Blumenau,
Gaspar, Ilhota, Itajaí são cidades
transtornadas. O movimento do vai-e-vem de helicópteros,
comboios militares, ambulâncias e caminhões,
a luta frenética de famílias inteiras
contra a lama e entulhos que invadiram suas casas,
os intermináveis congestionamentos, tudo
contrasta com a paisagem bela e bucólica
que acolheu os colonizadores alemães a partir
de 1828 seguidos pelos italianos.
Enchentes em Itajaí e os
mesmos eventos registrados em diversas outras cidades
da região, só que agravados por um
extraordinário número de deslizamentos
de terra mais de uma centena de mortos deixaram
à mostra a vulnerabilidade do ambiente a
eventos extremos como os registrados agora.
E isto não é novidade:
a primeira grande inundação na região
foi relatada em 1880. A última, em 1983.A
unanimidade encontrada hoje, em 2008, nos depoimentos
de atuais políticos, gestores públicos
e militantes ambientais é perturbadora: anos
e anos de omissão dos poderes públicos
na gestão ambiental.
Todos apontam a ocupação
urbana irregular das encostas dos morros e das margens
dos rios, a destruição das matas ciliares
como as causas principais do agravamento de um evento
climático que, por si só, carregaria
um poder de destruição arrasador.
Mais desconcertante ainda é
saber que, conforme publicou hoje o jornalista escritor
e historiador Ricardo Moreira de Mesquita, desde
o século 19, sugestões já eram
registradas por administradores para combater
as enchentes.Igualmente desanimador é ouvir,
pelas ruas, que 2008 será esquecido, como
o foi 1983.
A pergunta incômoda é:
diante da possibilidade de que as mudanças
climáticas provoquem eventos extremos como
o este com mais e mais freqüência, o
que faremos agora para, pelo menos, reduzir o número
de mortes, danos e perdas no futuro? Afinal, foram
necessários 25 anos para que 1983 fosse esquecido.
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A lição de Santa
Catarina
01 Dec 2008 - A segunda palavra
mais ouvida e lida na mídia catarinense
depois de solidariedade , em referência à
catástrofe que já ceifou mais de uma
centena de vidas, é o verbo reconstruir.
Ambas são utilizadas com propriedade, evidentemente.
Entretanto, antes de usar como
palavra de ordem a reconstrução, seria
muito sábio o emprego do verbo repensar.É
senso comum entre os estudiosos e gestores do estado
e dos municípios que a ocupação
de áreas sensíveis contribuiu de forma
tragicamente decisiva para o sombrio saldo de vidas
perdidas neste evento extremo, já potencialmente
letal por sua magnitude.
E, depois das perdas de vidas,
é preciso pensar nos danos econômicos
causados pela tragédia, que destruíram
estradas, equipamentos urbanos, infra-estruturas
de fornecimento de água, gás, energia
elétrica, comunicação.No primeiro
(e principal) caso, vidas humanas foram expostas
pela ocupação de encostas e topos
de morros e orlas de rios, riachos, ribeirões.
Ora, em uma região que
assiste a inundações desde sua colonização,
e cujo solo tem estrutura extremamente frágil
segundo os estudiosos , é impensável
a reconstrução destas mesmas habitações
e pequenos negócios à beira de corpos
dágua ou nas montanhas e seus arredores.
Primeiramente, porque é claríssimo
o risco de novas tragédias humanas.
Em segundo lugar, porque é
simplesmente ilegal.A legislação ambiental
brasileira uma das mais avançadas do mundo
já prevê e se antecipa a estes acontecimentos.
Bastaria o respeito à lei ambiental para
que várias mortes fossem evitadas.
E as leis da natureza, se observadas,
contribuiriam com a sua parcela de benefícios.Vai
daí que é necessário antes
de reconstruir repensar a forma como vimos tratando
destas questões.
Os planos de ordenamento territorial tanto nas áreas
urbanas como rurais devem, acima de tudo (da especulação
imobiliária, dos interesses pessoais), pautar-se
pela visão holística, abrangente,
em busca da harmonia necessária entre o desenvolvimento,
o crescimento e a conservação dos
recursos naturais, sob pena de que venhamos a sofrer
mais e mais com os prejuízos humanos e econômicos
aos quais assistimos neste episódio.
Não se trata, aqui, somente
de Santa Catarina e seus 14 municípios atingidos,
seus mais de cem mortos, seus mais de 1.500 desabrigados
e seu ainda incalculável prejuízo
econômico.
Trata-se de repensar o modelo de urbanização
e desenvolvimento econômico de todo o País.
São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte,
Recife e tantas outras cidades brasileiras vivenciam,
todos os anos, tragédias mais ou menos parecidas,
e tudo se repete, se reconstrói. Repensar
é a palavra de ordem.