08 Outubro 2010
por Aldem Bourscheit
Conforme dados do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe), entre maio e setembro foram registrados
57,7 mil focos de queimadas no Cerrado,
número mais de 350% superior ao verificado
no mesmo período de 2009 (veja tabela abaixo)
e recorde nos últimos cinco anos. Os danos
foram graves à conservação
da natureza e ao solo, elevaram as emissões
regionais e também prejudicaram a saúde
da população.
Os estados mais atingidos foram
Mato Grosso, Tocantins e Goiás. A capital
federal enfrentou mais de 120 dias sem chuva. Além
disso, lembra a geógrafa e coordenadora do
Fórum de ONGs Ambientalistas do Distrito
Federal, Mara Moscoso, todos os parques nacionais
no Cerrado, que abrigam grandes parcelas do que
resta do bioma, sofreram com a passagem do fogo.
O parque nacional das Emas (GO) teve 90% de sua
área queimada, os parques nacionais de Brasília
(DF) e do Araguaia (TO), 40%, e o parque nacional
da Serra da Canastra (MG), 35%. Um balanço
completo deve ser divulgado ainda em outubro pelo
Instituto Chico Mendes.
Segundo ela, o fogo devora árvores,
arbustos e outras plantas, enquanto animais pequenos,
lentos e de pelagem farta como os tamanduás,
aves com ninhos, mamíferos com filhotes e
outras espécies em reprodução
são vítimas freqüentes. “O Jardim
Botânico de Brasília teve quase toda
a sua área queimada em 2005 e até
hoje não são mais avistados mamíferos
maiores. As queimadas também aumentam as
chances de atropelamentos de animais em fuga e a
competição por territórios
e alimentos com a destruição dos ambientes”,
conta.
As queimadas e os incêndios
durante a seca no Cerrado se devem quase que totalmente
à mão do homem e acontecem para renovação
forçada de pastagens naturais que alimentarão
rebanhos e também para a limpeza de áreas
antes ou após desmatamentos, conforme o governo
federal.
Pesquisador da Embrapa Cerrados,
José Felipe Ribeiro comenta que a ocorrência
e o uso indiscriminados do fogo facilitam a reprodução
rápida e oportunista de espécies por
vezes estranhas ao bioma, como gramíneas
de origem africana. “Parte dos nutrientes das plantas
e do solo são eliminados pelos incêndios
e podem ser carregados pelo vento, promovendo a
substituição e o empobrecimento da
vegetação nativa do Cerrado”, disse.
Ribeiro também comenta
que o fogo fez parte da evolução do
Cerrado, mas ocorria muito mais na estação
chuvosa e graças a raios. Hoje, o padrão
está completamente invertido – o fogo ataca
a vegetação na seca, causando impactos
mais severos. “As espécies do Cerrado têm
proteção limitada contra o fogo, como
o que ocorria no passado. Não contra as queimadas
anuais cada vez mais intensas que vemos hoje”, afirmou.
Com quase duas décadas
de estudos dedicados ao Cerrado, a pesquisadora
e professora do Instituto de Ciências Biológicas
da Universidade de Brasília (UnB), Mercedes
Bustamante, comenta que as queimadas anuais aumentam
a fragmentação do bioma, prejudicando,
por exemplo, espécies que precisam de grandes
áreas para sobreviver, como as onças,
promovem uma redução no porte da vegetação
e dificulta a recuperação do Cerrado,
que já perdeu metade da vegetação
original. “O aumento explosivo no número
de focos certamente se deve a um clima favorável
às queimadas alimentado pela ação
humana, e se traduzirá em mais emissões
de CO2 e outros gases de efeito estufa pelo bioma”,
disse.
Entre 2002 e 2008, as emissões
médias anuais de gases de efeito estufa do
Cerrado foram de aproximadamente 232 milhões
de toneladas de CO2, conforme o governo federal.
O desmatamento ainda é a maior fonte de emissões
no Brasil.
Também não se pode
esquecer dor prejuízos à saúde.
Uma pesquisa liderada pela Escola Nacional de Saúde
Pública da Fundação Oswaldo
Cruz (Fiocruz/RJ) comprovou que pessoas constantemente
expostas à fumaça das queimadas podem
sofrer com asma, bronquite, enfisema, pneumonia,
arritmia, hipertensão e até infarto.
Crianças e idosos são os mais afetados.
Necessidade de mais ação
Frente a toda essa problemática,
Bustamante espera do governo uma ampla análise
sobre os prejuízos que as queimadas provocaram
este ano ao Cerrado, verificando os tipos de vegetação
e as regiões mais atingidas. “É preciso
analisar se as áreas queimadas estavam em
frentes de avanço da agropecuária,
se os incêndios foram naturais ou intencionais.
É importante que a chegada das chuvas não
interrompa o monitoramento sobre o bioma e as ações
contra as queimadas”, ressaltou.
A secretária-geral do WWF-Brasil,
Denise Hamú, lembra que as mudanças
climáticas aumentam a tendência de
mais dias sem chuva e de agravamento do quadro de
queimadas no Cerrado nos próximos anos. “Daí
a importância de políticas públicas
permanentes e efetivas para a proteção,
recuperação e aproveitamento sustentável
do bioma, que já perdeu metade de sua vegetação
original”, ressaltou.
Para Mara Moscoso, as queimadas
que devastaram o Cerrado este ano acontecem por
fatores naturais potencializados pela ineficiência
do poder público. “Faltam campanhas de informação
pública e mais fiscalização
contra queimadas ilegais. Sem isso, cresce o clima
de impunidade. No Mato Grosso, um dos estados onde
mais se registraram focos este ano, as queimadas
estavam proibidas. É uma grande lição
para o próximo ano”, ressaltou.
Também falta maior integração
entre instituições, aponta José
Felipe Ribeiro, da Embrapa Cerrados. Para ele, governos
e pesquisadores devem encontrar o melhor meio para
unir esforços e disseminar informações
e ações sobre manejo e controle do
fogo. “É preciso descobrir as causas de tantos
focos de incêndios este ano. Se for por desconhecimento,
é preciso educação. Se for
por maldade, precisamos ampliar a fiscalização
e a aplicação da lei”, disse.
Por recomendação
do Inpe, foram usados neste balanço os dados
do satélite NOAA15 Noite, que capta os focos
mais persistentes de queimadas.
+ Mais
Política de prevenção
e combate a incêndios florestais no Acre obtém
sucesso
01 Outubro 2010
Bruno Taitson, de Feijó e Rio Branco (AC)
Diante de um contexto de numerosos focos de incêndio
na Amazônia durante a temporada de seca, a
abordagem bem-sucedida do problema pelo estado do
Acre chama a atenção. Foi desenvolvida
uma política voltada para prevenção,
controle e fiscalização, com a integração
de diversos órgãos e secretarias.
Além disso, o programa estadual de certificação,
que oferece assistência técnica e incentivos
às boas práticas na agricultura e
pecuária, já tem ocasionado diminuição
no uso do fogo em lavouras e pastagens.
Com a forte seca deste ano e face
à intensificação dos focos
de calor, o primeiro passo foi a decretação
em 9 de agosto, pelo governador Arnóbio Marques,
do estado de alerta. Assim, foi proibida toda e
qualquer queimada no Acre, e mesmo as licenças
para queima já expedidas foram canceladas.
Em seguida, foi criada uma “sala
de situação”, diretamente vinculada
ao Gabinete do Governador, como forma de concentrar
informações em tempo real sobre os
focos de calor no estado e, principalmente, planejar
de forma rápida e conjunta soluções
voltadas para prevenir e combater incêndios.
“Agimos com rapidez para evitar que vivêssemos
uma situação como a de 2005, quando
uma grande seca aconteceu na Amazônia e queimou-se
muito”, declara Eufran do Amaral, secretário
de Meio Ambiente do Acre.
Os resultados positivos são
evidentes. Embora a umidade relativa do ar e o índice
pluviométrico de 2010 já estejam abaixo
dos registrados em 2005 e a média de temperaturas
esteja entre 0,5 e 1 grau centígrado mais
alta, o número de focos de calor no Acre
está, em média, significativamente
menor este ano. Enquanto de janeiro a setembro de
2005 foram registrados 26,8 mil focos de calor no
estado, no mesmo período deste ano o número
foi de 7,8 mil (cerca de 30% das ocorrências
de 2005).
Diversos órgãos
e instituições, como Instituto de
Meio Ambiente do Acre (Imac), Instituto de Terras
do Acre (Iteracre), Polícia Militar (Batalhão
Ambiental), Polícia Civil, Corpo de Bombeiros,
Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (Ibama) e Polícia Federal
fazem parte do arranjo multissetorial que opera
a sala de situação sob coordenação
da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema).
O trabalho acontece em três
frentes: combate ao fogo, feita pelos bombeiros,
repressão, conduzida por Batalhão
Ambiental da PM, Polícia Civil, Imac, Ibama
e Polícia Federal e conscientização,
por meio de mensagens em veículos de comunicação
e distribuição de material educativo.
“Toda informação é centralizada
aqui. Assim, podemos planejar operações
de fiscalização, combate e prevenção”,
informa Eufran do Amaral.
Certificação diminui
uso do fogo
Outro fator que tem contribuído
de maneira decisiva para a diminuição
das queimadas no estado é o programa de certificação
ambiental, coordenado pelo governo e apoiado pelo
WWF-Brasil. De acordo com uma amostragem feita em
1 mil propriedades que participam do programa, em
diversas regiões do Acre, apenas 0,8% apresentaram
focos de calor, em sua maioria causados acidentalmente
ou por queimadas na vizinhança.
Para Mauro Armelin, coordenador
do Programa Amazônia do WWF-Brasil, é
essencial promover políticas que ofereçam
ao produtor assistência técnica aliada
a recompensas por boas práticas. “A responsabilidade
pela conservação não pode ficar
apenas nas mãos da fiscalização.
O sucesso da abordagem integral que nós apoiamos
no Acre é a prova disso. Podemos dizer que
a almejada equação de produzir mais,
remunerando melhor o produtor por uma atividade
sustentável já é uma realidade
em alguns locais”, analisa.
O secretário de Meio Ambiente
do Acre salienta que, em um cenário de riscos
maiores que em 2005, houve quantidade muito menor
de focos de calor. “Isso mostra eficiência
tanto na prevenção, com o programa
de certificação, tanto nas ações
de comando e controle. E também demonstra
que criar a sala de situação foi uma
decisão correta”, destaca.
Comando e controle no campo
As ações de fiscalização
de incêndios florestais no campo acontecem
a partir de informações repassadas
pela sala de situação. Com o cruzamento
dos focos de calor atuais com as áreas que
foram afetadas anteriormente por queimadas, elabora-se
os indicadores de risco de incêndio florestal.
Os locais com maior possibilidade, recebem atenção
especial.
Luciano Muniz é o responsável
técnico do escritório regional do
Instituto de Meio Ambiente do Acre (Imac) que atua
nos municípios de Feijó, Tarauacá
e Jordão. Segundo ele, as políticas
adotadas este ano melhoraram as operações
de campo. “Recebemos as coordenadas exatas e o histórico
da propriedade, o que facilita muito nosso trabalho”,
informa.
Segundo Luciano Muniz, graças
ao trabalho de assistência técnica
desenvolvido no estado nos últimos anos,
o grau de conscientização dos produtores
sobre os males do fogo vem aumentando de forma significativa.
“O programa de certificação é
de suma importância. Esse tipo de ação
nos permitirá focar muito mais na educação
e na prevenção do que na repressão”,
afirma.
De acordo com Alberto Tavares
(Dande), líder do escritório do WWF-Brasil
no Acre, com o programa de certificação,
não se pode mais afirmar que o produtor não
tem alternativa ao fogo para limpar pastagens e
lavouras. “Hoje ele recebe orientação
e assistência de qualidade e já tem
diversas alternativas, como piscicultura, criação
de pequenos animais, agricultura e pecuária
sustentáveis, que aumentam e diversificam
a renda das comunidades locais”, opina.
Para Dande, o desafio principal
no atual contexto é ampliar a escala de ações,
certificando novas propriedades. O primeiro passo,
já em execução por parte do
governo do Estado, é aumentar o número
de extensionistas que prestam assistência
aos produtores. Foi realizada uma licitação
para contratar novos profissionais por intermédio
de organizações locais.
+ Mais
Acre: Certificação
por boas práticas na agricultura já
beneficia produtor
19 Outubro 2010
Bruno Taitson, de Feijó (AC)
A adesão de produtores rurais acreanos ao
recém criado programa de certificação
em boas práticas, coordenado pelo Governo
do Acre com apoio do WWF-Brasil, começa a
dar resultados. Mais de 2 mil famílias já
participam do projeto, que capacita as famílias
a trabalhar sem o uso do fogo, obtendo maior produtividade
em um processo mais sustentável.
“O produtor derruba e queima,
normalmente, por não conhecer outras alternativas
que já existem. Meu roçado já
melhorou desde que estou participando”, avalia Fenelon
Santos de Oliveira. Ele vive com a esposa desde
1977 em uma propriedade de 150 hectares entre os
municípios de Feijó e Manoel Urbano,
às margens da BR-364 – rodovia cujo asfaltamento,
no trecho de 672 quilômetros entre Rio Branco
e Cruzeiro do Sul, está em fase final.
Com a adesão ao programa
de certificação, além de se
comprometer com práticas sustentáveis
e a não usar o fogo para limpar pastos e
lavouras, o produtor recebe assistência técnica
gratuita por parte de engenheiros florestais, agrônomos
e técnicos extensionistas. Entre as técnicas
repassadas pelos profissionais está o uso
da mucuna preta (Mucuna aterrima), planta leguminosa
que substitui o fogo, fixando nutrientes no solo,
combatendo a umidade, protegendo o terreno da erosão
e dos raios solares e combatendo ervas daninhas.
“Desde que passei a usar a mucuna,
nunca mais apareceram pragas em meu bananal”, relata
Fenelon Oliveira. Ele produz também milho,
caju, abacate e abacaxi, além de criar galinhas,
patos, perus, caprinos e gado.
Com o programa de certificação,
Fenelon Oliveira recebeu sementes de mucuna, aves
de pequeno porte implementos agrícolas e
equipamentos para mecanizar a lavoura, como uma
roçadeira nova. Além disso, o produtor
que adere ao programa também faz jus a um
bônus de R$ 500 por ano, pago em duas parcelas
de R$ 250. “Com o dinheiro consegui contratar gente
para ajudar no plantio” conta ele.
Políticas agroflorestais
integradas
De acordo com Alberto Tavares
(Dande), líder do escritório do WWF-Brasil
no Acre, a combinação de fiscalização
eficiente, valorização dos ativos
florestais, assistência técnica e diversificação
das fontes de rendas das comunidades locais estão
entre as principais causas do sucesso das políticas
agroflorestais no Acre. “Por isso o WWF-Brasil vem
apoiando essas iniciativas, que não só
geram conservação dos ecossistemas
como inclusão social”, resume Dande.
Valdemir dos Santos vive há
dois anos com esposa e filho em uma pequena propriedade
também às margens da BR-364. Ele aderiu
recentemente ao programa de certificação
e já colhe frutos. “Fui capacitado para operar
trator, logo receberei as sementes da mucuna. Vamos
começar a plantar maracujá, mamão,
milho, feijão, melancia, abóbora,
pepino, café, cacau e hortaliças”,
afirma, com otimismo.
O produtor diz que, com o bônus
pago pelo governo para aderir ao programa, pretende
comprar equipamentos e ferramentas. “Eu utilizava
fogo para limpar o roçado, mas isso acabou.
Com a mucuna, ano que vem será sem fogo aqui”,
projeta Valdemir do Santos.
O agricultor tem boas perspectivas
para o futuro. Com apoio do governo, pretende fazer
dois açudes e criar tilápias, que
seriam alimentadas com as sobras da fruticultura.
Também quer criar galinhas, que comeriam
o milho da propriedade, para a produção
de ovos. “Agora, com o asfalto, vai dar pra plantar
muito mais porque vamos conseguir vender nossos
produtos”, conclui.