02/02/2009
- Os invasores foram encontrados em 25 de janeiro
último no Rio Couto de Magalhães e
a Polícia Federal e a Funai foram avisadas.
Como ainda não foram tomadas providências,
os Yanomami ameaçam expulsá-los com
seus métodos e armas tradicionais. As tensões
na região vêm se agravando desde 21
de janeiro quando um líder Ye'kuana foi morto
e seu filho ferido a bala por um grupo de garimpeiros.
Alguns dias depois de um grupo
de garimpeiros ter assassinado a tiros o tuxaua
Ye'kuana Luiz Vicente Carton e ter ferido a bala
seu filho Ronildo Luiz Carton na comunidade São
Luiz do Arame, em Alto Alegre, índios Yanomami
da comunidade Remohipi, região do Paapiu,
na TI Yanomami, encontraram três garimpeiros
no Rio Couto de Magalhães. O fato, ocorrido
em 25 de janeiro último, foi denunciado à
Fundação Nacional do Índio
(Funai) e à Polícia Federal em carta
assinada pela Hutukara – Associação
Yanomami e por habitantes da comunidade Remohipi.
(Leia no final do texto).Cansados de esperar por
uma operação de retirada dos invasores,
os Yanomami ameaçam expulsá-los usando
suas armas e métodos tradicionais.
Os Ye'kuana foram atacados por
terem se recusado a transportar os garimpeiros rio
acima, já que não querem mais dar
apoio a atividades ilegais de garimpo em suas terras.
Depois de uma semana de cerco da Polícia
Federal, os assassinos se entregaram alegando legítima
defesa. De acordo com notícia publicada no
jornal Folha de Boa Vista, empresários roraimenses
estão envolvidos no financiamento do garimpo
na área, e utilizam suas atividades comerciais
para lavar o dinheiro conseguido com as atividades
ilícitas.
Os acontecimentos chamaram a atenção
de organizações internacionais de
apoio aos povos indígenas. Em carta endereçada
ao Ministro da Justiça, Tarso Genro, a Survival
Internacional de Londres se diz alarmada com o avanço
do garimpo e cobra uma atitude firme das autoridades
competentes. Leia a carta na íntegra.
Os Yanomami e seus apoiadores
têm denunciado o aumento das atividades de
garimpo em suas terras desde 2005, sem que nenhuma
ação efetiva tenha sido tomada. Revoltados,
em 19 de setembro de 2008, os Yanomami da região
do Alto Catrimani enviaram carta à Funai
denunciando a presença de cerca de dez balsas
e duas pistas clandestinas na região. Segundo
funcionários do órgão indigenista,
existem hoje aproximadamente três mil garimpeiros
atuando na Terra Indígena Yanomami e ameaçando
a sobrevivência dos índios.
Boa Vista-RR, 29 de janeiro de
2009
+ Mais
Nova denúncia contra o
garimpo ilegal na região Paapiu
No dia 25 de janeiro de 2009 três
Yanomami da Região do Papiu pescavam no Rio
Couto de Magalhães e encontraram três
garimpeiros que se aproximaram buscando amizade
com os Yanomami. Os garimpeiros puxaram com a sua
voadeira a canoa dos Yanomami até o porto
da comunidade Remoripi onde os garimpeiros falaram
que voltariam no dia 27 de janeiro de 2009 para
ir até a pista da Caveira, local muito utilizado
por garimpeiros. Ao perceber que outros Yanomami
se aproximavam do porto, os garimpeiros saíram
rapidamente.
Nós Yanomami da Região
do Paapiu junto com a Hutukara estamos avisando
a FUNAI e a POLICIA FEDERAL para que retirem os
garimpeiros imediatamente se não nós
Yanomami vamos reagir de uma forma tradicional usando
nossas armas como arco e flecha e a nossa força
contra invasores que se encontram na Região.
Porque nós Yanomami moradores da Região
Papiu estamos cansados de esperar a retirada dos
garimpeiros que se encontram ilegalmente na Terra
Indigena Yanomami.
Segue assinaturas das Lideranças
Yanomami:
Arokona Yanomama
Conselheiro da Comunidade
Alfredo Himotono Yanomama
Conselho Fiscal da HAY
Anselmo Xiropino Yanomami-
Vice- Presidente da Associação Yanomami
Mauricio Tome Rocha- Ye’kuana
Gestor da HAY e Coordenador da Terra e Ambiente
+Mais
Assassinato de índio Ye'kuana
em Roraima aconteceu no "último trabalho"
03/02/2009 - Luiz Vicente Carton
não atendeu aos apelos das lideranças
da comunidade de Waikás e acabou morto a
tiros, em 21 de janeiro último, em São
Luiz do Arame, em Alto Alegre (RR), por se recusar
a guiar um grupo de garimpeiros ao coração
da Terra Indígena Yanomami. Um de seus filhos,
Ronildo, foi ferido a bala. Depoimentos de lideranças
Ye'kuana e do próprio filho de Luiz Vicente,
Ronildo, que conseguiu fugir, mesmo ferido, ajudam
a entender o que aconteceu.
O técnico Dafran Macário
da equipe do ISA de Boa Vista (RR) e o dirigente
da Hutukara Associação Yanomami, Maurício
Ye'kuana conversaram longamente com diversas lideranças
para tentar reconstituir as circunstâncias
que levaram à morte de Luiz Vicente Carton.
O resumo dos depoimentos que ouviram de Reinaldo
Wadeyuna, Martin Albertino Gimenes, Henrique Aleuta
Gimenes e Xavier Francisco Ximenes segue abaixo.
Luiz Vicente Carton trabalhava
para os garimpeiros desde 11000. Guiava homens e
máquinas, favorecendo a entrada de garimpeiros
na terra Yanomami. Seus filhos Ronaldo e Ronildo
trabalhavam com ele. Moravam numa maloca nas proximidades
do porto da “Boca do Arame”, que fica fora dos limites
da Terra Indígena Yanomami, no final da vicinal
6, no interior do Assentamento Paredão, próximo
da “Ilha do Maracá” (RR).
Ajudaram na construção
da estrada vicinal que facilitou o acesso dos garimpeiros
até o porto. Mas Luiz queria parar de trabalhar
com os garimpeiros e voltar a morar na comunidade
de Waikás, dentro da TI Yanomami. Tinha ido
para lá recentemente, conversado com as lideranças
locais e iniciado a construção de
uma casa para morar com sua família. Porém
Ronaldo, seu filho mais velho, o chamou de volta
para fazerem um “trabalho” para um novo “empresário
do garimpo”. O tuxaua de Waikás, Eduardo
Carlos da Silva, disse para Luiz não voltar
para a Boca do Arame. Luiz não atendeu ao
aviso do tuxaua e aceitou fazer um "ultimo
trabalho". Os lideres Ye'kuana disseram a ele
para não levar mais garimpeiros para perto
das áreas ocupadas pelos Ye'kuana.
Luiz voltou para a Boca do Arame,
encontrou um grupo de cinco garimpeiros liderados
por um tal de “Daniel”, equipados com motores grandes,
mas com pouco combustível. Ele foi para Boa
Vista encontrar com seu filho Ronaldo e comprar
mais combustível. Enquanto isso os garimpeiros
transportaram seus equipamentos para perto do “Posto
Uraricoera”, dentro da TI Yanomami, pois pretendiam
entrar para além da grande cachoeira do Tucano,
em direção à comunidade de
Waikás. Luiz retornou com o combustível
para a Boca do Arame e foi ao encontro dos garimpeiros.
Chegando lá comunicou a eles que deveriam
trabalhar ali mesmo, pois não poderiam avançar
para além do posto.
Ronildo Carton, filho de Luiz,
baleado no confronto, conseguiu escapar fingindo-se
de morto. Abaixo, seu depoimento:
"Os garimpeiros pediram para
meu pai deixá-los no garimpo do Uraricoera,
negociando em dinheiro. Ele concordou para levá-los
até o local. Levaram dez dias para chegar
até na região Uraricoera. Chegando
no Uraricoera ele disse para eles: “Daqui vai ser
mais três mil reais, em dinheiro”. Assim começou
a discussão entre eles. Meu pai se negou
a fazer o transporte. Ele disse para eles: “Agora
aqui vocês vão trabalhar, porque daqui
não posso levar vocês”. O desejo dos
garimpeiros era chegar a Mucuim, um local onde já
garimparam antigamente, que fica acima da comunidade
Waikás.
Continuou a discussão.
"Acelerado", um dos garimpeiros, disse
para ele: “Se eu tivesse sozinho eu já teria
matado você agora mesmo”. No final da tarde
queríamos visitar a comunidade Uraricoera
e o posto da Funai, mas “Acelerado” segurou a corda
da canoa, dizendo para não irmos. Não
teve acordo entre eles. Na manhã seguinte
decidiram voltar, dormiram uma noite. Chegaram ao
Porto do Arame. Os garimpeiros ficaram no porto
principal e nós fomos para um acampamento
perto da nossa maloca que fica a 30 minutos de motor
do Porto do Arame. Nessa hora meu pai, Luiz Vicente,
pediu 50 litros de gasolina para voltar. "Acelerado"
negou.
Na manhã seguinte eu e
meu pai estávamos conversando, perguntando
se está bem de saúde. Era seis horas
da manhã. Nessa hora ouvimos o barulho do
motor. Levantamos da rede e vimos três garimpeiros
chegando. Chegaram dizendo: "Bom dia"!
Em seguida eles obrigaram eu e meu pai a sentar
no chão. Meu pai não queria. Pediu
para eles ficarem calmos, mas não adiantou.
Deram o tiro na testa dele. Em seguida, atiraram
em mim também. Fui acertado com um tiro da
mesma espingarda, só que no ombro. Os tiros
foram disparados por "Acelerado" a mando
de Daniel.
Depois do tiroteio, o corpo do
meu pai foi colocado na nossa canoa e lá
me colocaram também. Fingi que estava morto.
Os garimpeiros disseram: "Vamos jogar os corpos
dentro da água com pé de bomba amarrado
neles". Fomos colocados dentro de uma canoa.
Quando eu estava dentro da canoa os garimpeiros
estavam passando por cima. Eu estava embrulhado
em minha rede, por isso os garimpeiros não
perceberam minha respiração. Seguiram
ao rumo Cachoeira do Tucano, pelo rio Uraricoera.
Chegando perto da Cachoeira do
Tucano, como o rio é de difícil acesso,
os garimpeiros não conhecem, tinham dificuldade
de passar. Decidiram ir no barco menor, que era
deles, deixando a gente na nossa canoa grande. Levantei
e vi que eles estavam indo. Fiquei mais ou menos
3 minutos em pé. Vi um galão com beiju
dentro. Me joguei dentro da água, atravessei
três ilhas grandes, nadando. Como já
sabia que ia morrer não tive medo. Quando
estava na última ilha ouvi o barulho dos
dois motores. Vi que estava sendo perseguido. De
novo cai dentro da água. Me escondi na mata
após sair do rio. Mas não cheguei
a ver eles, só ouvi o barulho do motor. Quando
eu estava no meio do caminho, numa montanha, consegui
ver que os garimpeiros estavam voltando.
Fui até a minha casa para
pegar a minha lanterna. Passei pelo local onde atiraram
em mim e no meu pai e vi que eles tinham lavado
o nosso sangue do chão. Peguei a canoa que
estava guardada, consegui colocar dentro da água.
Desci o rio e enfrentei mais três cachoeiras.
Cheguei na boca do rio Arame, subi um pouco, lá
escondi a canoa. Depois segui o caminho que chega
ao porto principal. Naquela hora ouvi a conversa
dos três garimpeiros. Peguei o caminho dos
Yanomami, que acompanha a estrada. Um caminho que
os garimpeiros não conhecem.
Cheguei à primeira fazenda,
procurei ajuda de um conhecido. Ele disse que podia
me levar de cavalo, mas não ia adiantar porque
o meu ombro estava machucado e doía muito.
Sai daquela fazenda seguindo a estrada e cheguei
na segunda fazenda. O morador ficou assustado, viu
que eu estava sofrendo. Ele queria me socorrer,
mas não tinha gasolina. Então fui
na terceira fazenda, o dono me socorreu. Ele tinha
moto e combustível. Ele me levou até
na Vila do Paredão, de lá ele chamou
a ambulância de Alto Alegre que me levou até
Boa Vista".
Os garimpeiros que assassinaram
Luiz Vicente e feriram Ronildo se entregaram uma
semana depois, após cerco da Polícia
Federal, e alegaram legítima defesa. Estão
presos em Boa Vista.