14 Dezembro 2010 Após tentativa
frustrada na terça, 14 de dezembro, os deputados
federais da bancada ruralista devem tentar novamente,
nesta quarta, aprovar às
pressas o regime de urgência para votar as
mudanças no Código Florestal. As modificações
estão no substitutivo apresentado em julho
pelo deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), que prevê
anistia a desmatadores ilegais, redução
substancial de áreas de preservação
permanente (APPs) e diminuição de
áreas de reserva legal, entre outros aspectos.
Caso o regime de urgência
seja aprovado, o relatório, elaborado sem
considerar opiniões da sociedade civil organizada
e de cientistas, poderia ser colocado em votação
a qualquer momento, a partir de determinação
do presidente da Câmara. Segundo estudo divulgado
pelo Observatório do Clima, as mudanças
no Código comprometeriam a meta brasileira
de redução de emissões estipulada
na Política Nacional de Mudanças Climáticas.
Para o deputado Ricardo Trípoli
(PSDB-SP), a aprovação da urgência
criaria um constrangimento internacional para o
Brasil, que participou este mês, na Conferência
do Clima em Cancún, de um acordo para emitir
menos gases de efeito estufa, diante de 196 países.
“Não é possível que o Brasil
assuma, no exterior, metas de redução
de emissões e, ao mesmo tempo, a Câmara
trabalhe para aprovar um substitutivo que signifique
supressão de vegetação”, critica.
Ricardo Trípoli lembra
que, na delegação brasileira em Cancún,
havia deputados da situação e da oposição,
ruralistas e ambientalistas, além da ministra
do meio ambiente e diplomatas. “Aprovar o regime
de urgência para as mudanças no Código
significa, também, desqualificar o grupo
que foi à Conferência do Clima”, conclui
o parlamentar.
Ruralistas evitam debate
De acordo com o deputado federal
Ivan Valente (PSOL-SP), a estratégia dos
ruralistas de apressar a votação busca
evitar o debate com base em critérios técnicos
e científicos, ouvindo organizações
populares, pesquisadores e acadêmicos. “Com
a tomada de consciência a respeito da questão,
a sociedade civil pode brecar as mudanças
no Código Florestal. Os ruralistas estão
com medo de perder a hegemonia das ideias”, destaca.
Ainda de acordo com Ivan Valente,
quanto mais se discute o tema, mais os ruralistas
perdem espaço. “Na medida em que as discussões
são ampliadas para universidades, sindicatos
e organizações populares, fica cada
vez mais claro que as mudanças no Código
são uma questão nacional, que envolve
biodiversidade, mudanças climáticas
e uma política agrícola e agrária,
alternativa ao modelo agrário exportador
que hoje predomina”, completa.
Um acordo entre as lideranças
dos partidos, coordenado pelo deputado Cândido
Vaccarezza (PT-SP), estabelece que a votação
do regime de urgência ocorrerá ainda
esta semana, mas o substitutivo não entraria
na pauta de votação em 2010. Porém,
segundo Ivan Valente, não há garantia
de que a contrapartida do acordo seja cumprida pelos
ruralistas. “Com o regime de urgência, eles
querem dar uma satisfação para sua
base de apoio, deixando uma janela aberta para votar
as mudanças no Código Florestal a
qualquer momento”, afirma.
+ Mais
Código Florestal: processo
de reforma precisa de novos rumos
17 Dezembro 2010 Leia a íntegra
do artigo "A falsa dicotomia entre a preservação
da vegetação natural e a produção
agropecuária"
Saiba mais sobre o relatório do Observatório
do Clima, que demonstra que as mudanças no
Código Florestal podem impedir o cumprimento
das metas de redução de emissões
assumidas pelo Brasil
Bruno Taitson, de Brasília
O ano de 2010 chega ao fim e o processo de reforma
do Código Florestal não caminhou para
uma solução conciliadora. O relatório
apresentado em junho pelo deputado federal Aldo
Rebelo (PCdoB-SP) sofreu críticas, tanto
de pesquisadores como de acadêmicos, ambientalistas,
representantes do movimento social e pequenos agricultores.
A principal queixa gira em torno do fato de que
o documento não foi produzido a partir de
critérios técnicos e científicos,
além de não ter sido debatido de forma
ampla pela sociedade.
De acordo com o superintendente
de conservação do WWF-Brasil, Carlos
Alberto de Mattos Scaramuzza, é fundamental
que o processo seja reconduzido para o caminho correto,
com propostas baseadas na ciência. “A sociedade
não aceita mais esse debate marcado pelo
extremismo. Esperamos que as partes que tenham bom
senso assumam o protagonismo das discussões,
e que um novo substitutivo que tenha mais legitimidade
seja apresentado”, avaliou Scaramuzza.
Além disso, o superintendente
lembrou que foi difundido um conceito errôneo
de que o Código Florestal representa entraves
ao agronegócio brasileiro. Ele lembra que
recente artigo* escrito por pesquisadores das áreas
de agricultura e meio ambiente, reconhecidos nacional
e internacionalmente, aponta para a propagação
de um falso conflito entre a preservação
da vegetação natural e a produção
de alimentos.
De acordo com os autores do artigo,
os maiores obstáculos para a agricultura
e a pecuária não estão na legislação
ambiental, e sim em fatores como escassez de crédito
agrícola, falta de assistência técnica,
distribuição desigual de terras no
país e carência de investimentos em
infraestrutura para armazenamento e escoamento da
produção, entre outros pontos.
Mediação pelo MMA
Segundo Scaramuzza, é fundamental
que não só acadêmicos, pesquisadores
e cientistas sejam envolvidos nos debates, mas também
representantes da sociedade civil organizada, que
foi ignorada no processo de elaboração
do substitutivo apresentado em junho. “A mediação
do Ministério do Meio Ambiente é fundamental
para garantir que uma nova proposta, com legitimidade
técnica e respaldo de diferentes setores,
seja apresentada para a sociedade”, destaca o superintendente
do WWF-Brasil.
A ministra do Meio Ambiente, afirmou
nesta quinta (16/12) em Brasília, durante
reunião do Conselho Nacional de Recursos
Hídricos, que as discussões a respeito
das mudanças no Código Florestal não
contemplaram os segmentos com envolvimento direto
na questão. Ela salientou ainda que as políticas
ambientais devem dialogar entre si e com todos os
setores da sociedade brasileira.
Histórico
Em junho de 2010, o deputado federal
Aldo Rebelo apresentou um substitutivo ao projeto
de lei 1876/99, que trata das mudanças no
Código, que foi aprovado no mês seguinte
pela Comissão Especial para Analisar as Mudanças
no Código Florestal. Este mês, após
acordo feito por intermédio do deputado Cândido
Vaccarezza (PT-SP), os ruralistas tentaram votar
o regime de urgência para o plenário
da Câmara apreciar o substitutivo. Após
inúmeras manifestações contrárias
por parte de diversos setores da sociedade, o pedido
não foi para votação.
* A falsa dicotomia entre a preservação
da vegetação natural e a produção
agropecuária, artigo redigido por Luiz Antonio
Martinelli (USP), Carlos Alfredo Joly (Unicamp),
Carlos Afonso Nobre (Inpe) e Gerd Sparovek (Esalq-USP)