13 de Julho de 2009 Fonte: Agência
Brasil - O reconhecimento e a garantia do direito
originário dos índios Guarani Kaiowá
a terras em Mato Grosso do
Sul, hoje ocupadas por atividades produtivas, é
definido pelo presidente da Fundação
Nacional do Índio (Funai), Márcio
Meira, como uma “questão de honra” para o
Brasil e como “o principal desafio” após
a confirmação da demarcação
em faixa contínua da Terra Indígena
Raposa Serra do Sol, em Roraima.
A afirmação foi
feita pelo pesquisador e mestre em antropologia
social, de 45 anos, em entrevista à Agência
Brasil.
Os estudos de identificação
das áreas em Mato Grosso do Sul serão
retomados no próximo dia 20 por equipes técnicas,
e o desejo de Meira é que sejam concluídos
até o fim do ano.
Ilhados em pequenas áreas
demarcadas nas primeiras décadas do século
passado, em meio a grandes posses rurais, os Guarani
Kaiowa passam por um dramático processo de
violência e autodestruição que
já resultou em inúmeras mortes por
suicídio e assassinatos. Meira admite a responsabilidade
histórica da União pela situação,
que tem de ser corrigida.
“É uma questão de
honra do país, não apenas para o presidente
da Funai. O Brasil está sendo observado internacionalmente
Trata-se de uma questão humanitária
muito séria. Não podemos aceitar que,
no âmbito da nação brasileira,
tenhamos um grupo indígena vivendo nas condições
precárias em que os Guarani Kaiowá
vivem hoje”, afirmou Meira.
O presidente da Funai reconhece
a complexidade da situação fundiária
em Mato Grosso do Sul e prega cautela na condução
dos estudos antropológicos. O trabalho chegou
a ser iniciado no ano passado, mas foi paralisado
depois que equipes foram ameaçadas. Para
não acirrar mais o conflito, a Funai paralisou
os trabalhos e iniciou um diálogo com o setor
produtivo e o governo do estado, com acompanhamento
do Ministério Público Federal. O certo
é que os estudos terão de ser concluídos.
“Só com base nesses estudos
vamos ter um quadro mais claro de quanto será
necessário fazer para o reconhecimento das
terras tradicionalmente ocupadas. E é isso
também que vai garantir segurança
jurídica para o desenvolvimento do estado”,
argumentou Meira.
“É um caso de muito conflito
e exige cautela. Vários indígenas
foram assassinados na região, sofrem violência
e preconceito. [É] uma região em que
a expansão econômica da agroindústria
foi muito forte nos últimos anos. Não
queremos que garantia dos direitos dos povos indígenas
seja feita com sangue e com mortes”, acrescentou.
A área reivindicada pelos
Guarani Kaiowá em Mato Grosso do Sul está
ocupada por pessoas que receberam títulos
de posse. O governo do presidente Getúlio
Vargas (1930-1945 e 1950-1954) fez um projeto de
colonização no estado. Fazendeiros
que hoje produzem lá soja, cana e etanol
são netos daqueles que foram para lá
como pioneiros. Mesmo assim, segundo Meira, prevalece
o direito originário dos índios sobre
as terras.
“Vale mais o direito originário
do índio, que é constitucional. Todos
os atos normativos são nulos quando o Estado
reconhece que a terra é tradicionalmente
ocupada pelos índios”, defendeu.
Independentemente do trabalho
de identificação preparado pela Funai,
a disputa pelas terras em Mato Grosso do Sul pode
acabar na Justiça. Na decisão referente
à Terra Indígena Raposa Serra do Sol,
o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu condicionantes
às quais, em tese, estariam submetidas a
futuras demarcações. Uma delas estabelece
a vedação do aumento de áreas
já demarcadas, mas, no entender da União,
isso só se aplica às demarcações
feitas após a Constituição
de 1988.
"Há uma quantidade
de terras demarcadas muito antes [da Constituição
de 1988], nas décadas de 20, 30 e 40, quando
os critérios não eram antropológicos.
Muitas vezes, essas terras foram demarcadas expropriando
de forma abusiva e violenta a população
indígena que ali estava ocupando-as de forma
tradicional. Estamos falando de correção
de limites de terras indígenas tradicionalmente
ocupadas", ressaltou Meira.
+ Mais
Acordos de Cooperação
promovem fortalecimento do Território da
Cidadania Indígena do Rio Negro
07 de Julho de 2009 Na manhã
do dia 7 de julho, terça-feira, a Fundação
Nacional do Índio firmou dois termos de cooperação
técnica para implementação
de ações do Programa de Proteção
e Promoção dos Povos Indígenas,
com objetivo de promover o desenvolvimento sustentável
na Bacia do Rio Negro. O documento oficializa a
parceria com a Prefeitura de São Gabriel
da Cachoeira/AM, com o Instituto Socioambiental
(ISA) e com a Federação das Organizações
Indígenas do Rio Negro (FOIRN), parceiros
nas ações desenvolvidas pelo Território
da Cidadania Indígena do Rio Negro, estabelecendo
um marco no compartilhamento da gestão pública
na região.
Carlos Alberto Ricardo, representante
do Instituto Socioambiental, avaliou a iniciativa
como um avanço no sentido de reconhecer que
o espaço público é compartilhado
entre o Estado, a Sociedade civil e o setor privado.
Para Beto Ricardo, como é comumente chamado,
outros acordos devem ser incentivados neste formato,
que classificou como contemporâneo, especialmente
em função da crise de sustentabilidade
vivida no mundo. “ A Bacia do Rio Negro é
uma enorme oportunidade de trilhar um novo caminho
do desenvolvimento sustentável, com valorização
da diversidade socioambiental e essa assinatura
de hoje, aqui, é apenas uma pequena amostra
de parceiros que estão cooperando numa bacia
transnacional de hegemonia indígena”, declarou.
Abrahão de Oliveira França,
presidente da FOIRN, afirmou que os povos indígenas
da região estavam preparados para assumir
esse compromisso, pois participaram do processo
de discussão e elaboração do
acordo. “É uma nova fase da história
do movimento do Rio Negro. Queremos que esse novo
modelo se estenda a outras regiões, outras
populações indígenas também”,
enfatizou Abrahão. O vice-prefeito de São
Gabriel da Cachoeira, André Fernando Baniwa,
destacou a importância dos conceitos do Território
da Cidadania Indígena e do Território
Etno-educacional, que possibilitam uma análise
abrangente para o desenvolvimento regional daquela
parte importante do país.
Segundo Márcio Meira, o
Programa Territórios da Cidadania é
prioridade para o Presidente Lula, que recebeu com
aprovação a sugestão de Territórios
da Cidadania Indígenas, por se tratarem de
regiões onde a população indígena
é majoritária e as Terras Indígenas
constituem a maior área. “Os termos de cooperação
que estamos assinando fazem parte de um processo
maior de articulação, coordenação,
monitoramento, acompanhamento, protagonismo da sociedade
civil e, sobretudo, de protagonismo do Estado”,
afirmou o presidente da Funai. Meira destacou ainda
a importância dos acordos para a execução
do Plano Estratégico 2009-2010, cujas diretrizes
baseiam-se na gestão compartilhada e no fortalecimento
do controle social, ou seja, na participação
organizada da sociedade indígena nos processos
de formulação e gestão de planos
de ação e programas de governo, visando
aumentar a efetividade das políticas públicas.
Com essa ferramenta, a Funai pretende melhorar a
qualidade de aplicação dos recursos
públicos disponíveis, promovendo a
modernização gerencial. O Plano Estratégico
possibilita que os povos indígenas definam
suas próprias prioridades e metas a partir
de diagnósticos participativos.
A solenidade de assinatura dos
termos de cooperação foi realizada
na Sala de Retratos do Ministério da Justiça
e contou com a presença de representantes
do Banco do Brasil, da Secretaria de Aquicultura
e Pesca, da Casa Civil, dos Ministérios da
Saúde, do Meio Ambiente, do Desenvolvimento
Agrário e de Minas e Energia e de associações
indígenas da região.