Notícia - 23 abr 2010 -
Pouco mais de uma semana antes de licitar Belo Monte,
o governo federal assinou um decreto liberando estudos
de aproveitamento hidrelétrico
em áreas protegidas.
No dia 9 de abril, 11 dias antes
de licitar a concessão da polêmica
usina de Belo Monte, o governo federal deixou claro
a opção de Lula de gerar energia não
necessariamente de acordo com a lei, mas na marra.
Sem grande alarde, e com a assinatura da atual ministra
do Meio Ambiente, Izabela Teixeira, e a aquiescência
da direção do ICMBio, o decreto abriu
as unidades de conservação para o
estudo de seu potencial hidrelétrico.
Na prática, o decreto 7154
fere mortalmente a lei que rege o Sistema Nacional
de Unidades de Conservação (SNUC),
que proíbe a exploração econômica,
fora o turismo, em áreas de proteção
integral como Parques Nacionais, e permite apenas
atividades de baixo impacto em unidades como Reservas
Extrativistas, característica que passa ao
largo de qualquer projeto hidrelétrico.
Isso significa que, um belo dia,
em nome da necessidade de gerar energia, o governo
pode muito bem querer plantar uma barragem nas cataratas
que enchem os olhos dos visitantes do Parque Nacional
do Iguaçu. Além, claro de Lula, e
de Izabela Teixeira, assinam o 7154 os ministros
Paulo Bernardo e Márcio Zimmermann, responsáveis
respectivamente pelas pastas de Planejamento e Minas
e Energia.
Com a sanção, conseguir
autorização de estudos de potencial
hidrelétrico no interior de todas as unidades
de conservação do território
brasileiro será simples. O mesmo vale para
as áreas de uso sustentável, como
as reservas extrativistas. De acordo com o texto
do decreto, será permitido não só
o estudo de viabilidade energética como também
a instalação de sistemas de transmissão
e distribuição de energia.
O decreto permitirá ao governo tocar a segunda
etapa do Programa de Aceleração do
Crescimento – que prevê a construção
de dez usinas plataformas e 44 convencionais - sem
os entraves ambientais que as unidades de conservação
causavam antes da assinatura do 7154.
Responsável por fornecer
as autorizações para entrada de funcionários
do setor elétrico para análise da
potencialidade hidrelétrica das unidades
de conservação, a direção
do Instituto Chico Mendes (ICMBio), que por lei
deve zelar pela integridade das unidades de conservação
do país, não parece preocupada. Ela
nem se manifestou sobre o assunto. O Greenpeace
tentou, através da assessoria do ICMBio,
saber qual a opinião de Rômulo Melo,
seu presidente, sobre o decreto. Melo, disseram,
está em viagem, sem poder falar.
+ Mais
A cruzada da motosserra
Notícia - 26 abr 2010 -
Por detrás da guerra da bancada da motosserra
contra o Código Florestal, uma lei com 76
anos de história, só há um
motivo: ele, finalmente, está deixando de
ser letra-morta.
Nunca, neste país, se falou
tanto de Código Florestal. O que é
de se estranhar, pois a Lei nº 4.771 já
está entre nós há exatos 45
anos. Isso sem contar sua primeira versão,
que data de 1934. Não faz mais de década
e meia, no entanto, que o Código virou alvo
do agronegócio e de seus representantes no
Congresso. Considerada, no Brasil e no mundo, uma
das mais avançadas peças de legislação
florestal, o Código, a cada ano, sofre ataques
mais virulentos por parte dessa turma que acha que
árvore só deve ser tratada a dentes
de motosserra.
Na Câmara Federal, o Código
está cercado por todos os lados. Na Comissão
de Meio Ambiente da Casa, ainda tramita o projeto
de lei 6424, de autoria do senador Flecha Ribeiro
(PSDB-PA), que anistia desmatadores, reduz áreas
de proteção e destina-se a causar
tanto mal a nossas árvores que foi apelidado
de “Floresta Zero”. Em outra Comissão Especial,
criada no ano passado com a missão de juntar
11 projetos de lei que atacam os preceitos do Código
Florestal, o relator, deputado federal Aldo Rebelo,
(PCdoB-SP), apoiado por uma maioria de ruralistas,
dá claros sinais de que nossas matas não
terão mais vez.
Hoje, 27 de abril, ele comanda
um encontro da comissão especial que vai
decidir quando o seu relatório será
entregue.
(Atualização em
27 de abril de 2010, às 16h40: a reunião
da Comissão Especial do Código Florestal
marcada para hoje foi cancelada, sem explicação.
O presidente da comissão, o deputado federal
ruralista Moacir Micheletto (PMDB-PR), e o relator,
Aldo Rebelo, então se fecharam para uma conversa
privada. O que querem esconder dos eleitores?)
Na prática, isso pode significar
que um grupo reduzido de deputados em fim de mandato
vão dar mais um passo para enterrar 76 anos
de tradição legal de proteção
para as florestas brasileiras. Por que os ruralistas
têm se mostrado tão diligentes em seus
ataques recentes ao Código Florestal se durante
mais de meio século eles simplesmente ignoraram
sua existência?
A explicação é
simples. Para início de conversa, a capacidade
de monitorar o cumprimento da legislação
no campo, por imagens de satélite, aumentou
sensivelmente na última década e revelou
o que de certo modo todo mundo, governo inclusive,
já sabia: é raro achar, no Brasil,
um fazendeiro que siga à risca o que manda
o Código Florestal em termos de preservação
de matas nativa e ciliar em suas propriedades. Além
da capacidade de monitorar, o governo federal também
adotou, de alguns anos para cá, medidas que
reforçaram sua capacidade de fazer cumprir
o que manda o código.
Participe da ciberação:
Aldo, deixe as florestas em paz
Duas delas merecem atenção
especial. Uma é o decreto 3545, aprovado
pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) em
julho de 2008, determinando que fazendeiros que
não tivessem seu passivo ambiental regularizado
ficariam impedidos de obter financiamento bancário.
A outra é uma Medida Provisória que
deveria ter entrado em vigor em dezembro passado
que obrigava fazendas a declarar oficialmente seu
passivo ambiental e registrar como pretendiam resolvê-lo.
A MP foi adiada por dois anos. E a decisão
do CMN vem sendo implementada de maneira inconsistente.
Mas a turma que defende a motosserra no Congresso
tomou tenência.
Um total de 36 projetos de lei
já tentaram desfigurar as linhas gerais do
Código Florestal. A última investida
começou a ser esboçada em 2009, com
a criação de uma Comissão Especial
na Câmara dos Deputados para reunir projetos
que, em sua essência, querem mesmo é
desfigurar o Código Florestal. Composta por
uma pesada bancada ruralista e com o objetivo de
discutir essas propostas, o grupo deve apresentar
seu relatório preliminar no final deste mês.
Daí, segue para a votação no
Senado, retorna à Câmara e recebe a
sanção ou veto presidencial. Tudo
isso pode acontecer este ano.
Enquanto o dia não chega,
os membros da comissão deixam escapar o mote
do que já chamam de novo Código Florestal.
A ideia deles, dita com todas as letras, é
revogar a lei de 1965. E pôr em seu lugar
uma legislação mais branda, flexível
e adequada aos interesses do agronegócio.
Os ruralistas têm se preocupado
em vestir as propostas com uma roupagem verde. Numa
aglutinação de 11 projetos de lei,
a cartilha florestal que está sendo preparada
pode vir à tona sob o nome de Código
Ambiental Brasileiro. Em seus rodeios pelo Brasil,
o relator da comissão, deputado Aldo Rebelo
(PCdoB-SP), também alinha seu discurso a
esse viés. “O principal objetivo da reformulação
do Código Florestal é preservar a
natureza”, ele garantiu, num bate-papo virtual promovido
pela Agência Câmara no início
de março.
Mas de preservacionistas, as ideias
de Aldo e companhia não têm nada. “A
bancada ruralista está se apropriando de
um vocabulário e de conceitos como convergência
no desmatamento zero e vítimas das mudanças
climáticas. Mas o que eles defendem é
a justamente a continuação do desmatamento
sem aumentar a governança”, denuncia o diretor-executivo
do Greenpeace, Marcelo Furtado.