Às margens da BR-163 e
nas beiradas do Arco do Desmatamento, a Floresta
Nacional do Jamanxim, no Sul do Pará, está
sob proteção oficial desde 2006. Mas,
passados quatro anos, isso não impediu que
a área de 1,3 milhão de hectares continuasse
ameaçada. Em sobrevoo pela região
na última semana, ativistas do Greenpeace
constataram que os velhos problemas continuam por
ali. E têm nome: gado,
queimadas e ocupações irregulares
de terra.
De acordo com monitoramento do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe),
a Flona de Jamanxim passou o mês de agosto
liderando a lista de unidades de conservação
com mais queimadas na Amazônia: foram mais
de 800 focos registrados. A equipe cruzou as coordenadas
dos incêndios com dados do Programa de Cálculo
do Desflorestamento da Amazônia (Prodes) e
percebeu uma clara associação entre
fogo e áreas de expansão da pecuária.
Prática antiga na agricultura
brasileira, as queimadas servem para renovar o pasto
e limpar áreas recém-desmatadas a
um custo baixo. “Encontramos grandes focos. Na região
da BR-163, o fogo começou no pasto e já
atingiu a floresta. E a mesma coisa acontece no
Norte de Mato Grosso”, conta Paulo Adario, diretor
da Campanha da Amazônia do Greenpeace.
Encravada numa das principais
fronteiras de avanço do agronegócio,
a Flona do Jamanxim foi criada para conter o desmatamento
que avançava por suas bordas. A unidade é
uma área de uso sustetável, sendo
ilegais quaisquer atividades econômicas ou
propriedades particulares em seu interior.
Em meados de 2009, o então
ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, anunciou
em altos brados a Operação Boi Pirata
II, que iria coibir a criação de gado
principalmente dentro de áreas protegidas.
À época, mil cabeças de gado
foram tiradas do Jamanxim. Mas hoje, segundo o Sindicato
Rural do município de Novo Progresso – onde
se encontra a Flona – pelo menos 100 mil cabeças
continuam pisoteando a área, como mostram
as imagens documentadas pelo Greenpeace.
Frigoríficos e supermercados
O problema não é
novo, e nem é restrito à Floresta
Nacional do Jamanxim. Com a falta de governança,
a criação de gado em unidades de conservação
e terras indígenas é coisa comum pela
Amazônia. O setor da pecuária começou
a se mexer apenas no final do ano passado, quando
os três maiores frigoríficos do Brasil
se comprometeram a não comprar mais boi de
fazendas que criam os animais dentro de áreas
protegidas ou recém-desmatadas.
No último mês de
julho, JBS/Bertin, Marfrig e Minerva anunciaram
ter deixado de comprar gado de 221 fazendas com
essas características. Outras 1.787 propriedades
estão em averiguação. As empresas
afirmam, também, ter o ponto georreferenciado
de mais de 12.500 fazendas, número que, segundo
elas, representa 100% da cadeia de fornecedores
diretos da região.
O movimento das gigantes da pecuária,
no entanto, não resolve o problema por inteiro.
Juntas, elas respondem por 36% dos abates feitos
na Amazônia Legal. Deixando-as de lado, existem
ainda 259 frigoríficos registrados atuando
na região, entre pequenos, médios
e grandes. Isso sem falar nos clandestinos. Até
agora, eles não assumiram qualquer compromisso
com o desmatamento zero, e continuam escoando seus
produtos por meio de supermercados que ainda não
limparam suas prateleiras dos passivos ambientais
e sociais.
A Associação Brasileira
de Supermercados, por sua vez, comprometeu-se, em
2009, a excluir fornecedores que têm ligação
com a devastação da floresta tropical
brasileira. O prazo definido pelas redes varejistas
termina na próxima terça-feira, 31,
mas os resultados não estão aparecendo.
É o que diz o Instituto de Defesa do Consumidor.
Segundo o Idec, o consumidor ainda não encontra
informação disponível para
saber se a carne que chega à sua mesa vem
de fazendas com desmatamento ilegal ou uso de trabalho
escravo.
+ Mais
Um olhar do espaço. O outro,
do ar
Depois de mais um mês inteiro
debruçado sobre mapas, imagens de satélite
e equações matemáticas, o Instituto
do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon)
divulgou hoje os novos números do SAD, o
Sistema de Alerta de Desmatamento, que monitora
de forma independente a derrubada e a degradação
da floresta. Agora, quem se apoia sobre os dados
é o Greenpeace, que vai sobrevoar algumas
áreas para conferir se os satélites
estavam certos ao apontar mais de 300 quilômetros
quadrados de derrubadas na Amazônia no último
mês de julho.
A parceria entre as duas organizações
promete refinar ainda mais o monitoramento da floresta
amazônica. Em setembro, o Greenpeace fará
o terceiro sobrevoo de verificação
dos dados do SAD. A previsão é que
ela ocorra a cada dois meses, mas que seja intensificada
nos períodos em que o desmatamento dispara.
Para dar conta do recado, a organização
construiu uma metodologia própria. Baseado
em alguns critérios, como concentração
dos pontos de derrubadas, áreas protegidas
e autonomia do avião, são selecionadas
cerca de 10% das áreas apontadas pelo SAD
para amostragem.
Uma equipe de técnicos
em geoprocessamento foi treinada especialmente para
essa missão. Em maio de 2010, eles decolaram
com GPS, fotógrafo e mapas do Imazon para
confirmação de 108 polígonos
de desmatamento e degradação indicados
pelo sistema, entre os meses de janeiro e março
deste ano. O sobrevôo indicou que 93% dos
alertas estavam certos.
“Essa verificação
é fundamental para sistemas de monitoramento
como o SAD, pois as informações são
baseadas em interpretação de imagens
de satélite”, explica Edwin Keizer, coordenador
do laboratório de Geoprocessamento (LabGeo)
do Greenpeace. “Os dados reais, de campo, são
complementares e confirmam se os alertas são
verdadeiros.”
Em se tratando de Amazônia,
porém, a função não
é simples. Além da imensa extensão
das áreas sobrevoadas, a verificação
fica prejudicada em tempo de seca e queimadas. Nas
últimas semanas, a fumaça resultante
de incêndios para limpeza de terreno tornou
os sobrevoos arriscados e impediu que alguns pontos
fossem confirmados no sul do Amazonas, sudoeste
do Pará e norte de Rondônia. “As condições
de vôo são precárias. A visibilidade
está muito reduzida”, avisava o piloto, pelo
rádio.
Dificuldades à parte, a
missão segue em frente. Além de tornar
mais precisos os dados sobre a Amazônia, a
ideia é que, aos poucos, esse monitoramento
se torne mais abrangente e envolva mais atores.
“O Greenpeace está na Amazônia, conhece
a realidade da região e tem parceiros locais.
Aos poucos, pretendemos envolver associações
e pessoas daqui, formando uma rede de parceiros
que vai tornar esse monitoramento ainda mais transparente”,
diz Keizer.
Usado como alerta para os órgãos
de fiscalização e a sociedade civil,
o SAD cumpre função semelhante ao
do Deter, o sistema de detecção de
desmatamento em tempo real do Instituto Nacional
de Pesquisas Espaciais (Inpe). Os alertas, porém,
estão cada vez mais difíceis de serem
emitidos, já que a dinâmica do desmatamento
mudou de alguns anos para cá. Hoje, quase
60% das derrubadas são menores do que 25
hectares, área mínima que os dois
sistemas conseguem enxergar.
Daí a importância
de se ter cada vez mais olhos voltados para o solo.
“Uma pessoa que more numa região remota da
Amazônia talvez não entenda de mapas,
mas pode ser um importante agente para denunciar
um desmatamento que está acontecendo ali,
ao seu lado”, afirma o coordenador do LabGeo do
Greenpeace. “É essa associação
que vai tornar o monitoramento mais eficaz daqui
para frente: um olho na tecnologia e outro no ‘mundo
real’".