05 Maio 2010
Jornalistas de São Paulo, Rio Grande do Sul,
Santa Catarina, Minas Gerais, Brasília e
Acre participaram de encontro com especialistas
convidados pelas ONGS WWF-Brasil, Greenpeace e SOS
Mata Atlântica para debater o Código
Florestal. O objetivo do seminário
foi possibilitar diferentes visões técnicas
acerca da importância desta legislação
para a conservação dos ecossistemas
terrestres e aquáticos, suas biodiversidades
e os serviços ambientais prestados por eles,
bem como dos solos e das águas, insumos básicos
da agropecuária.
Durante a manhã, o superintendente
de Conservação do WWF-Brasil, Carlos
Alberto de Mattos Scaramuzza, e o professor e o
pesquisador da Escola Superior de Agricultura Luiz
de Queiroz (Esalq), Gerd Sparovek, apresentaram
estudos inéditos, complementares e com bases
científicas em favor da manutenção
do Código Florestal como ele é hoje.
O primeiro estudo, em uma escala
de trabalho mais detalhada, foi elaborado por equipe
do WWF-Brasil e da Arcplan. O segundo, mais abrangente
em termos geográficos, necessitou de cerca
de um ano e meio de esforços da equipe da
Esalq para reunir, consolidar e analisar base de
dados. Nesse momento ele já está em
fase de revisão pelos pares para publicação
em um periódico científico.
Nas apresentações
de WWF-Brasil e Esalq foram abordados os mitos e
fatos relacionados aos impactos do Código
Florestal na agricultura brasileira. Scaramuzza
comentou que um dos mitos em relação
ao Código Florestal é de que sua aplicação
inviabilizaria a agricultura.
Os fundamentos e resultados da
“Análise do impacto da aplicação
do Código Florestal em municípios
de alta produção agrícola”
demonstram exatamente o contrário. O objetivo
do estudo do WWF-Brasil foi identificar as áreas
de preservação permanente (APPs) e
o uso que elas têm em quatro municípios
de alta produção agrícola:
Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul (maior
produtor de uva do Brasil), Três Pontas, em
Minas Gerais (segundo principal produtor de café
do estado), Vila Valério (número um
no ranking de plantadores de café do Espírito
Santo) e Fraiburgo (líder no cultivo de maçã
em Santa Catarina).
A conclusão a que se chegou,
após análise de todas as APPs, é
que a implementação do Código
Florestal tal qual é definido atualmente,
teria um impacto irrisório em torno de 1,5%,
na produção agrícola desses
municípios. Esse número foi determinado
após mapeamento de alta resolução
sobre a quantidade de lavoura que existe nas APPs
nos respectivos municípios. Isto indica,
em outras palavras, que o argumento em favor da
flexibilização do Código e
redução das APPs para não travar
o agronegócio e conseqüentemente o desenvolvimento
nacional , usado pela Comissão Especial formada
na Câmara Federal, não tem fundamento
prático.
“O Código Florestal é
uma legislação do futuro. Através
dos serviços prestados pelas APPs e reservas
legais (RL), além da manutenção
da biodiversidade, há a possibilidade de
reduzir os riscos causados pela intensificação
dos eventos climáticos extremos. O Código
Florestal protege as nascentes e os rios, impede
a erosão dos solos e os deslizamentos de
terra, por exemplo”, avaliou Scaramuzza.
Situação no Brasil
Gerd Sparovek explicou aos jornalistas
que o estudo da Esalq teve o objetivo de modelar
estatisticamente o uso das terras agrícolas
no Brasil, com o objetivo de se avaliar quanto a
agricultura pode ser expandida. O estudo é
uma parceria entre USP/Esalq, Chalmers University
(Suécia), Ministério do Desenvolvimento
Agrário e WWF-Brasil.
A partir de uma base de dados
sobre a vegetação natural (VN) remanescente
no país (em seus mais distintos estágios
de conservação, mas predominando pouca
ação antrópica e elevada relevância
ecológica) pode-se quantificar sua distribuição
entre as áreas de APP (declividade e hidrografia)
e RL estabelecidas pelo Código Florestal
para os diferentes domínios biogeográficos
brasileiro, nas unidades de conservação
e nas terras Indígenas.
Ao todo, o Brasil tem 537 milhões
de hectares (Mha) de remanescentes de vegetação
natural.
Desse total, porém, apenas 11%, ou 59 milhões
de hectares, estão em áreas de preservação
permanente – quando, na verdade, o número
deveria chegar à casa dos 103 Mha. Há,
portanto, um déficit de 44 Mha, ou 43% de
vegetação natural a ser recuperado
para atender os requisitos de APPs. Em termos de
reserva legal, a não conformidade atingiria
no mínimo 43 Mha. Os números e a complexidades
desse cenário são expressivos e por
isso exige soluções articuladas e
diversificadas, que envolvem investimentos e assistência
técnica para maior ganho de produtividade
e implementação do dispositivo da
compensação da reserva legal extra
propriedade.
Unidades de conservação
e terras indígenas (totalizando 175 Mha)
demonstram alto grau de eficiência na conservação,
pois 97% apresentam cobertura vegetal natural, representando
32 % de toda a vegetação do país.
A conservação de nossos ecossistemas
e dos serviços ambientais que eles provêm
depende do fortalecimento da presença do
Estado na criação, implementação
e manutenção de unidades de conservação
de domínio e gestão pública.
Segundo Sparovek, 57% da vegetação
natural (308 milhões de hectares) constituem
o estoque que, dependendo da legislação,
pode ser usado para alocação de reserva
legal, constituição de área
protegida ou abertura de novas áreas agrícolas.
Esse estoque representa 3/5 da vegetação
natural do país. “O que será feito
do estoque, atualmente, depende de ‘pra onde os
ventos vão soprar’. A reserva legal é
o principal mecanismo de controle legal sobre o
estoque de vegetação natural. Daí
o interesse na mudança do Código Florestal”,
afirmou Sparovek.
“Vamos supor, em uma utopia, que
o Código Florestal seja rigorosamente cumprido
por todas as propriedades, em todos os biomas. Mesmo
assim, ainda teríamos 100 milhões
de hectares com possibilidade de desmatamento legal.
Desses, 7% tem alta aptidão para a agricultura,
e 23% média, podendo mais do que dobrar a
área agrícola do Brasil. A pecuária
gosta dos terrenos com baixa aptidão também.
Caso haja a mudança na legislação
e a reserva legal fosse extinta, esta área
potencialmente poderia atingir os 308 Mha”, explica
Gerd.
O estudo concluiu que o pacto
para o desmatamento zero e imediato é viável,
pois a produção agropecuária
não depende de desmatamento para aumentar
sua área de produção ou sua
produtividade. Há também possibilidade
de expansão da agricultura sobre 60 milhões
de hectares de pastagens extensivas, que tem baixa
produtividade.
Ficou claro, segundo Gerd, que
expansão da agropecuária não
depende de mais desflorestamento para atingir maiores
índices de produtividade ou até mesmo
aumentar as suas áreas de cultivo. Caem por
terra, portanto, as principais defesas da Comissão
Especial para alterar uma lei criada há 45
anos e que, em pleno século XXI, ainda não
foi sequer implementada com eficiência.
+ Mais
Pesquisadores pedem rigor na implementação
do Código Florestal
05 Maio 2010
O workshop sobre o Código Florestal, organizado
pelo WWF-Brasil, Greenpeace e SOS Mata Atlântica,
nesta segunda-feira, em São Paulo, pode ter
muitos reflexos nos próximos meses. O público-alvo,
formado por jornalistas de diferentes editorias
e veículos (inclusive internacionais), acompanhou
as explicações de onze pesquisadores
renomados e atuantes na área ambiental sobre
a importância de lutar contra as alterações
no Código Florestal. Na verdade, a tônica
do dia pode ser resumida na necessidade de, antes
de tudo, implementar efetivamente a legislação.
“O problema do Brasil não
é lei, e sim a sua aplicação”,
disse Anthony Brandão, analista processual
da Procuradoria Geral da República e doutor
em ciências florestais pela Universidade Federal
de Brasília. Sua frase, dita pouco antes
do almoço, começou a ser compreendida
logo na primeira palestra, de Paulo Adário,
diretor da Campanha da Amazônia do Greenpeace.
Foi ele o responsável por fazer uma introdução
sobre a maior floresta tropical do planeta e ressaltar
a relevância de sua preservação
em plena capital paulista, na região Sudeste,
uma das que, historicamente, mais derrubaram árvores
no país.
Adário reforçou
o compromisso que o Brasil tem com o aquecimento
global, tanto por ser o quarto maior emissor de
carbono do mundo, quanto pela possibilidade de redução
no lançamento de carbono a partir do corte
do desmatamento. Para atingir a meta do Painel Intergovernamental
de Mudanças Climáticas das Nações
Unidas (IPCC, na sigla em inglês) de controlar
o acréscimo da temperatura até o fim
do século em 2ºC, é fundamental
que o país alcance o desflorestamento zero
em 2015. Mudar o Código Florestal, é
claro, não vai ajudar a atingir esta meta.
Pelo contrário. Mesmo assim, a Comissão
Especial que trabalha na Câmara com este objetivo
ouviu apenas 18 ambientalista (apenas 7% do total).
Algumas das ideias da bancada
ruralista, base primordial da comissão, são:
reduzir (ou até extinguir) a reserva legal
(RL), área preservada obrigatória
em todas as propriedades, cuja abrangência
varia a cada bioma; flexibilizar as áreas
de preservação permanente (APPs),
que se encontram, por exemplo, às margens
de rios ou encostas; anistiar crimes ambientais
e ampliar os locais de compensação
– por exemplo, manter uma RL fora dos limites de
sua propriedade e, também, da realidade em
que ela está inserida.
Carlos Marés, professor
de direito agrário e socioambiental da Universidade
Católica do Paraná e ex-presidente
da Funai, rechaçou a concepção
de que, para produzir mais, necessita-se de menos
proteção à natureza. Para ele,
o Código Florestal é a extensão
da função social da propriedade. “Não
se pode discutir esta relação. A Reserva
Legal é sustentável, pode ter geração
de renda, mas não pode ter eliminação
da natureza”, disse.
O conceito de uso sustentável
das RLs foi levantado também por Luiz Zarref,
engenheiro florestal e dirigente da Via Campesina,
e por Luis Carlos Straviz Rodrigues, professor da
Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq).
Enquanto o primeiro reforçou que a natureza
precisa ser compatibilizada com a produção,
mas sem qualquer alteração no Código
Florestal, o segundo ressaltou que deveriam ser
permitidos os plantios de árvores frutíferas
e ornamentais, por exemplo, em grandes propriedades.
Já a previsão de
cenários sobre impactos na biodiversidade,
caso as alterações propostas pela
comissão, apoiada pelo relator Aldo Rebelo
(PCdoB-SP), sejam aceitas, ficou a cargo de João
de Deus Medeiros, diretor do Departamento de Florestas
do Ministério do Meio Ambiente. Para ele,
se a sociedade pensar que uma propriedade é
um direito absoluto de seu dono, trata-se de um
retrocesso. “O bem comum deve sobrepor o interesse
privado, por isso a importância de APPs e
RLs. Se perdermos a proteção do Código,
o impacto será monumental. A conectividade
entre fragmentos florestais, que garante a biodiversidade,
é feita pelo planejamento de espaços
de APPs e RLs. O sistema de UCs nunca será
uma resposta integral para todas as espécies
que temos no país”, avaliou.
A noite já havia chegado
a São Paulo quando Jean Paul Metzger, professor
da Universidade de São Paulo e doutor em
Ecologia de Paisagens pela Universidade Paul Sabatier
de Toulouse, na França, começou a
sua apresentação – a última
do dia. Segundo ele, o Código Florestal protege,
em sua versão atual, cerca de 60% das espécies
em áreas modificadas. Isto acontece em função
do efeito de borda, ou seja, as diversas contaminações
que podem afetar um ambiente natural a partir da
ocupação de terrenos no entorno. Em
geral, os impactos são mais sentidos nos
100 primeiros metros. Portanto, modificar a legislação
será temerário. Por fim, Metzger afirmou
que manter Reservas Legais, por menores e mais isoladas
que sejam, é fundamental. Elas prestam serviços
ambientais e também conservam a biodiversidade
local.