04/12/2008
- Documento apresentado por Reinhold Stephanes,
em reunião da qual a sociedade civil não
pôde participar, propõe anistiar toda
e qualquer ocupação em áreas
de risco ou importantes para produção
de água, e aumentar o desmatamento permitido
na Amazônia.
Na tentativa de radicalizar o
debate e tornar o que é ruim menos amargo,
o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, com
apoio dos parlamentares Valdir Colatto (PMDB/SC),
Onyx Lorenzoni (DEM/RS), André de Paula (DEM/PE),
Moreira Mendes (PPS/RO), Marcos Montes (DEM/MG),
Osmar Dias (PDT/PR), Leomar Quintanilha (PMDB/TO)
e Gilberto Goellner (DEM/MT), colocou na mesa do
grupo de trabalho criado para subsidiar a revisão
da legislação florestal uma proposta
que, entre outras coisas, oferece anistia geral
para plantações e construções
erguidas sobre Áreas de Preservação
Permanente (APPs) e tenta diminuir a Reserva Legal
na Amazônia, aumentando com isso, significativamente,
as áreas passíveis de desmatamento
“legal”.
Esse grupo de trabalho, informal,
foi criado a pedido do Ministério do Meio
Ambiente a partir das críticas recebidas
quando da edição do Decreto Federal
6514, editado em julho deste ano e que, dentre outras
novidades, penaliza o proprietário que se
recusar a recuperar a Reserva Legal ou as Áreas
de Preservação Permanente existentes
em seu imóvel rural. O GT reúne, além
do MMA, também o Ministério da Agricultura,
o Ministério do Desenvolvimento Agrário
e um grande grupo de parlamentares ligados à
bancada ruralista, principal foco de descontentamento
com a possibilidade real de se aplicar efetivamente
a legislação ambiental no País.
Na segunda reunião do GT, a presença
de representantes da Confederação
Nacional de Trabalhadores na Agricultura (Contag),
que representa o setor da agricultura familiar,
foi barrada pelo MAPA, anfitrião do encontro,
mas depois contornada com a intervenção
de um deputado presente. Na última reunião,
ocorrida esta semana, não houve a participação
de qualquer organização da sociedade
civil.
O objetivo do grupo, ao ser criado,
era supostamente ampliar as discussões que
vêm ocorrendo na Comissão de Meio Ambiente
da Câmara, que está para votar um projeto
de lei modificando pontos cruciais do Código
Florestal, como os que regem a Reserva Legal e as
Áreas de Preservação Permanente.
Apesar desse intuito, o GT foi instalado com a presença
preponderante de representantes do MAPA e de parlamentares
ruralistas. Algumas organizações ambientalistas
foram chamadas de última hora pelo MMA e,
diante da composição do grupo e do
curto prazo para se chegar a um “acordo”, solicitaram
que a discussão fosse feita num foro mais
ampliado, trazendo a academia e outros setores da
sociedade civil, e com um prazo apto a se esgotar
assuntos importantes e polêmicos, como as
regras para uso das APPs.
Desde o princípio, no entanto,
os parlamentares presentes, assim como o próprio
Ministro da Agricultura, afastaram a possibilidade
de se fazer um diálogo mais amplo, alegando
“pressa” na mudança da lei. Segundo Stephanes,
a legislação ambiental impede a produção
agrícola no País, e só não
foi modificada até hoje porque nunca foi
aplicada. Seu intuito, desde o início, é
tirar da ilegalidade milhares de agricultores, grandes
e pequenos, que hoje, bem ou mal, usam áreas
que deveriam estar protegidas. Mas da maneira mais
simples: mudando a lei e anistiando as ocupações
ilegais.
Após algumas conversas
duras entre ruralistas e ambientalistas, e reagindo
à apresentação de uma base
de negociação por estes, os ruralistas
apresentaram uma proposta na última terça-feira
que traduz muito claramente os objetivos até
então escamoteados da ala mais radical do
agronegócio: desmontar, e não modernizar,
o Código Florestal. Dentre as propostas apresentadas
estão a anistia para ocupações
em APPs, em áreas urbanas ou rurais, a redução
de reserva legal e a possibilidade de compensar
uma área ilegalmente desmatada em São
Paulo com outra preservada no Acre. Isso na mesma
semana em que o País assiste aos tristes
episódios de enchentes e desmoronamentos
em Santa Catarina, que só causaram tantos
prejuízos humanos e financeiros porque áreas
protegidas pelo Código Florestal foram ilegalmente
ocupadas, com a conivência dos poderes públicos
locais.
Diante dessa radicalização
inaceitável nos posicionamento dos ruralistas,
agora chancelado por um ministro de Estado, e percebendo
que essa mesa de diálogo, com essa composição,
não tem como avançar numa discussão
madura sobre uma efetiva modernização
do Código Florestal, necessária a
sua boa implementação, as ONGs que
vinham tentando participar desse diálogo
– dentre elas o ISA – anunciaram que estão
fora da mesa e soltaram uma nota explicando o porquê.
O documento, divulgado hoje, foi enviado aos Gabinetes
da Presidência da República e dos Ministros
da Agricultura e do Meio Ambiente.
Leia o texto na íntegra:
Entidades ambientalistas se retiram
da negociação sobre Código
Florestal e pedem ao Presidente seriedade por parte
do governo
4 de dezembro de 2008
Enquanto o Presidente Lula assume
metas para redução do desmatamento
e das emissões de gases de efeito estufa
no Brasil - e Santa Catarina contabiliza centenas
de mortos, milhares de desabrigados e milhões
de reais em prejuízos, decorrentes da ocupação
consentida de áreas que deveriam ser de preservação
permanente - o Ministro Reinhold Stephanes, da Agricultura,
em proposta já acordada com parte da bancada
parlamentar ruralista no Congresso Nacional, se
empenha em aprovar, ainda em dezembro, um pacote
que ofende o interesse público, a legalidade
e os agricultores que cumprem com a mesma. Vejamos:
1) Anistia geral e irrestrita
para as ocupações irregulares em Área
de Preservação Permanente (APP) existentes
até 31 de julho de 2007 - incluindo topos
de morros, margens de rios, restingas, manguezais,
nascentes, montanhas e terrenos com declividade
superior a 45º. Isso comprometeria não
apenas os recursos hídricos, mas até
mesmo os próprios ocupantes de áreas
de risco, em função de enchentes e
desmoronamentos como aqueles vistos em Santa Catarina.
2) Redução dos percentuais
de reserva legal na Amazônia sem a realização
do Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE),
instrumento previsto por lei para garantir a adequação
das ocupações do solo rural, um dos
poucos elementos de consenso entre ruralistas e
ambientalistas até o momento. Enquanto o
Plano Nacional sobre Mudanças Climáticas
propõe a necessidade de recuperação
de mais de 100 milhões de hectares de pastos
abandonados ou degradados, o Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA)
cogita a consolidação de ocupações,
independentemente da confirmação da
aptidão do solo.
3) Escambo de áreas desmatadas
na Mata Atlântica ou no Cerrado por floresta
na Amazônia, quebrando por completo a lógica
prevista na Lei da equivalência ecológica
na compensação de áreas e permitindo
a consolidação de grandes extensões
de terra sem vegetação nativa, o que
se agrava com a consolidação de todas
as ocupações ilegais em Área
de Preservação Permanente até
2007 e citada acima.
4) Possibilidade, para os estados,
de reduzir todos os parâmetros referentes
às áreas de preservação
permanente, acabando com o piso mínimo de
proteção estabelecido pelo código
florestal, o que pode ensejar mais desmatamento
em todos os biomas no Brasil e a competição
pela máxima ocupação possível.
A proposta apresentada pelo MAPA
e pela Frente Parlamentar da Agropecuária
é uma verdadeira bomba-relógio para
fomentar novas situações como aquelas
de Santa Catarina, legalizando e incentivando a
ocupação de áreas ambientalmente
vulneráveis.
Não é possível
discutir e negociar com um ministério que,
em detrimento do interesse público, se preocupa
apenas em buscar anistias para particulares inadimplentes.
Para ter credibilidade, o processo de negociação
sobre o Código Florestal deve ser vinculado
à obtenção do desmatamento
zero, conforme assumido pelo Presidente da República,
e ao cumprimento da legalidade em todo o território
nacional.
As organizações
ambientalistas abaixo assinadas acompanharam as
duas primeiras reuniões do grupo de trabalho
do MAPA/MMA/MDA, acreditaram na seriedade e no compromisso
do grupo para com a produção agrícola
sustentável no País e propuseram soluções
viáveis de interesse geral.
Agora, em respeito à sociedade
nacional, às vitimas atuais e futuras do
desflorestamento e aos produtores rurais que vêm
cumprindo a lei, se retiram do referido grupo e
denunciam mais uma iniciativa unilateral e desprovida
de base técnica e jurídica. O fato
que esta iniciativa seja oriunda do próprio
Poder Executivo Federal, contrariando o anúncio
do Chefe do Executivo, requer que o Presidente crie
condições para discutir, com legitimidade
e equilíbrio, como aprimorar e implementar
melhor o código florestal, para que possa
mais efetivamente contribuir para o desmatamento
zero.
Amigos da Terra - Amazônia
Brasileira
Conservação Internacional
Greenpeace
Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia
(Imazon)
Instituto Centro de Vida (ICV)
Instituto Socioambiental (ISA)
Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia
(Ipam)
The Nature Conservancy (TNC) Brasil
Worldwide Fund for Nature (WWF) Brasil