Presidente da Confederação
da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA),
a senadora Kátia Abreu (DEM-TO) propõe
manter na ilegalidade o setor que ela representa.
Primeiro, ela foi à Justiça pedir
a suspensão da campanha do Ministério
Público “Carne Legal”,
que recomendava aos consumidores verificar a origem
do produto. Conseguiu. Não satisfeita, foi
à imprensa para pisar nos acordos que o MP
tem feito com frigoríficos para regularizar
sua produção na Amazônia. Segundo
ela, a carne bovina que vem do bioma não
tem origem legal. “E nem tem como ser”, disse, espanando
qualquer esperança dos consumidores de que
poderão comprar um produto livre de desmatamento
e trabalho escravo.
Kátia não foi a
única. Esta semana, a Associação
dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat) soltou uma
carta aberta também mandando às favas
os direitos do consumidor. Nela, a entidade critica
os frigoríficos Marfrig e JBS por terem assumido
compromisso público de não comprar
mais gado criado em áreas desmatadas, unidades
de conservação e terras indígenas.
E ameaçam fazer um boicote a eles, caso continuem
tentando limpar sua cadeia de produção.
“O trabalho dos frigoríficos
é uma resposta às novas exigências
do mercado e dos consumidores. Quando eles dizem
que não vão comprar mais de desmatamento,
estão exatamente se adequando a essas exigências.
E quanto a não comprar mais de áreas
protegidas, só estão cumprindo a lei,
o que parece estar incomodando a senadora e a Acrimat”,
observa Marcio Astrini, da Campanha Amazônia
do Greenpeace. “É lamentável ver entidades
que deveriam enaltecer os que respeitam a lei incentivando
seus associados a práticas ilegais. Estão
prestando um desserviço ao próprio
setor”.
Sem propor soluções,
Kátia Abreu apenas jogou para o alto iniciativas
que puxam os produtores para a legalidade. “Acho
que esses termos (de ajuste de conduta) são
uma farsa, não são factíveis,
não serão cumpridos”, disparou, ao
jornal Estado de S. Paulo. A senadora se refere
aos cerca de 80 Termos de Ajuste de Conduta (TACs)
assinados quando procuradores federais do Pará
pediram indenização de R$ 2 bilhões
por danos ambientais de 11 frigoríficos e
20 fazendas de gado do estado. Uma pequeníssima
fatia do problema.
Se fossem contabilizados os danos
por toda a Amazônia, os bilhões seriam
bem mais gordos. Talvez não tanto quanto
o setor da CNA tem lucrado nos mercados internacionais.
Maior exportador de carne bovina do mundo, o Brasil
levou mais de US$ 4 bilhões em vendas lá
fora, só no ano passado. O dinheiro, pelo
que diz Katia, parece ser suficiente para justificar
a ilegalidade. Mas o passivo deixado pela boiada
também não é baixo. Dos mais
de 73 milhões de hectares de nossa floresta
tropical que já foram para o chão,
80% virou pasto para gado.
Elevado a campeão do setor,
o país recebeu outro título por conta
das derrubadas: o de quarto maior poluidor do mundo.
Mas isso é bobagem para a senadora. Líder
do agronegócio, ela sabe bem onde o setor
está pisando. É a própria CNA
quem dá os dados: 90% dos produtores rurais
na Amazônia não têm registrado
área de reserva legal – a porção
de terra que deve ser preservada em suas propriedades.
E o mesmo percentual não tem um documento
sequer junto aos órgãos públicos
para identificação de seus territórios.
Ou seja, aos olhos do Estado, é terra de
ninguém.
E é ali mesmo, em área
fantasma, que Kátia prefere deixar a pecuária
produzindo. Palavras dela: “Hoje não existe
rastreabilidade da origem da carne, e a Amazônia
será o último lugar onde isso será
possível no país”, afirmou, sem dar
sinais de ter um mínimo de vontade para mover
um um boi e mudar esse caminho.
Sobre a atuação
do Ministério Público, a senadora
tira da cartola o discurso pronto que todo ruralista
adora quando lhe falta argumento: o órgão
está “capturado pela ideologia das ONGs”.
O que os procuradores estão fazendo, no entanto,
não vai um passo além de seus deveres,
de fiscalizar o cumprimento das leis no país.
Já os deveres de senadora,
Kátia parece ter deixado na gaveta. Trocou
os interesses dos cidadãos, no Senado, pelos
anseios do agronegócio, na CNA. E em nome
das receitas de exportação que a pecuária
tem rendido aos seus pares, pouco importa se o dinheiro
vem de uma produção que destrói,
está fora da lei ou usa mão de obra
escrava. "Quem vive do voto do problema realmente
deve ficar furioso quando vê iniciativas que
buscam soluções", diz Marcio
Astrini. O legal mesmo, parece, é o ilegal.