05/10/2010
Carine Corrêa *
O ano de 2010 ficará marcado internacionalmente
não apenas pela realização
da Copa do Mundo. Outro tema - a biodiversidade
- vai interferir de forma direta e implacável
no cotidiano das pessoas, em escala muito maior
e talvez sem a mesma visibilidade na mídia.
O assunto também vai
atrair a atenção de muitos países
durante a Conferência da ONU sobre Diversidade
Biológica (COP-10), a ser realizada de 18
a 29 deste mês em Nagoya (Japão).
Apesar de ainda não ter
o mesmo apelo do futebol nas discussões do
dia-a-dia, neste Ano Internacional da Biodiversidade
- estabelecido pela ONU - nações de
todo o mundo vão debater a perda da biodiversidade,
prejuízo que afeta não só animais
e plantas (como muitos preferem simplificar a questão),
mas interfere de maneira crucial na manutenção
da vida do homem e no equilíbrio de todo
o planeta.
Para se ter uma ideia do tamanho
do prejuízo, as perdas econômicas decorrentes
do processo de redução de espécies
alcançam uma cifra anual entre U$2 e US$
4,5 trilhões, segundo pesquisadores do Programa
das Nações Unidas para o Meio Ambiente
(Pnuma).
O encontro no Japão vai
reunir as nações megadiversas (grupo
dos 17 países que abrigam a maioria das espécies
da Terra e juntos detêm cerca de 70% de toda
a biodiversidade do planeta, entre eles o Brasil),
as principais potências econômicas mundiais
e outros 100 países aproximadamente. O objetivo
é tentar encontrar soluções
que possam surtir efeito rápido ou pelo menos
de médio prazo, a fim de evitar novos colapsos
ambientais ao redor do planeta.
Durante a COP-10, o Brasil pretende
assumir o protagonismo nas negociações,
com o objetivo de reafirmar o pacto entre os países
signatários da Convenção sobre
Diversidade Biológica (CDB) para o cumprimento
das metas estabelecidas em Johannesburgo (África
do Sul), em 2002.
Vai ainda defender a bandeira
da repartição de benefícios
oriundos do patrimônio genético da
biodiversidade, principal ponto pretendido pelos
megadiversos na convenção. Muitas
reuniões preparatórias têm sido
realizadas pelas 17 nações megadiversas
com a finalidade de se estabelecer uma proposta
comum que, uma vez concluída, deve ser apresentada
na COP-10.
A questão da compensação
financeira resultante do conhecimento obtido a partir
da biodiversidade, no entanto, é motivo de
controvérsia. Ganhou manchete dos jornais
o caso do cupuaçu, por exemplo, que teve
um pedido de patente registrado no exterior por
uma empresa japonesa, apesar de ser uma planta típica
da Amazônia.
Por meio da contestação
de entidades ambientalistas nos escritórios
de patentes internacionais, foi impedida a aprovação
do registro, pois as aplicações do
produto já eram, há muito tempo, de
domínio dos índios e das comunidades
tradicionais amazônicas, e não envolviam
nenhum tipo de inovação que justificasse
o direito de sua exploração pela companhia
japonesa.
Diversidade global em declínio
- De acordo com o terceiro relatório do Panorama
da Biodiversidade Global (GBO3, em inglês),
divulgado no começo de maio pelas Nações
Unidas (cuja versão em português foi
lançada em maio pelo MMA), nenhum país
cumpriu integralmente as metas de redução
da perda da biodiversidade em seus territórios
entre 2002 e 2010.
O documento é um relatório
oficial da Convenção sobre Diversidade
Biológica, estabelecida em 1992, e vai pautar
as discussões entre os chefes de Estado participantes
da Cúpula da Biodiversidade no Japão.
O ponto mais preocupante deste estudo revela que
a perda da biodiversidade global está alcançando
um patamar quase irreversível.
Entre 1970 e 2006, por exemplo,
o número de indivíduos de espécies
de vertebrados teve um declínio de 30% em
todo o mundo, e a tendência, segundo o GBO3,
é de que a redução continue,
especialmente entre animais marinhos e nas regiões
tropicais. O relatório indica ainda que 40%
das espécies de aves e 42% dos anfíbios
apresentam população em queda.
Para reverter o quadro de sérios
prejuízos ambientais e econômicos,
seriam necessários investimentos em todo
o planeta de aproximadamente U$45 bilhões
por ano.
O relatório indica os cinco principais fatores
de pressão sobre a biodiversidade: perda
e degradação de hábitats (convertidos
em plantações, pastagens, áreas
urbanas), mudanças climáticas, poluição,
sobreexploração dos recursos naturais
e a presença de espécies exóticas
invasoras. As intervenções humanas
em lagos de água doce também foram
apontadas como outro fator importante, pois devido
ao acúmulo de nutrientes, inúmeras
espécies de peixes foram levadas à
morte em larga escala.
A acidificação e
poluição dos oceanos vitimam ainda
os recifes de corais, o que descaracteriza o ecossistema
marinho. Nas grandes regiões do mundo, os
hábitats naturais continuam a declinar em
extensão e integridade, especialmente os
bancos de algas marinhas, as zonas úmidas
de água doce, as localidades de água
congelada e os recifes de corais e de mariscos.
Segundo dados da World Conservation
Union (União Mundial de Conservação),
a ação do homem provoca 0,2% da perda
média de espécies todos os anos, que
ocorre ainda por queimadas e desmatamento impulsionados
pelo mercado imobiliário e/ou monoculturas
de larga escala, caça e tráfico de
animais.
Extrativismo sem manejo adequado
e mineração, dentre outros fatores
de intervenção antrópica, também
são causas crescentes do processo de extinção,
por acompanharem as necessidades de uma população
humana que, segundo estatísticas da ONU,
é de 6,5 mil milhões, com perspectivas
de aumento para 7 mil milhões até
o ano de 2012.
De acordo com o secretário-executivo da Convenção
sobre Diversidade Biológica, Ahmed Doghlaf,
a perda da biodiversidade ocorre em uma velocidade
sem precedentes. "As taxas de extinção
podem estar mil vezes acima das médias históricas",
alerta.
Apesar de o GBO3 ressaltar o aumento
considerável das áreas de proteção
ambiental (82% estão em áreas marinhas
e 44% em regiões terrestres) e o progresso
significativo da preservação de florestas
tropicais e manguezais, dados do documento revelam
que estas medidas não foram suficientes para
alcançar a meta estabelecida.
Ações brasileiras
- Há ainda outros pontos do documento do
Pnuma considerados críticos. A Amazônia
é citada como área sujeita a danos
irreparáveis, em parte motivados pelo desmatamento
e queimadas, e ainda pelas mudanças na dinâmica
regional das chuvas e extinção de
espécies.
O Brasil é citado como exemplo no que diz
respeito à criação de áreas
protegidas (unidades de conservação).
Dos 700 mil quilômetros quadrados transformados
em áreas de proteção em todo
o mundo, desde 2003, quase três quartos estão
em solo brasileiro, resultado atribuído em
grande parte ao Programa de Áreas Protegidas
da Amazônia (Arpa).
Segundo o diretor do Departamento
de Áreas Protegidas do MMA, Fábio
França, para 2010, já está
em fase final de negociação com governos
estaduais e outros ministérios, a criação
de novas áreas protegidas: 54.280 hectares
no Cerrado; 405.900 hectares na Mata Atlântica;
600.000 hectares na Amazônia; 1.230.000 hectares
na Caatinga e 101.200 hectares na Zona Costeira
e Marinha.
Outra estratégia fundamental
adotada pelo Brasil para combater o desmatamento
e a extinção de espécies decorrente
desta prática é o monitoramento por
satélite de todos os biomas brasileiros,
procedimento que, até 2008, era realizado
apenas na Amazônia e em parte da Mata Atlântica.
Com a identificação
e controle das principais causas do desmatamento
na região amazônica em 2009, a devastação
da floresta teve o menor índice (43% mais
baixo) dos últimos 20 anos.
Os primeiros resultados sobre
o Cerrado e Caatinga, levantados entre 2002 e 2008,
já foram lançados, mostrando que quase
metade da cobertura vegetal original destes biomas
já foi destruída. Em 2010, também
foram divulgados os dados referentes à cobertura
vegetal do Pantanal e do Pampa, referentes ao mesmo
período. E, em novembro, há previsão
de que sejam divulgados os dados sobre a Mata Atlântica.
O monitoramento é uma iniciativa
fundamental, pois permite estabelecer planos de
ação de fiscalização,
controle e combate ao desmatamento, bem como levar
alternativas sustentáveis às regiões
onde o desmate ainda é muito praticado.
Exóticas e invasoras -
Também foi lançada, em 2009, a Estratégia
Nacional sobre Espécies Exóticas Invasoras.
O programa orienta as diferentes esferas do Governo
a fim de mitigar e prevenir os impactos negativos
destas espécies sobre a população
humana, os setores produtivos, o meio ambiente e
a biodiversidade.
Os eixos deste plano são
a prevenção da introdução
de novos indivíduos, bem como a mitigação
da presença dos mesmos em biomas e bacias
hidrográficas do Brasil. Atualmente, as invasões
biológicas causadas por espécies exóticas
invasoras são consideradas a segunda maior
causa de perda da biodiversidade biológica
do planeta, perdendo apenas para a destruição
de hábitats.
No Brasil, os custos decorrentes
dos impactos causados por estas espécies
atingem cerca de U$50 bilhões ao ano. Entre
elas, podemos citar o mosquito da dengue, o mexilhão
dourado, o caracol gigante africano, a uva-do-japão,
o capim-annoni e o amarelinho.
Também tem sido feita a
atualização de listas de espécies
brasileiras ameaçadas de extinção
(fauna e flora), que servem como alerta e instrumento
de monitoramento da política de conservação
destas espécies. "O número de
espécies em extinção está
aumentando, o que é um sinalizador preocupante,
pois demonstra que o objetivo de reduzir a taxa
de extinção não tem sido alcançado",
avalia João de Deus Medeiros, diretor do
Departamento de Florestas do MMA.
Fundamentais para a conservação
e recuperação de espécies ameaçadas
de extinção (um dos principais compromissos
dos países durante a CDB), estes levantamentos
funcionam como instrumentos de implementação
da Política Nacional da Biodiversidade, que
inclui as Listas Nacionais Oficiais de Espécies
Ameaçadas de Extinção; os Livros
Vermelhos das Espécies Brasileiras Ameaçadas
de Extinção e os Planos de Ação
Nacionais para a Conservação de Espécies
Ameaçadas de Extinção.
Evolução da vida
- A biodiversidade é a totalidade das espécies
de seres vivos de uma determinada região
ou tempo, e abrange animais, vegetais, fungos e
microorganismos, sendo responsável pela evolução
e conservação da vida em todos os
lugares. Sua manutenção depende do
equilíbrio e estabilidade de ecossistemas,
e seu uso e aproveitamento pela humanidade deve,
necessariamente, ser feito de maneira sustentável
de forma a preservá-los.
Desde que o homem começou
a interferir na natureza, a biodiversidade tornou-se
a base das atividades agrícolas, pecuárias,
pesqueiras e florestais e, mais recentemente, da
indústria de biotecnologia. Trata-se ainda
da fonte prima para remédios, cosméticos,
roupas e alimentos, entre outros produtos, e é
essencial para a criação de grãos
mais produtivos e resistentes a pragas e a outras
doenças.
A espécie humana é
apenas uma entre 1,75 milhão de espécies
de vida conhecidas. O Pnuma estima que existam pelo
menos 14 milhões de espécies vivas
ao redor do planeta. Alguns especialistas calculam
que esse número possa chegar a 50 milhões,
ou ainda mais.
Extinção de espécies - A Convenção
sobre Diversidade Biológica foi estabelecida
em 1992, durante a ECO-92, no Rio de Janeiro, mas
a meta de redução da perda da biodiversidade
só foi fixada na Cúpula da Terra de
Johannesburgo, em 2002.Durante o evento, os governos
participantes se comprometeram a estabelecer medidas
para combater a extinção de espécies.
Dentre os pontos acordados constam
a redução da degradação
de hábitats, o controle de espécies
exóticas invasoras (que ocasionam prejuízos
de aproximadamente R$ 2,5 trilhões nas economias
de todo o planeta) e transferência de tecnologia
para países em desenvolvimento. Das 21 metas
estabelecidas pela ONU em 2002, nenhuma está
próxima de ser cumprida.
A Convenção sobre
Diversidade Biológica foi assinada por 156
nações - atualmente foi ratificada
por 192 - e estabeleceu que os países têm
direito soberano sobre a variedade de vida contida
em seu território, bem como o dever de conservá-la
e de garantir que seu uso seja feito de forma sustentável,
isto é, assegurando sua preservação.
Um dos temas mais defendidos pela
CDB é a necessidade de repartição
justa e equitativa dos benefícios derivados
do uso dos recursos genéticos. Eles seriam
divididos entre todos os países e populações
cujo conhecimento foi chave para sua utilização,
como, por exemplo, comunidades acostumadas a usar
plantas típicas de sua região desde
tempos remotos, como os índios e outras populações
tradicionais.