Panorama
 
 
 

BELO MONTE: TRISTE HISTÓRIA

Panorama Ambiental
São Paulo (SP) – Brasil
Abril de 2010
 

Notícia - 18 abr 2010 - Pensada no regime militar, ressuscitada durante o apagão do governo tucano e levada adiante no petista, a usina tem tudo para deixar para o país uma herança de amargar

zoom Área do Rio Xingu, no Pará, que será alagada pela construção da usina de Belo Monte. © Greenpeace/Marizilda Cruppe
Belo Monte, no rio Xingu onde o governo Lula pretende plantar a terceira maior usina hidrelétrica do mundo, tem uma história recente muito feia. Ela começou em 1979, quando técnicos do governo federal terminaram estudos concluindo sobre a viabilidade da construção de cinco barragens no Xingu e uma no rio Iriri. O desastre social e ambiental provocado pela construção de Itaipu, no rio Paraná, que deslocou milhares de pessoas e afogou um de nossos mais relevantes Parques Nacionais, o de Sete Quedas, aliado à crise financeira pela qual o Brasil então passava, deixou os planos de Belo Monte esquecidos no armário.

O governo de José Sarney ensaiou desengavetá-los, mas diante dos impactos que o plano original provocaria no meio ambiente e das dúvidas sobre o custo da obra preferiu que eles continuassem trancados. Pesou muito na decisão de Sarney a consolidação da resistência dos povos indígenas do Xingu à obra. Eles sempre foram contrários à usina. Mas em 1989, eles se reuniram no 1º Encontro dos Povos Indígenas do Xingu e conseguiram repercussão internacional de sua luta, fazendo o governo recuar para uma revisão dos planos. A porta para a hidrelétrica abriu-se novamente durante o apagão no governo Fernando Henrique.

A envergadura original do projeto foi reduzida. Da proposta inicial de cinco barragens, ficou-se com uma. E para usina, ao invés das convencionais, decidiu-se usar turbinas bulbo, que operam a fio d’água e exigem menor área de alagamento. Isso diminuiu, mas não tornou o impacto da obra mais aceitável. Ela vai causar um desmatamento de pouco mais de 50 mil hectares, provavelmente um dos maiores que irão ocorrer na Amazônia este ano. Seus efeitos sobre a fauna, a biodiversidade e sobre os indígenas que dependem do Xingu para sua sobrevivência , segundo técnicos do Ibama, ainda estão longe de terem sido adequadamente avaliados.

Do ponto de vista econômico e financeiro, as incertezas não são menores. O governo começou dizendo que Belo Monte custaria 7 bilhões de reais. Ultimamente, andou revendo esse montante para 16 bilhões. As empresas que se candidataram ao leilão da concessão, marcado para acontecer amanhã, terça-feira, dia 20 de abril, na sede da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em Brasília, falam em 30 bilhões.

Dinheiro e devastação
Em relação à energia que Belo Monte vai gerar, parece não haver muito mais dúvida. Ela será incapaz de produzir os 11 mil megawatts de energia que o governo promete. Por conta do que o empresariado envolvido chama de ‘concessões’ ao meio ambiente – aliás insuficientes para dirimir os danos que ela vai causar – a previsão é que sua geração fique em torno dos 4 mil megawatts/ ano. Apesar de tantos questionamentos, vindos de tudo quanto é lado, Lula disse dias atrás que faria Belo Monte na ‘lei ou na marra”. Pelo que andou saindo na imprensa ultimamente, o presidente optou pela segunda opção.

Forçou a entrada de empresas e fundos de pensão no leilão e, para aplacar sua má-vontade em relação ao negócio, meteu sem nenhum dó a mão no bolso do contribuinte. Segundo a edição do último sábado da Folha de S. Paulo (só para assinantes), ela receberá o aporte financeiro, a juros camaradas, é óbvio, do bom e velho BNDES. A repórter Janaína Lage revela que o banco se comprometeu a emprestar o dinheiro para até 80% da obra com prazo de 30 anos para pagar. De quebra, está alavancando o caixa dos empresários privados com o cofre das estatais de energia.

A repórter Gerusa Marques, em O Estado de S. Paulo, informa que para um dos consórcios, o Norte Energia, o governo aportou os músculos da Chesf. Para o outro, o Belo Monte Energia, empurrou Furnas e Eletrosul. Na retaguarda financeira, colocou de prontidão os fundos dos empregados de estatais e a Eletronorte, que poderá assumir até 35% de participação no empreendimento de quem for vencedor. Também anda acenando com incentivos fiscais. A mesma diligência com que responde aos apelos do empresariado nos quesitos preço e lucro, o governo demonstrou com as questões ambiental e social. Não para reduzir os impactos, mas para garantir que elas não serão empecilho ao leilão.

Miriam Leitão contou no seu blog em O Globo que a pressão da Casa Civil sobre o Ibama para que desse a licença de instalação, fundamental para permitir o leilão, foi bruta. Os funcionários do órgão deixaram claro que o tempo exíguo e a falta de informações do Ministério de Minas e Energia impedia a conclusão a contento da avaliação sobre o empreendimento. Seus chefes à época, o Ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, e o presidente do Ibama, Roberto Messias, fizeram ouvidos moucos. Tudo indica que mesmo diminuído, o projeto de Belo Monte tem tudo para se transformar num desastre ambiental numa região considerada de alta biodiversidade.

Chantagem
A obra exige a escavação de canais de 30 quilômetros de extensão. O volume da escavação será de cerca de 230 milhões de m3 de terra, maior do que o Canal do Panamá. Ela também exigirá a abertura de 260 quilômetros de estradas para vários pontos do canteiro. Concluída, Belo Monte vai deslocar 20 mil pessoas para lugares que ninguém claramente diz quais são. Esse é apenas o impacto social direto. Ninguém sabe, certamente não no governo, qual a envergadura dos efeitos da obra em populações que vivem mais distantes da futura usina e que dependem de um Xingu cuja vazão, isso já se sabe, será severamente afetada.

Por que o governo decidiu mexer num projeto tão polêmico, e que justamente por isso dormiu por tanto tempo nos escaninhos oficiais de Brasília justamente agora, a seis meses de uma eleição presidencial? Não se sabe. Lula vem defendendo a obra com argumentação nacionalista antiquada, dizendo que “eles já destruíram a floresta deles”, e insistindo que vai fazê-la não importa a oposição. Mauricio Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética, subsidiária do Ministério de Minas e Energia, prefere defender a obra fazendo ameaças.

Fala em apagão, possibilidade inexistente neste momento, e que a energia de Belo Monte vai garantir o conforto da população no Sul e Sudeste do país, o que é uma falsidade. Transmitir a energia gerada na região Norte para outras do país não só é ineficiente, como exigiria investimentos em linhas de transmissão que nesse momento não serão feitos. O grosso do que Belo Monte gerar vai alimentar indústrias eletro intensivas como mineradoras e siderúrgicas, que produzem matéria-prima para exportação. Na verdade, estaremos pagando para o benefício de empresários e outros países que precisam de nossos minérios e aço para sustentar seu crescimento, como a China.

“Belo Monte representa o Brasil atrasado, apegado a velhos modelos energéticos, que beneficiam poucos, mas possuem uma enorme capacidade de destruição socioambiental”, diz Beatriz Carvalho, diretora-adjunta de Campanhas do Greenpeace. “No cerne da discussão sobre Belo Monte está a questão fundamental: qual modelo de desenvolvimento queremos assegurar ao Brasil, hoje e nas próximas décadas. Defender Belo Monte significa olhar o desenvolvimento do país pelo espelho retrovisor”.

Argumentos pobres
Tolmasquim e Dilma Roussef, candidata à presidência pelo PT, insistem que a alternativa a hidrelétricas tipo Belo Monte no Brasil seria o investimento em térmicas a óleo ou carvão, o que é no mínimo uma visão míope do problema. Eles insistem que fontes de geração eólica e solar, de grande potencial no Brasil, não se prestam à geração em larga escala. Europeus e americanos discordariam. “A Alemanha no final de 2009 tinha 25.800 MW de energia eólica; a Espanha, 19.150 MW. Em toda União Europeia, 75 mil MW. Na Dinamarca, representa 20% da energia; em Portugal, 15%. Os Estados Unidos têm 35 mil MW”, escreveu Miriam Leitão em seu blog.

“Hoje, as energias eólica e de biomassa já representam opções economicamente viáveis para o Brasil e seus custos são significativamente inferiores aos da geração nuclear ou por termelétricas a óleo combustível. O custo de geração eólica é de R$150/MWh e de usinas de cogeração a biomassa R$160/MWh”, diz Ricardo Baitelo, da Campanha de Energia do Greenpeace. “A diferença tarifária para os R$83/MWh da usina de Belo Monte obviamente não compensa os graves impactos sociais e ambientais causados pelo empreendimento. Usinas nucleares e térmicas a óleo combustível custam, em outro extremo, R$240/MWh e R$550/MWh, respectivamente”.


 

Fonte: Greenpeace-Brasil
Assessoria de imprensa

 
 
 
 

 

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