28/10/2010 - Projeto aprovado
ignora propostas recolhidas em
audiências públicas, carimba os produtos
do agronegócio de Mato Grosso com selo da
suspeição no mercado internacional
e tem poucas chances de aprovação
pelo Conama
O projeto de Zoneamento Socioeconômico
e Ecológico (ZSEE) de Mato Grosso, da forma
como foi aprovado na segunda-feira, 25, pela Assembleia
Legislativa do estado, joga no lixo cerca de US$
30 milhões investidos em 20 anos de estudos
e discussões técnicas. De acordo com
Roberto Vicentin, diretor de Zoneamento Territorial
do Ministério do Meio Ambiente (MMA), foram
realizadas 15 audiências públicas –
algumas com tamanha participação que
utilizaram estádios de futebol e ginásios
de esporte –, e que deram origem a um documento
do relator, o então deputado Alexandre Cesar
(PT).
“O relator elaborou um substitutivo
ao projeto original do Governo do Estado e incorporou
grande parte das reivindicações das
audiências públicas. A equipe técnica
do Estado e nós do MMA avaliamos que aquele
substitutivo era um ponto de convergência
adequado, porque conciliava a base técnica
com as aspirações e reivindicações
da sociedade”, afirmou. Segundo o diretor do MMA,
esse texto do relator foi atropelado pelo presidente
da Comissão Especial de Zoneamento da Assembleia,
Dilceu Dalbosco (DEM). “Ele não ficou satisfeito
e elaborou, com técnicos que ele contratou,
um substitutivo do substitutivo. E submeteu à
votação da comissão essa terceira
proposta. Não era nem o original do Estado,
nem o substitutivo do relator, mas sim uma proposta
que, com todas as letras, não tem sustentação
técnica.”
A proposta foi duramente criticada
também pelo Grupo de Trabalho de Mobilização
Social, formado por representantes de instituições
ligadas ao meio ambiente, educadores, indígenas,
populações tradicionais e agricultura
familiar do estado.
"Texto aprovado vai contra
o próprio agronegócio"
Para Roberto Vicentin, o ZSEE
aprovado vai contra os interesses do próprio
agronegócio de Mato Grosso. “Da forma como
havia sido apresentado e estava sendo ajustado no
primeiro substitutivo do relator, dava um passaporte
verde para as commodities de Mato Grosso. Mas, como
foi aprovado, carimba a produção do
agronegócio local com o selo da suspeição
no mercado internacional. Isto porque, possivelmente,
não terá respaldo do Conama, por falta
de base técnica.”
A primeira votação
do segundo substitutivo foi feita na noite de 30
de março, sem qualquer consulta à
população. A segunda votação
também foi realizada na surdina, sem nenhum
aviso prévio. A proposta aprovada apresenta
claras divergências em relação
ao que foi debatido nas audiências públicas
e sugerido pelos estudos. Diversos setores da sociedade
mato-grossense apontam graves falhas técnicas,
legais e sociais neste documento aprovado.
O ZSEE é um instrumento
de grande importância para o planejamento
estratégico do estado. Ele identifica potencialidades,
vulnerabilidades e define a forma mais correta para
o uso dos recursos naturais. No estado de Mato Grosso,
pesquisadores e especialistas realizaram diversos
estudos, ao longo de 20 anos, para trazer uma proposta
viável de ZSEE, que atendesse à realidade
econômica e socioambiental, mas esses estudos
foram completamente desconsiderados na elaboração
do substitutivo de Dalbosco. Agora o texto vai para
sanção do governador.
“Houve um grande esforço
do ex-governador Blairo Maggi para colocar o Mato
Grosso na vanguarda da sustentabilidade, de livrar
o estado da mancha de estado que mais desmatava,
de levar essa nova política ao conhecimento
internacional, de buscar uma boa proximidade com
as ONGs socioambientalistas, e tudo isso ficará
comprometido se o estado emplacar uma lei dessa
natureza. Houve uma inversão radical da rota”,
afirma Vicentin.
Proposta aprovada ‘rasga’ US$
30 milhões
O ex-deputado Alexandre Cesar
(PT), autor da primeira proposta para o ZSEE de
Mato Grosso, afirma que o substitutivo aprovado
alterou as bases técnicas e científicas
da proposta original e entrou em flagrante contradição
com a legislação federal. E, segundo
ele, ainda joga fora o dinheiro investido. “Esse
projeto rasga, literalmente, US$ 30 milhões
investidos em estudos para formular uma proposta
de zoneamento coerente. Agora, estamos longe de
ter um ato jurídico que garanta o desenvolvimento
sustentável do estado”.
Alexandre afirma ainda que o texto
aprovado faz parte de uma estratégia para
que Mato Grosso continue sem um ZSEE. “Este projeto
nunca será aprovado pelo Conama (Conselho
Nacional de Meio Ambiente) da maneira como está.
Eu não tenho dúvidas de que isso faz
parte de uma estratégia de setores que não
querem que o estado tenha seu zoneamento”.
Todo o processo de discussão
do zoneamento no estado foi marcado por forte participação
do setor do agronegócio, de acordo com o
diretor Vicentin, do MMA. “Eles se mobilizaram de
forma legítima. O problema é que diante
de uma correlação de forças
desfavorável, os movimentos sociais, a agricultura
familiar, os segmentos populares urbanos e a academia
ficaram em situação extremamente desvantajosa.
Porque predominou força da mobilização
política, o poder econômico muito assimétrico.
Então era natural naquelas audiências
públicas uma pressão muito forte desses
segmentos do agronegócio para alterar o enquadramento
das áreas do estado nas diferentes categorias
de uso que o zoneamento possibilitaria. Isso ocorria,
sempre, no sentido de diminuir as condicionantes
e as restrições que o zoneamento indicava.”
O zoneamento inicial, elaborado
pelo Executivo, englobava diversas áreas
numa categoria de uso mais restrito, que exigia
maiores cuidados para determinados tipos de atividades.
E o chamado setor produtivo pressionava nas audiências
para que essas áreas mudassem de categoria
– que passassem da categoria 2 para a categoria
1.
“A nomenclatura denomina a categoria
1 como áreas consolidadas. Então eles
queriam jogar todas as áreas para as áreas
consolidadas. Porque, supostamente, ao enquadrar
uma determinada área ou um município
na categoria de áreas consolidadas, haveria
menos restrições para o uso dessas
propriedades, dessas terras, sendo que na categoria
2 já havia exigência de cuidados e
medidas de proteção ambiental, que
na leitura feita pelo setor do agronegócio,
implicaria maiores restrições e dificuldades
para as atividades econômicas”, explica Vicentin.
Por trás de tudo, o novo
Código Florestal
O diretor entende que por trás
de tudo está a confiança do setor
do agronegócio na aprovação
do novo Código Florestal. “Eles apostam que
o novo Código vai liberar geral, deixar tudo
como está. Nesse caso, acreditam que quem
desmatou, além de não ser obrigado
a recuperar, não terá de pagar multa,
vai ser perdoado. Uma atitude irresponsável
contra o meio ambiente e contra os próprios
negócios deles. Não se dão
conta de que agindo assim estão comprometendo
do ponto de vista comercial o agronegócio
do Mato Grosso.”
Ele também vê dificuldades
para que o Conama dê respaldo ao zoneamento
da forma como foi aprovado pela Assembléia
Legislativa. “A gente não pode falar nem
decidir pelo Conama, mas para aprovar, o conselho
vai precisar do parecer do Ministério do
Meio Ambiente. E será muito difícil
a comissão coordenadora do zoneamento, que
envolve 14 ministérios, recomendar favoravelmente,
sendo que o zoneamento não foi feito de acordo
as diretrizes e as bases técnicas.”