísticas
impõem necessidades como o uso quase obrigatório
de aeronaves para expedições de campo.
O resultado disso é que, ainda hoje, são
escassas as informações sobre a sua
biodiversidade, dispersas em literatura restrita
e algumas coleções biológicas.
Enquanto a porção sul da Calha Norte
já vem sendo estudada desde o final do século
19, a área norte vem sendo inventariada biologicamente
apenas de forma esporádica, a partir da década
de 80.
Por isso a necessidade de realização
das atuais sete expedições de campo
para inventariar áreas prioritárias
com metodologias e esforços de amostragem
padronizados. Além dos cursos d'água
já citados, os registros de ocorrências
de espécies vêm atingindo áreas
dos municípios paraenses de Faro, Terra Santa,
Oriximiná, Óbidos, Curuá, Alenquer,
Monte Alegre e Almerin.
"Qualquer estimativa feita
hoje sobre o legado a ser deixado por esse projeto
ainda será bastante prematura, pois precisamos
de tempo para trabalhar os dados com mais calma,
o que só deve acontecer após o encerramento
das expedições de campo em fevereiro
próximo. De todo modo, para a pesquisa, vamos
poder falar em conhecimento produzido antes e depois
desta série de expedições.
Para a conservação, vamos ter um dos
melhores bancos de dados já utilizados no
zoneamento de unidades de conservação,
o que é excepcional quando se considera o
imenso tamanho das cinco áreas que são
alvos do estudo", avalia Alexandre Aleixo.
Museu Paraense Emílio Goeldi
Assessoria de Comunicação Social -
Joice Santos
Conservação Internacional
Rafael Guedes - Especialista em Comunicação
do Programa Amazônia