11/02/2010 - Fundação
Nacional do Índio (Funai) agrava crise na
região de Altamira, no Pará, logo
após sair licenciamento da Usina Hidrelétrica
(UHE) de Belo Monte. Sentindo-se desrespeitados
e abandonados pelo governo, em função
das alterações na administração
regional, os índios se manifestaram. Um grupo
de indígenas que ocupa, desde o dia 4/2,
a sede da Funai em Altamira, em protesto ao licenciamento
da usina, divulgou carta enviada ao Presidente da
República , com cópia para Funai e
Ministério Público, em que exige
a anulação do Decreto nº 7.056,
que aprova o novo estatuto e quadro de cargos em
comissão do órgão e transforma
as 45 administrações regionais em
36 coordenações regionais.
Com as mudanças na estrutura
organizacional da Funai, previstas no Decreto nº
7.056, de 28 de dezembro de 2009, haverá
a extinção da administração
executiva de Altamira sem a criação
de uma coordenação regional para substituí-la,
um dos pontos que incomodam os indígenas
que assinam a carta. Os índios também
reclamam da falta de processo amplo de consulta
livre, prévia e informada, conforme estabelece
a Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT).
O documento exige a anulação
do decreto e a exoneração do presidente
da Funai, Márcio Meira, além do fortalecimento
da Administração Executiva Regional
de Altamira com incremento no quadro de pessoal.
A preocupação dos
índios com a manutenção de
uma estrutura de apoio na região é
especialmente relevante em função
da perspectiva de construção da Usina
Hidrelétrica (UHE) de Belo Monte, cuja licença
prévia foi liberada na semana passada (1/2)
pelo governo, e que gerará impactos ainda
não totalmente mensurados sobre diferentes
terras e povos indígenas. O desafio da reestruturação,
neste caso, é promover ajustes considerando
a situação crítica existente
na região.
Leia abaixo a carta assinada pelos
povos Xipaia, Curuaia, Xikrin do Bacajá,
arakanã, Arara, Arawete, Asurini do Xingu,
Juruna e Kayapó Kararaô.
EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE
DA REPÚBLICA, LUIS INÁCIO LULA DA
SILVA.
Com cópia para:
Presidência da FUNAI;
Ministério Público Federal em Altamira;
Ministério Público Estadual;
6ª Câmara do MPF;
Órgãos de Imprensa.
O MOVIMENTO DOS POVOS INDÍGENAS
DA REGIÃO DE ALTAMIRA-PA que ocupam por tempo
indeterminado a sede da FUNAI em Altamira-PA, desde
04/02/10, representando o conjunto dos Povos Indígenas,
através de 09 etnias locais, e mais de 4.000
indígenas, vem por meio deste, TORNAR PÚBLICO
A INSATISFAÇÃO COM A APROVAÇÃO
DO DECRETO Nº 7.056, de 28/12/10, E A EXTINÇÃO
DA ADMINISTRAÇÃO EXECUTIVA DE ALTAMIRA-PA
pelos motivos que passa a expor para ao final exigir:
01. O Decreto foi publicado no
DOU em 29/12/09, em pleno recesso legislativo.
A aprovação do Decreto
não obedeceu ao comando legal estabelecido
na Convenção 169 da OIT, acordo internacionalo
ratificado pelo Brasil mediante o Decreto nº
5.051, de 19/04/2004.
Além de não ter
havido consulta prévia aos Povos Indígenas,
a Comissão Nacional de Política Indigenista
– CNPI criada pelo próprio presidente da
FUNAI PARA NOS REPRESENTAR foi completamente ignorada.
A aprovação do decreto
de reestruturação da FUNAI não
cumpriu o disposto da Convenção 169
da OIT, gerando assim um vício que o torna
nulo. Sobre esse assunto o STF já se manifestou
editando o enunciado da súmula 473, que assim
dispõe: “A administração pode
anular seus próprios atos quando eivados
de vícios que os tornem ilegais, porque deles
não origina direitos; ou revogá-los
por motivos de conveniência ou oportunidade,
respeitados os direitos adquiridos, e ressalvado,
em todos os casos, a apreciação judicial”
O vício do ato administrativo
que o torna ilegal foi justamente a ausência
de consulta prévia e informada aos Povos
Indígenas do Brasil e à CNPI.
O parecer 021 emitido pela própria
FUNAI relativo ao componente indígena do
AHE Belo Monte sugere o fortalecimento da atuação
da administração local, como mitigação
de impactos previstos com a implantação
da hidrelétrica e não a sua extinção.
O mosaico étnico cultural
da região de Altamira é único
e a maioria dos povos indígenas da região
tem no máximo 40 anos de contato.
A Administração
Executiva de Altamira possui a experiência
e a confiança de todos nós e tem nos
atendido durante todos esses anos com prontidão
em detrimento das longínquas administrações
propostas para Marabá, Belém e Santarém
que não sabem nada sobre nós e nosso
modo de viver e por estarem tão longe geograficamente
não poderão nos atender com a prontidão
que precisamos e nem teremos acesso a eles como
temos a Altamira.
O que está por detrás
da extinção da Administração
Executiva de Altamira não parece ser vontade
de reestruturar a FUNAI para melhorar o atendimento
a nós povos indígenas da região,
mas sim a necessidade limpar o terreno para a construção
do AHE BELO MONTE.
Transferir a Administração
Executiva de Altamira para o Tapajós quando
temos sérios problemas relacionados a demarcações
e desintrusões de terras indígenas,
quando todos ao nosso redor nos odeiam por nossa
posição sempre a favor da natureza
e quando será construída a maior obra
do PAC em nossa região e afetará diretamente
todos os povos indígenas constitui uma tentativa
de genocídio para com os povos indígenas
de Altamira.
Diante de toda a fundamentação
fática, jurídica e de respeito a nós,
EXIGIMOS:
A anulação do Decreto
7.056, de 28/12/2009, por descumprimento à
Convenção 169 da OIT;
A exoneração do Presidente da FUNAI,
Márcio Meira e sua equipe de direção;
Uma nova reestruturação baseada nas
especificidades de cada região garantindo-se
a participação indígena local
no processo;
O fortalecimento da Administração
Executiva Regional de Altamira com a manutenção
dos funcionários atuais e um incremento no
quadro de pessoal e não sua extinção.
Diante do exposto asseveramos ainda que repudiamos
a oferta de cargos na FUNAI ou em outros órgãos
do governo como forma de suborno ou para prejudicar
as negociações com o movimento e em
hipótese alguma aceitaremos o fim da Administração
Executiva de Altamira nesse momento crucial de nossa
história onde nos sentimos abandonados por
nosso país.
Não obstante estamos abertos
a negociar desde que observadas as considerações
aqui expostas.
Altamira (PA), 05 de Fevereiro
de 2010.
POVOS INDÍGENAS XIPAIA, CURUAIA, XIKRIN DO
BACAJÁ, PARAKANÃ, ARARA, ARAWETE,
ASURINI DO XINGU, JURUNA e KAYAPÓ KARARAÔ.