(08/10/2008)
A degradação da caatinga é
que facilita a invasão da algarobeira no
sertão. Nas áreas onde o ecossistema
natural está preservado, a espécie,
que é exótica, não consegue
se dispersar de forma indiscriminada e ocupar o
espaço da vegetação nativa,
mesmo nos locais mais úmidos, a exemplo das
áreas de matas ciliares e de galerias.
Esta é uma das conclusões
da tese de doutorado - “Comportamento invasor da
algarobeira (Prosopis julifora) (Sw) DC. nas planícies
aluviais da caatinga” - defendida este ano pelo
pesquisador Clóvis Eduardo de Souza Nascimento,
da Embrapa Semi-Árido, junto ao Departamento
de Biologia Vegetal da Universidade Federal de Pernambuco.
Neste estudo, ele analisou o comportamento
da algarobeira em 10 áreas dos municípios
de Petrolina e Dormentes, em Pernambuco, e Juazeiro
e Jaguarari, na Bahia. Em cada uma delas, coletou
informações de três ambientes
contínuos, a partir da margem de rio/riacho,
que o pesquisador nominou de planície aluvial,
terraço aluvial e platô. Ou seja: de
um ponto de maior umidade para outro mais seco.
Agressiva
Para Clóvis, a presença
dessa planta por todas as zonas agroecológicas
do semi-árido brasileiro registra o mais
grave fenômeno de invasão biológica
de uma espécie exótica sobre a vegetação
da caatinga. A agressividade desta invasão
pode ser observada em extensas áreas de “baixios”,
principalmente, nos estados da Paraíba, Rio
Grande do Norte, Piauí, Pernambuco e Bahia.
Nestes locais, o denso povoamento de algarobeiras
domina a paisagem. O que se vê é a
presença quase que exclusiva de indivíduos
dessa espécie.
O pesquisador destaca que os estudos
sobre a algarobeira precisam abrir perspectivas
de uso racional da planta nos sistemas agrícolas
e mesmo em processamentos industriais, ou ainda
estabelecer estratégias de manejo a fim de
inibir sua característica invasora. Atualmente,
são estimados 500 mil hectares ocupados por
indivíduos dessa espécie no semi-árido
e sem qualquer estimativa de quanto dessa área
corresponde a plantios efetivamente feitos por agricultores
ou à dispersão por meio de animais,
sem controle algum.
Útil
Uma área deste tamanho
ocupada espontaneamente por indivíduos de
uma mesma espécie só mostra o quanto
está adaptada e estabilizada no ambiente.
E, embora localizada em ambientes ciliares, considerados
como Áreas de Preservação Permanente
- APP, o corte puro e simples para permitir a recomposição
da vegetação nativa é algo
totalmente fora de cogitação. A algarobeira
tem muitas qualidades agrícolas. Além
de ser importante como forrageira, as vagens das
plantas se prestam para vários fins na alimentação
humana, à partir da confecção
de farinha, bolos, biscoitos, café, geléia,
licor, cachaça e vinagre.
No semi-árido, costuma
ainda ser utilizada como produto madeireiro (mourões
e estacas para cercas) e energético na forma
de lenha e carvão, que são muito utilizados
nas propriedades rurais. Em tempos recentes tem
sido empregada em setores econômicos que,
nas áreas urbanas do semi-árido, fazem
uso de fonte energética vegetal (padarias,
pizzarias, churrascarias, curtumes e outras indústrias).
É uma planta de muitos recursos que precisa
de estudos para ganhar sustentabilidade no semi-árido,
explica Clóvis.
Barreira natural
Na tese de doutorado, o pesquisador
realizou investigações para explicar
uma lacuna presente em grande parte dos estudos
acerca da invasora: o seu desenvolvimento nos ambientes
de “baixios”. Uma constatação sua
foi o estado de depredação da caatinga.
“A vegetação ciliar dos afluentes
do rio São Francisco, que corta os sertões
nordestinos, está quase eliminada devido
à exploração extrativista.
As terras de fundo dos vales, melhores para fins
agrícolas, são as mais atingidas”.
Esse cenário de degradação
da biodiversidade da caatinga é que abre
caminho para a dispersão da algarobeira,
em especial nas áreas de maior umidade, explica
Clóvis. Isto está bem documentado
na sua tese: nos locais mais próximos ao
leito de riachos e desprovidos de mata nativa foram
registrados maior população da espécie
exótica. À medida que o pesquisador
deslocava sua observação para pontos
distantes dos riachos, portanto, mais secos, menor
foi a presença de plantas de algarobeira,
não afetando, dessa forma, a riqueza e diversidade
das espécies nativas, mostrando a dificuldade
da exótica para invadir ambientes mais secos
e com a vegetação em estágio
avançado de sucessão.
Para ele, aí está
uma evidência de que a algarobeira não
irá invadir o bioma caatinga de forma indiscriminada.
O estresse hídrico é uma barreira
natural à sua proliferação
desordenada por grandes áreas parte do semi-árido.
Entretanto, somente nos ambientes degradados e com
a vegetação em desequilíbrio,
nas zonas agroecológicas com maior umidade,
a planta exótica entra em competição
acirrada com as nativas provocando a morte de muitas
delas. Espécies que foram testadas em competição
com a algarobeira: mulungu (Erythrina velutina),
alagadiço (Mimosa bimucronata), caatingueira-rasteira
(Caesalpinia microphylla), pau-ferro (Caesalpinia
ferrea) e jurema-preta (Mimosa tenuiflora), mostraram
diminuição da altura, do diâmetro
do tronco e da área foliar, com o aumento
de mortalidade dessas nativas.
Manejo
As espécies pau-ferro e
jurema preta tiveram um comportamento que, para
o pesquisador, que pode ser melhor aproveitado em
ações de recomposição
da vegetação original nas áreas
invadidas. As duas foram as que menos morreram e
mais cresceram, na competição com
a algaroba. Na tese, o pesquisador propõe
aos agricultores monitorar as áreas invadidas.
Para controlar a disseminação desordenada
de indivíduos dessa espécie, pode
se recorrer a capinas e podas ou, ainda, à
aplicação de herbicidas seletivos
nas plantas ainda pequenas.
A aplicação de produtos
químicos surte o efeito de controle se aplicados
no período de maior sobrevivência e
esperança de vida que é de 75 dias
em locais de maior umidade. O agricultor pode ainda
processar as vagens para produzir forragem (torta
e farelo) e evitar o pastejo de animais nas áreas
invadidas, para conter a disseminação
e o aumento populacional de Prosopis juliflora.
Clóvis Eduardo de Souza Nascimento - pesquisador