Thiago de Mello Bezerra última
modificação 04/06/2010
Com apenas 800 indivíduos
na natureza, o pássaro soldadinho-do-araripe
está na lista das espécies ameaçadas
de extinção.
Carla Lisboa
Um macho da espécie na naturezaUma das aves
mais ameaçadas de extinção
do país vai ganhar proteção
integral do Estado brasileiro. Um plano de ação
exclusivo para proteger e garantir a continuidade
do soldadinho-do-araripe está em fase de
atualização. Com apenas 800 indivíduos
na natureza, a ave é classificada como "criticamente
em perigo" de extinção – nível
mais grave antes da extinção na natureza
– e, por isso, desde 2003, passou a constar da Lista
Nacional das Espécies da Fauna Brasileira
Ameaçadas de Extinção. O único
lugar no mundo em que vive é um trecho da
encosta da Chapada do Araripe, especificamente do
lado do Ceará.
A atualização do
documento vai permitir a inserção
de novas estratégias de proteção
do animal, que vão integrar uma publicação
intitulada Plano de Ação Nacional
para Conservação do Soldadinho-do-Araripe,
do Instituto Chico Mendes de Conservação
da Biodiversidade (ICMBio). Ele faz parte da série
Espécies Ameaçadas dos Planos de Ação
do Instituto. Apesar de o documento estar previsto
para ser lançado em agosto, durante o Congresso
Internacional de Ornitologia, a equipe que o elabora
sabe que para assegurar a perpetuação
da ave o ICMBio terá de propor a criação
de uma nova unidade de conservação
de proteção integral na Chapada do
Araripe para defender as cerca de 123 nascentes,
únicos locais em que o passarinho se reproduz.
O reforço na recomendação
da criação da unidade e outras medidas
a serem adotadas para proteção do
soldadinho e de outros animais foram discutidos
numa oficina de planejamento, realizada em abril,
no Crato, Ceará. Uma das metas estabelecidas
para apoiar as ações de proteção
é a criação de novas Reservas
Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs).
Outra medida a ser adotada é o ordenamento
dos recursos hídricos, a ser executado juntamente
com a Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos
(COGERH) do Ceará, para promover a gestão
responsável das águas e restringir
a emissão de outorgas de modo que a proteção
dos ninhos seja priorizada e a manutenção
das nascentes seja assegurada.
O Plano apresenta ainda uma estratégia
para melhorar a fiscalização e uma
outra para realização de estudo populacional
aprofundado sobre a espécie. Ele prevê
também investimentos em pesquisas inéditas
na região. “Nossa ideia é fomentar
uma rede de atores institucionais na conservação
do soldadinho-do-araripe. Para isso, na oficina
de revisão do plano, priorizamos a definição
de metas, ações, responsabilidades,
prazos, produtos, indicadores dos resultados e parceiros
governamentais e não governamentais, num
horizonte temporal de 5 anos, envolvendo os setores
da sociedade e do Estado que viabilizam a conservação
dessa espécie”, informa a coordenadora da
Diretoria de Conservação da Biodiversidade
(Dibio) do Instituto, Fátima Pires de Almeida.
Fêmea precisa de locais
úmidos para pôr os ovosDiferença
– Segundo ela, “tudo isso só foi possível
por causa do apoio financeiro do Projeto Probio
II do Ministério do Meio Ambiente (MMA),
negociado em 2005 e implantado a partir de 2009
na Dibio”, esclarece a coordenadora. Essa é
a segunda proposta de plano de ação
do soldadinho-do-araripe. A primeira, elaborada
pela ONG Aquasis e parceiros, foi lançada
em 2006. Na época, o Ibama, por meio da Diretoria
de Fauna e Recursos Pesqueiros, apoiou a revisão
do documento pela Aquasis e, com isso, foi estruturada
uma segunda edição. Essa proposta
de ação foi usada como instrumento
para conservar os exemplares da ave que viviam na
região.
A diferença do novo plano
é que ele apresenta um aprimoramento do que
se fazia antes, uma revisão profunda da situação
da ave hoje e usa, pela primeira vez, metodologia
de planejamento estratégico de espécie
ameaçada recomendada pela União Internacional
para Conservação da Natureza (IUCN
– sigla em inglês) em 2008. Esse conjunto
de métodos vem sendo aperfeiçoado
pelo ICMBIO em um roteiro metodológico para
planejamento, implantação e avaliação
de planos de ação de espécies
ameaçadas. “Ou seja, com base nas ameaças
à espécie, toma-se uma abordagem estratégica
e operacional, nomeando, para cada ação
proposta no plano, os atores responsáveis
por ações, prazos, prioridades, dificuldades
a serem enfrentadas, bem como parceiros necessários,
custos estimados e indicadores de alcance das ações
e das metas do plano de ação”, salienta
o coordenador geral de Espécies Ameaçadas
da Dibio, Ugo Vercillo.
Nascentes da encosta – Viver numa
região altamente antropizada (modificada
pela ação humana) é um dos
principais desafios do soldadinho-do-araripe. Ele
precisa das encostas, das nascentes e de alimento
farto para procriar. O biólogo, pesquisador
da ONG Aquasis e integrante do grupo que elabora
o Plano de Ação, Weber Girão,
explica que os únicos 800 indivíduos
da espécie que vivem atualmente na natureza
constroem seus ninhos em arbustos situadas nas proximidades
das nascentes da encosta da chapada.
Segundo ele, “essa ave nidifica
[constroi ninho] nas plantas da mata ciliar [mata
situada nas margens de cursos d'água], específicas
dessa região e situadas bem próximas
das nascentes. Ela precisa da umidade proporcionada
por esse ambiente para garantir a sua procriação”,
esclarece o pesquisador. O único lugar do
mundo que reúne essas características
e oferece o ambiente propício para a sobrevivência
do soldadinho-do-araripe é a encosta da Chapada
do Araripe nos municípios de Missão
Velha, Crato e Barbalha.
Esses derradeiros indivíduos
dividem, de acordo com dados do Ministério
da Integração Nacional e com o Censo
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) de 2007, uma área de cerca de 70 mil
quilômetros que abrange 103 municípios
e tem uma população estimada em mais
de 1,8 milhão de habitantes. É classificada
como uma das regiões mais densamente povoadas
do Nordeste e chamada de Mesorregião do Araripe.
A área, segundo Weber, “é considerada
uma espécie de oásis no meio do semiárido
nordestino”, afirma.
Nessa área existem duas
unidades de conservação federais:
a Área de Proteção Ambiental
(APA) e a Floresta Nacional (Flona) do Araripe,
as quais têm papel importante na preservação
das nascentes e da região por inteiro. “Aliás
a Flona é um relicto bem conservado de mais
de 30 mil hectares de mata úmida na Caatinga”,
informa Fátima Pires de Almeida Oliveira.
Segundo ela, há programação
no plano para encaminhar propostas de criação
de RPPN na chapada para ampliar a área de
proteção da ave.
Gestão das águas
– Integrada à luta pela conservação
do passarinho, a Secretaria de Meio Ambiente e de
Recursos Hídricos do Ceará participa
da equipe de criação da nova unidade
e da elaboração das políticas
para promover a gestão das águas da
região. “Ao protegermos as fontes e conservarmos
o soldadinho-do-araripe, garantimos também
a proteção de outros animais. Temos
as Áreas de Proteção Permanente
(APPs), algumas RPPNs e a própria Flona,
mas não é suficiente, além
da nova unidade, precisamos de um plano diretor
dos municípios”, acrescenta a chefe da Flona
do Araripe, Verônica Figueiredo.
Ela afirma que esse plano de ação
é um dos instrumentos que faltam para ajudar
a organizar a exploração dos recursos
naturais da chapada sem ameaçar a fauna e
a flora. O plano, na avaliação de
Verônica, é relativamente fácil
de implantar, uma vez que, em virtude do trabalho
de educação ambiental desenvolvido
pelos gestores da floresta nacional, o ICMBio conquistou
credibilidade entre a população que
já considera a floresta nacional como um
patrimônio público. “Todos aqui sabem
que ainda há trezentas nascentes e que o
clima do Cariri é ameno por causa da existência
da Flona, ou seja, por que existem 39 mil hectares
de floresta bem conservados, sem desmatamentos e
totalmente regularizados”, afirma a chefe da unidade
de conservação.
+ Mais
Equipe do ICMBio e organizações
parceiras na reunião no CratoPerda de habitat
é principal causa de extinção
A principal causa da extinção
do soldadinho do Araripe, segundo Weber Girão,
é a perda de habitat, embora outras razões
também colaborem para definir o status de
criticamente ameaçada, segundo o entendimento
do IUCN do animal. Até agora, ela é
a única ave naturalmente endêmica do
Ceará, faz parte da cultura popular e integra
os ícones que simbolizam e representam o
estado, tais como o Padre Cícero, a carnaúba,
a jangada, dentre outros.
Verônica disse que a Flona
e a chapada são como uma ilha de vegetação
e de animais endêmicos (peculiar a determinada
região) rodeada de médias e pequenas
cidades e áreas de produção
agrícola de subsistência. Segundo Weber,
“a área de ocorrência da espécie
encontra-se na zona de amortecimento da Flona do
Araripe e inserida na APA da Chapada do Araripe,
sendo classificada como uma área de importância
biológica "extremamente alta",
prioritária para conservação
conforme o Plano Nacional de Áreas Protegidas
do MMA”, disse ele.
É por isso que, recentemente,
foi protocolado um documento que inicia o processo
de criação de uma nova unidade de
conservação na área. Esse documento
é assinado pela ONG Aquasis, pela Flona e
APA Chapada do Araripe. Assinaram também
o governo estadual, representando pela COGERH e
pela Prefeitura Municipal do Crato, no ICMBio. “Esse
setor concentra as prioridades para a conservação
na região e também conflitos históricos
envolvendo águas e posse de terras”, esclarece
o biólogo.
Apesar de ser uma região
bastante populosa, a ave só foi descrita
cientificamente pela primeira vez em uma revista
de 1998. Com o nome científico Antilophia
bokermanni, ela é uma das duas aves cearenses
consideradas pelas listas de espécies ameaçadas
brasileiras (MMA/IBAMA) e internacionais (IUCN Red
List) como Criticamente em Perigo (CR) e a única
ave endêmica (isso é, exclusiva) do
Ceará.
O nome bokermanni é uma
homenagem ao zoólogo brasileiro Werner Bokermann.
De acordo com seus descobridores, o soldadinho-do-araripe
só é encontrado nos municípios
de Barbalha, Crato e Missão Velha, todos
no Ceará. Ele mede 15 cm e é também
conhecido como galo-da-mata, lavadeira-da-mata e
língua-de-tamanduá. Os machos são
predominantemente brancos, com penas negras nas
asas e cauda, apresentando vermelho em parte do
dorso, cabeça e topete. As fêmeas são
da cor verde oliva e apresentam um reduzido penacho
na cabeça.
A plumagem da cabeça em
forma de elmo deu origem ao nome soldadinho. Em
2000, a população de soldadinhos era
estimada em menos de 50 indivíduos. Em 2003
as estimativas foram mais otimistas e subiu para
250 indivíduos. Em 2004, essa estimativa
foi mantida. Hoje, somam apenas 800 indivíduos,
contudo, estas variações refletem
medições mais precisas, e não
um aumento populacional.
+ Mais
Instituto Chico Mendes de Conservação
da Biodiversidade cria mais duas RPPNs
Thiago de Mello Bezerra última modificação
24/06/2010 12:19
Foram criadas as RPPNs Paulino Velôso Camêlo
e Sonhada
Priscila Galvão
Brasília (24/06/10) – O presidente do Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
(ICMBio), Rômulo Mello, através das
portarias nº 43 e nº 44, de 8 de junho
de 2010, cria, respectivamente, a Reserva Particular
do Patrimônio Natural (RPPN) Paulino Velôso
Camêlo e a RPPN Sonhada.
A Reserva Paulino Velôso
Camêlo é de interesse público
e em caráter de perpetuidade, em uma área
de 120 hectares e 19 ares, localizada no município
de Tianguá, no estado do Ceará, de
propriedade de Paulino Velôso Camêlo
e sua esposa Maria Tereza de Vasconcelos Camêlo,
constituindo-se parte integrante do imóvel
denominado Sítio Cana Verde Santa Rosa.
A Reserva Sonhada possui uma área
de 930 hectares e 26 centiares, localizada no município
de Pium, no estado do Tocantins, de propriedade
de Alceu Antônio Forlim, constituindo-se parte
integrante do imóvel denominado Fazenda Sonhada.
A RPPN Paulino Veloso tem os limites
descritos a partir do levantamento topográfico
realizado pelo geógrafo Cristiano Alves da
Silva. Por sua vez, a RPPN Sonhada tem os limites
descritos a partir do levantamento topográfico
realizado pelo engenheiro agrônomo Selman
Arruda Alencar.
As RPPNs serão administradas
pelos proprietários do imóvel, que
serão responsáveis pelo cumprimento
das exigências contidas na Lei nº 9.985,
de 18 de julho de 2000, e no Decreto nº 5.746,
de 5 de abril de 2006.
As condutas e atividades lesivas
à área reconhecida como RPPN criada
sujeitarão os infratores às sanções
cabíveis previstas na Lei n° 9.605, de
12 de fevereiro de 1998, e no Decreto n° 6.514,
de 22 de julho de 2008.