15/07/2009 - O Instituto Brasileiro
do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis
(Ibama) reprovou, em parecer técnico divulgado
no dia 9, o Estudo de Impacto
Ambiental (EIA) apresentado pelo Departamento Nacional
de Infraestrutura de Transportes (Dnit). O documento
aponta que o EIA não reúne informações
necessárias para avaliar a viabilidade ambiental
do empreendimento. Mas a Funai (Fundação
Nacional do Índio), deu sinal verde para
a licença, por meio de ofício enviado
ao Dnit, abrindo mão das consultas prévias
com os povos afetados.
A tentativa de asfaltar a BR 319,
rodovia que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO),
segue gerando polêmica. O relator de medida
provisória 462, deputado Sandro Mabel (PR/GO),
tentou liberar a obra, prevista no Programa de Aceleração
do Crescimento (PAC), em uma MP editada para ajudar
municípios. Após pressão ambientalista
ele voltou atrás, mas não completamente:
apenas acrescentou ao texto que a dispensa de licenciamento
não se aplica a obras de rodovias localizadas
na Amazônia Legal, excluindo a 319 da lista
de “beneficiadas”.
A estrada foi aberta na década
de 1970, mas está intransitável desde
os anos 80. O governo quer reconstruir 405,7 quilômetros,
cruzando trechos de floresta ainda intocada, o que
abrirá caminho para um quadro de desmatamento
acelerado em uma das áreas mais preservadas
da Amazônia. “Esse é o típico
caso em que deveria ser feita uma avaliação
ambiental estratégica que levasse em conta
a visão de futuro que se quer para a região,
considerando os cenários previstos de mudanças
climáticas e os compromissos brasileiros
associados ao controle dos desmatamentos na Amazônia”,
avalia Adriana Ramos, secretária executiva
adjunta do ISA.
Funai a favor?
O Ibama divulgou parecer contrário
ao EIA apresentado pelo Dnit. O documento determina
que a licença não pode ser emitida
porque, além da baixa qualidade do estudo,
as 10 condicionantes impostas pelo GT interministerial,
coordenado pelo MMA, não foram cumpridas.
Além do não cumprimento
das condicionantes, o parecer do Ibama explicita
outras irregularidades. Destaca que vistorias recentes
revelaram o aumento de áreas de desmatamento,
resultado do avanço da ocupação
das margens da rodovia na fase atual de anúncio
da reconstrução da estrada, bem como
do aumento da atividade madeireira ilegal.
Nesse documento é citado
ainda um ofício da Funai ao Dnit, favorável
à licença, com simples referência
à necessidade de “várias reuniões
com todas as comunidades indígenas”, conforme
copiado abaixo:
16/06/2009 – o Dnit envia cópia
do Ofício 185/2009/PRES-FUNAI, de 10/06/2009,
onde a Funai comunica que não há óbices
para a Licença Prévia da rodovia,
no entanto, vincula a definição das
condicionantes sobre o Componente Indígena
somente após várias reuniões
com todas as comunidades indígenas; (pág.
14 do parecer do Ibama)
A questão é que
as consultas com as populações afetadas,
de acordo com a Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil
é signatário, devem ser realizadas
antes da tomada de decisão – o que deveria
incluir a liberação ou não
da licença prévia para a obra. (Saiba
mais sobre o direito de consulta livre, prévia
e informada). A assessoria de comunicação
da Funai, questionada sobre de que adiantaria consultar
os povos após a liberação da
licença prévia, não retornou
com uma posição oficial sobre esse
ponto. Apenas ratificou o conteúdo do ofício
enviado ao Dnit, afirmando que "após
as reuniões, deverão ser apresentadas
as condicionantes para o prosseguimento do licenciamento
em causa".
Já a assessoria de comunicação
do Dnit informou, por e-mail, que a licença
ambiental para a BR-319 está prestes a ser
concedida e que o departamento está adotando
todas as medidas determinadas pelo Grupo de Trabalho
criado pelo Ministério do Meio Ambiente para
elaborar diretrizes e acompanhar o licenciamento
ambiental da BR-319. Está na mensagem que
“o Dnit entende que os impactos ambientais causados
por uma rodovia existente e definida no Plano Nacional
de Viação já foram admitidos
como necessários pela sociedade, na época
de sua construção”.
Para o ministro do Meio Ambiente,
Carlos Minc, a obra pode se tornar "a estrada
da destruição". Ele afirmou em
coletiva que o licenciamento ambiental da BR-319
é uma “guerra”, e que a licença não
será concedida enquanto as condicionantes
ambientais não forem efetivadas.
Viabilidade zero
Estudo da organização
Conservação Estratégica (CSF
Brasil), demonstra que o projeto de restauração
e de pavimentação da BR-319, orçado
em R$ 557 milhões, é economicamente
inviável: a diminuição nos
custos de transporte não seria suficiente
para cobrir os custos da reforma. O prejuízo
chegaria a R$ 316 milhões nos próximos
25 anos. Com a implantação de 29 parques
e reservas ao longo da rodovia o custo aumentaria
mais R$ 469 milhões, em valor presente. Porém,
sem a proteção de reservas, a reforma
da estrada poderia causar desmatamento e esgotamento
de recursos naturais, gerando um custo ambiental
para a sociedade calculado em pelo menos R$ 2,2
bilhões. De acordo com o autor, o analista
sênior Leonardo Fleck, para ter viabilidade,
levando em conta somente os custos da redução
das perdas ambientais em unidades de conservação,
o projeto teria de gerar benefícios adicionais
de R$ 785 milhões, o equivalente a cinco
vezes os benefícios estimados para a rodovia.
A conclusão do estudo é de que em
vez de reformar a rodovia o governo poderia estudar
o investimento na melhoria de hidrovias, portos
e aeroportos. De acordo com Fleck, até a
promoção do transporte aéreo
subvencionado à população de
baixa renda que realmente necessita se deslocar
entre Manaus e os municípios do sul do Amazonas
seria mais viável que reconstruir a BR. “Quanto
às poucas famílias que vivem precariamente
ao longo do trecho analisado, poderiam ser oferecidos
terrenos similares próximos às cidades
de Humaitá e Careiro, onde os diversos serviços
públicos são mais acessíveis",
afirma. Fleck ainda cita estudo da equipe de Britaldo
Soares-Filho da UFMG, o qual aponta que a reconstrução
da rodovia induzirá o aumento do desmatamento
na região em 4 milhões de hectares
em 2030, e 8,2 milhões em 2050, esmatamento
maior do que as rodovias BR-163 e Interoceánica,
quando analisadas separadamente, caso medidas mitigadoras
de inédita efetividade não sejam implementadas.
+ Mais
Organizações indígenas
querem falar com Temporão sobre a Funasa
e a gestão da saúde
02/07/2009 - O Conselho Indígena
de Roraima e a Hutukara Associação
Yanomami estão solicitando audiência
com o ministro da saúde, José Gomes
Temporão. Querem discutir a gestão
da saúde indígena e a Funasa em Roraima.
O decreto assinado por ele e pelo Presidente Lula
em 18 de junho passado deu autonomia administrativa
e financeira aos DSEIs, mas dentro da Funasa, ao
contrário do que reivindicavam os povos indígenas.
O órgão também não renovou
convênios estabelecidos com instituições
de confiança dos índios. O líder
indígena Davi Yanomami gravou mensagem reiterando
pedido de audiência. Assista.
A saúde indígena
cuja responsabilidade é da Fundação
Nacional de Saúde (Funasa) vinculada ao Ministério
da Saúde está em crise faz tempo.
As denúncias de corrupção são
recorrentes e em consequência crescem as doenças
e a vulnerabilidade dos povos indígenas.
Em novembro de 2008, o ministro da Saúde,
José Gomes Temporão anunciou a saída
da Funasa em meio a protestos dos povos indígenas
e acusou o órgão de ser corrupto e
apresentar baixa qualidade de serviços.
Mas passados sete meses o que
se vê é a rearticulação
do órgão federal para continuar a
gerenciar os recursos destinados à saúde
indígena até o final do governo Lula.
Exemplo disso é o Decreto nº 6 878,
assinado em 18 de junho último pelo Presidente
Lula e o ministro Temporão criando autonomia
administrativa e financeira dos Distritos Especiais
de Saúde Indígena (DSEIs), mas dentro
da Funasa. O órgão vai continuar a
escolher as pessoas que vão administrar e
controlar o funcionamento dos DSEI 's. A reivindicação
das organizações indígenas
era a autonomia administrativa e financeira, mas
fora da Funasa.
Nem as punições
que foram publicadas no dia 23 de junho passado
pelo Diário Oficial da União abalaram
os alicerces da Funasa. Foram punidos nove dirigentes
e servidores do órgão, por envolvimento
em irregularidades nas contas durante o exercício
de 2006, de acordo com processo administrativo da
Controladoria Geral da União. Entre eles,
está o ex-presidente do órgão,
Paulo Lustosa.
Em maio e junho, protestos e manifestações
de povos indígenas pedindo providências
contra a precariedade da saúde indígena
se intensificaram. Em São Paulo, em maio,
os índios tomaram a sede da Funasa na capital
reivindicando a saída do coordenador em São
Paulo, Raze Resel. Não foram atendidos. Já
os cerca de 600 índios de 18 etnias armados
de arco, flechas e bordunas, que ocuparam o prédio
da Funasa em Manaus por mais de duas semanas em
junho conseguiram a exoneração no
dia 22 último do coordenador regional da
Funasa, da coordenadora substituta e do chefe do
Distrito Sanitário Especial Indígena
(DSEI Manaus). Vão-se os funcionários
mas a Funasa se mantém no controle dos recursos
indígenas.
Adeus às organizações
parceiras dos povos indígenas
Amplamente denunciada por corrupção
nos últimos anos, a Funasa revidou não
renovando convênios com as organizações
sérias e de confiança das populações
indígenas. No Parque Nacional do Xingu, mulheres
xinguanas começaram um movimento em protesto
contra a não renovação pela
Funasa do convênio com a Universidade Federal
de São Paulo-Unifesp, que há mais
de quarenta anos realiza trabalho exemplar com as
comunidades indígenas Em novembro, os índios
chegaram a ocupar a sede do órgão
em Canarana (MT). Depois de idas e vindas, o convênio
com a Unifesp, que terminou em 29 de junho último,
está em negociação para renovação
até março de 2010.
No noroeste amazônico, a
Federação das Organizações
Indígenas do Rio Negro (Foirn) anunciou em
2006 o fim do convênio com a Funasa para gerir
o Distrito Sanitário Especial Indígena
do Rio Negro, por não dispor de autonomia
e ver suas demandas negadas . A organização
passou a atuar apenas no controle social do sistema
de saúde indígena na região.
Veja aqui.
Em Roraima, estado onde foi criado
o primeiro DSEI, o Yanomami, que serviu de modelo
para os demais 33 criados posteriormente, a Funasa
conseguiu este ano que os convênios firmados
com organizações de confiança
dos índios, não fossem renovados.
Veja aqui. O último convênio terminou
em junho. A Funasa, em procedimento de chamada pública,
escolheu a Secretaria de Saúde do Estado
de Roraima, Sesau, para conveniar. O Conselho Indígena
de Roraima (CIR) Saúde, uma das organizações
substituídas, foi conveniado da Funasa nos
últimos 12 anos, tornando-se alvo de políticos
roraimenses inconformados com o fato de o orçamento
destinado a saúde indígena, de quase
40 milhões em 2008, ficar sob a administração
e o controle social indígena.
O caso de Roraima
Roraima foi palco de duas operações
da Polícia Federal contra a Funasa. Em 2007,
a operação Metástase prendeu
30 pessoas, entre eles o coordenador regional do
órgão, Ramiro Teixeira. As investigações
revelaram fraudes, principalmente nas licitações
de serviços de transporte em táxi
aéreo, contratação de obras
de engenharia e aquisição de medicamentos,
que causaram prejuízos mais de R$ 34 milhões
aos cofres públicos.
Em julho de 2008, o Conselho Distrital
de Saúde Yanomami e Yekuana cobrou o afastamento
dos funcionários presos na Operação
Metástase por corrupção e denunciou
novamente o sucateamento de equipamentos e a falta
de medicamentos entre outros problemas. Os conselheiros
Yanomami ouviram do coordenador regional da Funasa,
Marcelo de Lima Lopes que enquanto não fossem
condenados pela justiça, os investigados
permaneceriam trabalhando na instituição.
Logo em seguida, em outubro, durante
a Operação Anopheles, mais 10 pessoas
foram presas, entre elas o próprio coordenador
regional, Marcelo de Lima Lopes e a sua mulher Scheila
Hortmann, acusados de fazerem parte de uma suposta
quadrilha envolvida com fraudes em licitação.
O dinheiro da corrupção seria parte
oriunda do Programa de Aceleração
do Crescimento (PAC), do Governo Federal, e de emenda
parlamentar.
Apesar da prisão, Lopes
continua como coordenador regional da Funasa e é
um dos principais defensores do Decreto nº
6.878, que cria a autonomia do DSEIs dentro da Funasa.
(Saiba mais). A Sesau não tem nenhuma experiência
prévia de atender populações
indígenas nas aldeias, é acusada de
desviar recursos do Incentivo para Assistência
Hospitalar às Populações Indígenas
(IAHPI, recurso destinado aos hospitais para que
atendam os indígenas) e sofre a influência
de políticos do estado, inimigos dos direitos
indígenas em Roraima.
Para os Yanomami a questão
de saúde é fundamental, a prestação
de serviço sem profissionais com experiência
e preparo para trabalhar com populações
indígenas na floresta amazônica pode
novamente elevar os índices de doenças,
como a malária, e de morte. Acrescente-se
à isto as denúncias de que as invasões
garimpeiras no território Yanomami estão
aumentando. Se a situação já
é bastante ruim, poderá ficar muito
pior.
Nesta quinta-feira (2/7), o CIR
e a Hutukara divulgaram manifesto de apoio à
autonomia administrativa instituída pelo
decreto mas fora da Funasa e o CIR divulgou Parecer
técnico sobre o convênio da Funasa
com a Sesau.