17 de
Novembro de 2008 - Marco Antônio Soalheiro
- Enviado Especial - Caetité (BA) - A dúvida
em torno da contaminação da água
de poços artesianos por urânio inquieta
os moradores da comunidade de Juazeiro, a 40 quilômetros
do município de Caetité, no sudoeste
da Bahia. O Ministério Público Federal
investiga denúncia feita pela organização
não-governamental Greenpeace, de que amostras
de água indicam nível de urânio
acima do permitido pelo Conselho Nacional do Meio
Ambiente (Conama). Um mina das Indústrias
Nucleares do Brasil (INB) está localizada
a cerca de 10 quilômetros da vila de aproximadamente
300 habitantes.
Um pouco acima da pracinha moram
as famílias que consumiram a água
supostamente contaminada nos poços artesianos.
Entre elas, está o casal Nedino Fernandes,
95 anos, e Antônia de Jesus, que não
se lembra ao certo da idade. Lúcido e com
aparência bastante saudável para a
idade avançada, o morador disse não
temer qualquer problema clínico em decorrência
do consumo. “Não tenho medo não. Já
tomei [a água] e tô perto de morrer
mesmo” .
Antônia é mais comedida.
Relata ter sentido nos últimos meses fadigas
e disenteria, mas não sabe se é por
causa da água. Ela conta que, certa vez,
ao lavar roupa perto do poço, “veio uma catinga
[mau cheiro] forte e fiquei muitos dias com o coração
batendo acelerado.” A dona de casa recordou que
“o aviso de que o poço estava cheio de veneno”
por parte do Greenpeace veio acompanhado de uma
recomendação para não se comer
frutas nem ovos de galinha dali, porque já
estariam contaminados por radiação.
O vizinho do casal, Sinval Neves
Dias, 42 anos, suspeita de que a leucemia de sua
mulher tenha relação com o uso da
água. Enquanto espera um resposta conclusiva
das autoridades, reclama, porém, que comercializar
a produção local ficou praticamente
impossível. “O pessoal de fora não
quer mais comprar produtos da região. Se
levar na feira e falar que é daqui, não
vende”.
Dias classifica as atividades
da INB, apesar dos empregos gerados, de nociva para
a região. “Eles tiram muita água do
lençol freático”, assinalou. “Até
hoje a a gente não sabe se essa radiação
vai provocar contaminação nas crianças
e se vamos ter algum auxílio para tratar”,
acrescentou.
Outro que se incomoda com a incerteza
e confessa temor é Sinvaldo dos Santos, 37
anos. “ Tem que ficar com medo. Ninguém sabe
se [a radiação] é da terra
ou da INB”.
Já Zelito Pereira, 63 anos,
acha que o assunto teve repercussão exagerada
sem uma certeza da real situação.
“Por enquanto é só converseira e a
firma [INB] fala que não tem contaminação”.
A Defesa Civil do estado da Bahia
lacrou os poços suspeitos de contaminação
e encaminhou caixas com 8 mil litros d'água
para as famílias.
No centro da polêmica está
o agricultor Valdemar Batista, conhecido como “Lourinho”,
dono do maior poço lacrado, do qual a água
era redistribuída aos demais. Ao receber
a visita da Agência Brasil, ele inicialmente
aceitou conversar desde que fosse “sem anotar nada”
ou fazer imagem. Depois de alguns minutos, menos
desconfiado, concordou em conceder entrevista e
desabafou.
Lourinho se considera o maior
prejudicado pela ação do Greenpeace
e, enquanto não há um diagnóstico
absoluto de contaminação, reluta em
acreditar que a água usada há tanto
tempo possa ser responsável por problemas
de saúde.
“Meu problema são os prejuízos.
Não consigo vender mais os produtos da roça,
que cuidamos com todo capricho, e a empresa de latícinios
parou de pegar meu leite”, reclamou. Marcelo Cardoso,
gerente da cooperativa sediada no município
de Lagoa Real, confirmou o veto temporário
ao leite de Lourinho. “Temos que esperar as análises
técnicas e a decisão da Justiça”.
Alguns moradores dizem que Lourinho
protege a INB. Ele, por sua vez, demonstra estar
magoado com o que considera uma ingratidão
dos vizinhos, uma vez que aceitou que técnicos
da INB puxassem água de seu poço para
beneficiar outras casas.
“São pessoas que não
têm coragem de trabalhar e ficam esperando
indenização”, criticou o agricultor,
ao citar o caso de moradores que têm dado
entrevistas em tom dramático para emissoras
de TV. Ele atacou também o Greenpeace. “É
um povo sem respeito. Entraram na minha propriedade
sem autorização e falaram que estavam
fazendo trabalho de escola.”
Depois de o agricultor permitir
fotos de suas plantações de abóbora,
tomate e melancia, o filho de Lourinho, Edmílson,
reclamou do constrangimento de levar produtos para
a feira e “ ainda ter que ouvir piadinhas” sobre
a qualidade dos mesmos. O plano de investir na expansão
de hortaliças ficou em compasso de espera,
mas a família garante que continuará
consumindo sua água e a produção
própria sem nenhum temor.
A reportagem foi até a
entrada das instalações da INB tentar
falar com algum gerente. Apesar de ser domingo,
havia turno de trabalho, mas os seguranças
informaram que uma entrevista teria de ser agendada
no dia seguinte e disseram não ter condições
de passar um telefone de contato de algum responsável.
Enquanto não houver um
pronunciamento técnico definitivo sobre a
polêmica, a suspeita de água contaminada
permanecerá como único fato a perturbar
a pacata cidade.
+ Mais
Empresa diz que exploração
não aumentou a concentração
de urânio na água de Caetité
17 de Novembro de 2008 - Sabrina
Craide - Repórter da Agência Brasil
- Brasília - O urânio detectado em
amostras de água do subsolo do município
de Caetité, na Bahia, analisadas pela organização
não-governamental Greenpeace, sempre existiu
na região e não é resultado
da exploração feita pelas Indústrias
Nucleares do Brasil (INB), garante o diretor de
Recursos Minerais da estatal, Otto Bittencourt Netto.
O diretor, que também é
geólogo, garante que o urânio encontrado
na água de Caetité existe na região
há mais de 500 milhões de anos. Segundo
ele, é uma das chamadas “anomalias de urânio”,
que existe em outros pontos do país e em
vários locais do mundo. “A água dali
contém urânio naturalmente, sempre
conteve. O que podemos garantir é que a operação
da INB naquela região não contribui
com nada para fazer a concentração
de urânio naquelas águas”, afirma Netto.
Ele também garante que
a concentração de urânio nas
águas da região é monitorada
constantemente. “Todo o mês vamos lá,
coletamos e analisamos a água de todos os
poços. Não existe alteração
nenhuma nos últimos 10 anos”, diz. Segundo
Netto, se as medições verificarem
algum aumento nos níveis de radiação,
as atividades da INB serão paralisadas imediatamente.
No mês passado, o Greenpeace
divulgou um relatório denunciando a contaminação
da água por urânio em Caetité.
Segundo o documento, a população estaria
sofrendo com os impactos causados pelas operações
na usina de urânio gerenciada pela INB, estatal
responsável pela exploração
e produção de urânio para as
usinas nucleares do país.
Uma equipe da Agência Brasil
esteve em Caetité para conversar com a população
sobre a questão. De acordo com a apuração
da reportagem, as pessoas ainda têm muitas
dúvidas sobre a contaminação
da água na região e alguns até
suspeitam terem adoecido por causa da radiação.
Segundo o diretor da INB, a quantidade
de radiação contida no subsolo é
mínima e não causa efeitos nocivos
à saúde. Netto critica a maneira “alarmista”
com que o tema foi tratado na região. “O
assunto gerou um pânico na população
por causa da irresponsabilidade de alguns órgãos.
Mas, aos poucos, estamos contornando isso, mostrando
que não é nada disso”, diz. Segundo
ele, o pavor é justificado pela falta de
conhecimento da população em relação
ao tema.
A denúncia do Greenpeace
está sendo investigada pelo Ministério
Público Federal, que realizou uma audiência
pública em Caetité para ouvir a comunidade
local sobre a questão.