Conservação
Internacional lança hoje o ‘Croizat’, um
novo aliado tecnológico para a identificação
de áreas prioritárias a partir da
análise da distribuição das
espécies - Belo Horizonte, 14 de janeiro
de 2009 — Após um período probatório
inicial de dois meses, quando foi testado e revisado
por um painel de especialistas, está sendo
lançada hoje pela Conservação
Internacional (CI-Brasil) a primeira versão
pública do software ‘Croizat’. Disponível
gratuitamente para a comunidade científica
em http://panbiog.infobio.net/croizat, o programa
é uma ferramenta especialmente projetada
para análises de dados de distribuição
geográfica de espécies. O ‘Croizat’
possibilita estudos quantitativos em panbiogeografia,
uma das principais linhas de pesquisa da biogeografia,
que é o estudo da distribuição
das espécies de seres vivos no planeta.
Panbiogeografia – Criada pelo
botânico franco-italiano Léon Croizat
(1894-1982), a panbiogeografia propõe que
as biotas evoluem através de barreiras geográficas.
Para Croizat, isso ocorre essencialmente por vicariância,
que é o mecanismo evolutivo no qual a distribuição
de uma espécie ancestral é fragmentada
em duas ou mais áreas, devido ao surgimento
de uma barreira natural.
“O método panbiogeográfico,
no qual o software é baseado, enfatiza a
importância da informação espacial
como objeto direto de análise biogeográfica,
tratando os padrões de distribuição
das espécies como um dos componentes fundamentais
da biodiversidade”, aponta Mauro Cavalcanti, desenvolvedor
responsável pelo ‘Croizat’. Ele explica que
a identificação destes padrões
permite identificar áreas que apresentam,
além da alta riqueza de espécies,
importância histórica por serem pontos-chave
na evolução e estruturação
dos padrões atuais de distribuição
das biotas.
Operacionalmente, o método
consiste em marcar no mapa as localidades conhecidas
de um táxon e conectá-las mediante
a linha de menor distância, denominada ‘traço
individual’ A coincidência de vários
traços individuais determina um ‘traço
generalizado’, o qual representa uma biota ancestral,
amplamente distribuída no passado e posteriormente
fragmentada por eventos físicos (tectônicos,
climáticos, mudanças do nível
do mar e outros). Os setores do espaço geográfico
onde dois ou mais táxons generalizados se
superpõem são denominados ‘nós
biogeográficos’. Estes representam fragmentos
bióticos e geológicos ancestrais de
diferentes origens que se relacionam no espaço-tempo,
em resposta a alguma mudança tectônica.
“Os nós são áreas particularmente
complexas, onde se unem diferentes histórias
geológicas e biológicas. No contexto
da biogeografia, eles representam verdadeiros hotspots,
indicando áreas de interesse fundamental
para a conservação da biodiversidade.
Há inclusive evidências sobre uma grande
congruência entre os ‘nós biogeográficos’
determinados pelo método panbiogeográfico
e os 34 ‘hotspots mundiais de biodiversidade’ identificados
pela Conservação Internacional”, completa
Cavalcanti.
José Maria Cardoso da Silva,
vice-presidente para a América do Sul da
Conservação Internacional, ressalta
a importância do método para a priorização
de áreas para a proteção da
diversidade biológica. “Com o lançamento
do ‘Croizat’ a CI pretende disseminar e fomentar
o conhecimento científico de ponta, disponibilizando,
de forma ampla e gratuita a todos os pesquisadores
interessados, um programa de qualidade que venha
a contribuir para o planejamento de ações
de conservação em todo o Brasil”.
Ele explica que as poucas ferramentas
de software até então disponíveis
para análises biogeográficas baseadas
nesse método eram restritas em áreas
de aplicação e sistemas operacionais,
exigindo eventualmente o suporte de Sistemas de
Informação Geográfica (GIS)
comerciais de alto custo.
Software - O software, em inglês,
oferece uma interface amigável, multi-plataforma,
baseada no paradigma do software livre e de código
aberto para difundir e ampliar a aplicação
do método panbiogeográfico na conservação
da biodiversidade. Foi desenvolvido em Python (www.python.org),
uma linguagem de programação interpretada,
orientada a objetos, com uma sintaxe clara e concisa,
disponível para todos os sistemas operacionais
(GNU/Linux, Ms-Windows, Mac OS X, entre outros),
que tem sido amplamente empregada no desenvolvimento
de aplicações para computação
científica.
A partir do lançamento
público do programa, os idealizadores pretendem
proceder com mais uma bateria de testes e realizar
regularmente ajustes necessários em função
do retorno recebido dos usuários, criando
novas versões aperfeiçoadas do software.
Aplicação do método
na priorização de áreas – Na
década de 80, o pesquisador neozelandês
John Grehan propôs, pioneiramente, a utilização
da panbiogeografia para estabelecer prioridades
para a conservação na Nova Zelândia.
Posteriormente, o grupo do pesquisador argentino
Juan Morrone realizou vários trabalhos aplicando
o método para identificar e classificar áreas
prioritárias para a conservação
de plantas, insetos e aves, na América do
Sul e no México. Ambos compõem o painel
de especialistas que avalia o software ‘Croizat’.
No Brasil, uma aplicação pioneira
do método panbiogeográfico como ferramenta
para a seleção de áreas prioritárias
para a conservação foi realizada por
Jayme Prevedello e Cláudio Carvalho, pesquisadores
da Universidade Federal do Paraná, enfocando
plantas, mamíferos, aves e insetos do Cerrado
brasileiro.
Ainda nos anos 80, outro pesquisador
neozelandês, Rod Page, propôs um método
panbiogeográfico quantitativo baseado na
teoria dos grafos, no qual o delineamento de um
traço individual corresponde ao desenho de
uma árvore de conexão mínima,
a qual equivale a um grafo que conecta todas as
localidades de um táxon de modo que a soma
das distâncias seja mínima. A teoria
dos grafos é uma área da matemática
que estuda as propriedades de conjuntos de pontos
conectados entre si, a qual encontrou importantes
aplicações em ciência da computação,
sobretudo a partir do crescimento do interesse pelas
redes (computacionais, sociais, biológicas
etc.). Este desenvolvimento estabeleceu as bases
para a panbiogeografia quantitativa, permitindo
estabelecer uma equivalência entre os conceitos
da teoria dos grafos e os da panbiogeografia e possibilitando
a aplicação de algoritmos computacionais
à análise de dados de distribuição
geográfica de espécies no contexto
panbiogeográfico.
Mauro Cavalcanti