Carla
Lisboa - Brasília (10/12/2008) – Até
o fim deste mês, uma equipe de pesquisadores
do Centro de Pesquisa e Gestão de Recursos
Pesqueiros Continentais (Cepta), do Instituto Chico
Mendes de Conservação da Biodiversidade
(ICMBio), fará uma expedição
ao rio Paraíba do Sul para tentar capturar
o peixe surubim-do-paraíba e avaliar os danos
provocados pelo acidente ecológico resultante
do vazamento de 8,7 mil litros de endosulfan da
empresa de pesticida Servatis.
O acidente ocorreu na madrugada
de 18 de novembro, na altura do município
de Resende (RJ), e causou grande mortandade de peixe
ao longo de mais de 400 quilômetros na bacia,
desde o local do vazamento, no rio Pirapetinga,
até a foz do Paraíba do Sul, em São
João da Barra, bem como a suspensão
do abastecimento de água para mais de 12
milhões de pessoas no Estado do Rio de Janeiro.
RISCO – A contaminação
das águas põe em risco a continuidade
de um projeto que vem sendo desenvolvido pelo Cepta
em parceria com a Companhia Energética de
São Paulo (Cesp)–Paraibuna para formação
de um banco genético da ictiofauna ameaçada
da bacia do rio Paraíba do Sul. Os centros
de pesquisa dos dois órgãos poderão
ser forçados a suspender a reconstituição
genética do surubim-do-paraíba (Steindachmeridion
parahybae) e, conseqüentemente, não
terão como devolver a espécie à
natureza por falta de exemplares.
A equipe de pesquisadores ainda
não sabe qual a extensão do prejuízo,
mas teme que o envenenamento tenha eliminado definitivamente
os últimos exemplares do surubim-do-paraíba,
descrito no Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada
de Extinção como uma das espécies
de peixes em processo de desaparecimento. “No início
de novembro, antes do acidente, uma equipe do Cepta
e da Cesp levou cinco dias para capturar dois exemplares
da espécie no leito do rio Paraíba
do Sul”, conta a analista ambiental e integrante
do projeto de pesquisa Carla Polaz.
O chefe do Cepta, Laerte Batista
Alves, disse que o centro não foi notificado
sobre o vazamento por nenhum órgão
ambiental federal ou estadual e somente tomou conhecimento
do acidente por meio de uma mensagem enviada pelo
gerente da Estação de Hidrobiologia
e Piscicultura da Cesp, em Paraibuna/SP, Danilo
Caneppelle, dois dias após o vazamento.
Alves informou ainda que, preocupados
com a escassez de informações sobre
o efeito de agrotóxicos em peixes brasileiros,
principalmente em virtude do intenso crescimento
da agricultura intensiva no País, pesquisadores
do Laboratório de Histofisiologia Experimental
em Ectotérmicos, do Instituto de Biologia
da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp),
em colaboração com pesquisadores e
analistas ambientais do Cepta, iniciaram pesquisas
para avaliação do efeito da intoxicação
química por agrotóxicos na ictiofauna
brasileira.
Um dos trabalhos que está
sendo desenvolvido no momento é o da avaliação
do efeito da intoxicação aguda e crônica
com organoclorados em espécies de peixes
nativas, utilizando biomarcadores histopatológico.
Esse estudo, segundo ele, é
fundamental para nortear as futuras medidas preventivas
e até mesmo punitivas adequadas ao nível
do dano ambiental causado. “Assim, diante da situação
ocorrida no rio Paraíba do Sul, estudos de
monitoramento são necessários e imprescindíveis
para melhor compreensão da dimensão
dos danos provocados a curto, médio e longo
prazo”, garante Alves.
CAIXA D´ÁGUA – Situado
na região mais industrializada do País,
o rio Paraíba do Sul é considerado
a “caixa d'água” de várias cidades
do Rio de Janeiro, dentre elas, a capital do estado.
Segundo informações da Feema, o rio
abastece 12 milhões de pessoas no Estado
do Rio. O acidente provocou a suspensão do
abastecimento de água para várias
cidades, tais como Volta Redonda, Barra Mansa, Porto
Real, Barra do Piraí, Pinheiral e Quatis.
A bacia do rio Paraíba
do Sul é uma das regiões em que os
níveis de degradação ambiental
é bastante elevado, o que tem provocado uma
drástica redução das populações
de muitas espécies de peixes, dentre elas
a do surubim-do-paraíba, restrita a apenas
alguns pontos da bacia. Embora seja o rio que abastece
várias cidades do Estado do Rio de Janeiro
com água potável, ele está
situado no eixo Rio–São Paulo–Minas Gerais
e, além da degradação das matas
ciliares, freqüentemente é contaminado
por produtos químicos provenientes das indústrias.
Na região de São
Paulo, por exemplo, não há mais registro
da existência do surubim-do-paraíba.
Em 2003, um dos reservatórios da Indústria
Cataguases de Papel, de reciclagem, situada na cidade
de Cataguazes, em Minas Gerais, rompeu e despejou
1,2 bilhão de litros de resíduos químicos
no corrégo Cágado, afluente do rio
Pomba que, por sua vez, deságua no Paraíba
do Sul. Os resíduos que continham 60% de
matéria inorgânica e 40% de orgânica
chegaram ao mar.
O acidente destruiu toda a biota
aquática do córrego Cágado
e, ao longo dos rios Pomba e Paraíba do Sul
uma mancha negra matou peixes e outros animais,
como bois, bezerros, capivaras, jacarés,
cavalos, cães, garças, gaviões,
bem como a vegetação ciliar, até
mesmo com derrubada de árvores em virtude
da quantidade e da força com que os resíduos
chegaram ao ribeirão Cágado. Em São
Francisco de Itabapoana, a faixa de areia que separava
o mar da Lagoa da Praia foi destruída, ocasionando
a contaminação da lagoa e dos manguezais.
Além dos acidentes com
produtos químicos, o rio é retalhado
por pequenas hidrelétricas. Só no
rio Paraíba do Sul havia, em 1999, segundo
dados da Eletrobrás, 14 aproveitamentos hidrelétricos
em operação e mais de 50 planejados
ou em construção. As espécie
endêmicas do rio também são
ameaçadas pelas exóticas, como o bagre-africano
(Clarias garepinnus) e alóctones (oriundos
de outras bacias hidrográficas brasileiras),
como o tucunaré (Cichla spp.) e o dourado
(Salminus brasiliensis).
DESTRUIÇÃO – O chefe
da Agência Regional do Médio Paraíba
da Federação da Fundação
Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (Feema)
do Rio de Janeiro, José Roberto de Souza
Araújo, afirma que um acidente desse tipo
é capaz e destruir a biota aquática
em poucos dias, mas o rio levará no mínimo
dez anos para começar a se reconstituir:
isso se não houver nenhum outro tipo de acidente
ecológico. Segundo ele, todos os peixes existentes
na calha do rio entre o local do acidente e a foz
do Paraíba do Sul morreram.
Ainda segundo Araújo, além
de reincidente nesse tipo de crime ambiental, a
Servatis cometeu, nesse acidente, dois crimes civis.
O primeiro por ter posto a saúde da população
do Rio de Janeiro em risco e o segundo por ter mantido
uma válvula dentro do tanque de contenção
de resíduos com dreno para a rede de águas
pluviais. Com as chuvas, o veneno foi levado com
muita rapidez para o rio Paraíba do Sul.
A existência da válvula é proibida
por lei.
Recentemente, a empresa causou
um acidente ambiental aéreo e foi multada
em R$ 370 mil. Depois do vazamento do pesticida,
a empresa foi interditada. No entanto, o rastro
de destruição permanece no meio ambiente.
O caso da Servatis não é diferente
do de outras empresas tanto de grande como de médio
e pequeno portes que, apesar da legislação
ambiental e das possibilidades de ajustamento de
conduta, negligenciam normas e provocam acidentes
muitas vezes irreversíveis nos ecossistemas
brasileiros.
Ascom/ICMBio
+ Mais
Ambientalista brasileira recebe
prêmio nos Estados Unidos
Brasília (08/12/2008) –
A ambientalista que ajudou a salvar da extinção
uma das espécies mais conhecidas de primatas
brasileiros é a vencedora do ano do Prêmio
National Geographic Society/Buffet para Lideranças
em Conservação na América Latina.
Denise Marçal Rambaldi é secretária-geral
da Associação Mico-Leão-Dourado
(AMLD). Ela vai receber o prêmio na quinta-feira
(11) em cerimônia na sede da National Geographic
Society, em Washington, nos Estados Unidos.
“Nos sentimos também premiados
com essa homenagem feita a Denise”, diz Whitson
José da Costa Júnior, chefe da Reserva
Biológica (Rebio) União, que atua
em conjunto com a AMDL na preservação
do mico-leão. Junto com a Rebio Poço
das Antas e a Área de Proteção
Ambiental (APA) da Bacia do Rio São João/Mico-Leão-Dourado,
a Rebio União forma um mosaico de unidades
de conservação federais no interior
do Rio de Janeiro, na área de ocorrência
do primata. As três unidades são administradas
pelo Instituto Chico Mendes de Conservação
da Biodiversidade (ICMBio).
Mantido por meio de doações
da Fundação Howard G. Buffet, o prêmio
reconhece o trabalho excepcional dos vencedores
e suas contribuições para um melhor
entendimento das práticas de conservação
em seus países. O trabalho da AMDL visa a
assegurar a sobrevivência do mico-leão-dourado
(Leontopithecus rosalia), primata que vive em uma
pequena porção da Mata Atlântica
no Rio de Janeiro, um dos hotspots de biodiversidade
mais ameaçados do planeta.
Graças aos esforços
da associação, em parceria com os
governos estadual e federal, para restaurar florestas,
conectar fragmentos florestais isolados e apoiar
áreas protegidas, a população
de mico-leão-dourado agora totaliza 1.500
indivíduos. Os animais podem ser encontrados
em mais de 30 fazendas particulares e nas três
unidades de conservação federais da
bacia do Rio São João, totalizando
10.600 hectares de áreas protegidas.
A espécie foi reclassificada
na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas
da União Internacional para a Conservação
da Natureza (IUCN, sigla em inglês), passando
de “criticamente ameaçada” para “ameaçada”
de extinção.
A AMDL também contribuiu
para a criação de um consórcio
municipal para proteger 150.000 hectares na bacia
do rio São João, Estado do Rio de
Janeiro. Toda a bacia agora está sob zoneamento
como Área de Proteção Ambiental.
Sob a liderança da associação,
muitos proprietários privados estão
conservando remanescentes florestais e transformando-os
em reservas particulares. É o maior esforço
de conservação em um único
estado brasileiro.
A AMDL ajuda ainda as comunidades
locais da Mata Atlântica. Por meio de seu
trabalho, a associação tem sido bem-sucedida
no combate à pobreza enquanto reduz o impacto
humano na floresta. As atividades incluem a cooperação
com agricultores familiares para o estabelecimento
de viveiros de mudas para a restauração
florestal e criação de corredores
ecológicos. Ela também iniciou um
programa que envolve dezenas de professores em projetos
que promovem a conscientização ambiental.
Os ganhadores do Prêmio
National Geographic Society/Buffett são escolhidos
entre indicações submetidas ao Fundo
de Conservação da National Geographic
Society, que ranqueia os nomes através de
um processo de seleção por especialistas
em meio ambiente. “Este ano a vencedora foi reconhecida
pela sua extraordinária liderança
e papel vital no manejo e proteção
dos recursos naturais. Ela é uma inspiradora
defensora da conservação, que tem
um papel de mentora em sua comunidade”, diz Thomas
Lovejoy, Presidente do Fundo de Conservação.
Dedicado à conservação
da herança biológica e cultural, o
Fundo de Conservação apóia
soluções inovadoras para as preocupações
globais e encoraja modelos que engajam e informam
as populações locais de suas áreas.
Howard Buffett é agricultor,
empresário e um fotógrafo mundialmente
conhecido. Ele é presidente da Fundação
Howard G. Buffett cujo foco é humanitário
e conservacionista. Ele é membro da Comissão
de Debates Presidenciais, atua como Embaixador das
Nações Unidas contra a Fome e é
membro do Conselho de Diretores da National Geographic
Society.