14 de
Janeiro de 2009 - São Paulo (SP), Brasil
— O ministro Mangabeira Unger sonha com a entrada
do Brasil no seleto grupo de países detentores
de armas atômicas. Para isso, defende a saída
do país do Tratado de Não-Proliferação
Nuclear.
Quem melhor, no Brasil, para encarnar
o personagem vivido por Peter Sellers no filme Dr.
Fantástico (ou Como Aprendi a Parar de Me
Preocupar e Amar a Bomba), de Stanley Kubrick, do
que o nosso ministro Mangabeira Unger?
O Dr. Fantástico, no caso,
é um misterioso cientista que trabalha para
o governo americano e defende a bomba atômica
como forma de se evitar uma guerra com a antiga
União Soviética. O plano, claro, dá
errado e as duas potências se envolvem num
conflito nuclear.
Mangabeira Ungernão esconde
sua esperança de ver o Brasil com armas atômicas
para defender a Amazônia, o pré-sal,
as águas subterrâneas, o carnaval,
sei-lá-mais-o-que... Para isso, já
bateu o martelo: o Brasil não assinará
o protocolo extra que revisará em 2010 o
Tratado de Não-Proliferação
Nuclear (TNP).
O discurso oficial é de
que o Brasil, hoje integrante do Tratado, só
o fará novamente caso as grandes potências
se desarmem. Mas é público e notório
o desagrado de várias figuras nebulosas (e
influentes) com a adesão do Brasil ao TNP.
São pessoas que gravitam há anos em
torno do governo federal, como o almirante Othon
Luiz Pinheiro da Silva, presidente da Eletronuclear
(aquele da tentativa de explodir um artefato nuclear
na Serra do Cachimbo, no início da década
de 11000), Rex Nazareth (ex-presidente da Cnen)
e embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, secretário-geral
do Itamaraty (um dos maiores defensores da retirada
do Brasil do TNP). E eles exercem uma grande pressão
para que o Brasil seja uma potência militar
e atômica.
Dr. Fantástico fez escola.
A propósito, Vinicius Mota
escreveu neste domingo sobre o assunto em sua coluna
na Folha. Segue abaixo:
Às armas, cidadãos
SÃO PAULO - O ministro
de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira
Unger, conclamou -"O Brasil vai às armas!"-,
e a população respondeu. Nas favelas,
no Senado, na Baixada Fluminense, só se fala
de outra coisa.
Melhor assim. Entusiasmado com
o verde-oliva, o professor defendia o serviço
patriótico obrigatório para todos.
"A transformação do país
exige sacrifício", pregava. Sacrificaram-lhe
a proposta. O documento que restou de sua curiosa
interação com Nelson Jobim (Defesa),
a Estratégia Nacional de Defesa, contudo,
não deixa de acariciar uma certa nostalgia
nacionalista.
Há um lamento antigo, numa
corrente minoritária que preza acima de tudo
o destino manifesto do Brasil de tornar-se potência,
sobre a renúncia do país à
bomba atômica. Mangabeira veste bem o figurino
do nosso Doutor Fantástico.
A certa altura, o documento diz
que o Brasil tem compromisso com o uso pacífico
da energia atômica. "Entretanto, afirma
a necessidade estratégica de desenvolver
e dominar a tecnologia nuclear". Entendeu o
emprego do "entretanto"?
A picuinha do momento é
a recusa do Brasil em assinar o protocolo extra
do Tratado de Não-Proliferação
Nuclear. Não o faremos, exorta o documento,
até que as potências atômicas
comecem a desarmar-se.
O governo reluta em ampliar o
acesso de fiscais da ONU a locais onde é
processado material radioativo. Haveria segredos
industriais a preservar, centrífugas de urânio
sensacionais. O argumento provoca risos em gente
que conhece o tema.
Não há nada a esconder,
senhores. O "uso estritamente pacífico"
da energia nuclear não depende de tratado
internacional. Está claríssimo na
Constituição. E os cidadãos
brasileiros têm direito de saber o que se
passa nessas instalações.
Em tempo: vale conferir também
o artigo Banindo a Bomba (texto em inglês),
de Peter David, editor de internacional da revista
The Economist. Um tanto lúgubre, mas fundamental.
Uma frase:
"Não é provável
que algum Estado armado caminhe para o desarmamento
(nuclear) sem que existam movimentos simultâneos
para fortalecer as salvaguardas contra a proliferação".