24/02/2011 - Pesquisadores contestaram
os principais argumentos de ruralistas. Estudo completo
deve estar disponível em 20 dias
O grupo de especialistas
da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
(SBPC) e Academia Brasileira de Ciências (ABC)
formado para analisar as mudanças do Código
Florestal rejeitou, na última terça-feira
(22/2), as principais propostas do relatório
do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) sobre o assunto.
“O Código de 1965 precisa, sim, de modificações,
mas a solução não está
nesse substitutivo”, afirmou José Antônio
Aleixo da Silva, coordenador do trabalho e professor
da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE).
Reunidos num seminário
realizado na Câmara dos Deputados, os cientistas
reforçaram a importância das áreas
atualmente protegidas pela lei nas propriedades
privadas para a manutenção da própria
produção agropecuária e a prevenção
das tragédias que vêm ocorrendo no
Brasil por causa de enchentes e deslizamentos. Também
deixaram claro que o País pode seguir ampliando
essa produção com saltos de produtividades
e não com o aumento do desmatamento.
O evento reuniu cerca de 350 pessoas, entre elas
mais de 30 parlamentares, para discutir aspectos
jurídicos e científicos do Código
Florestal
No seminário, que teve
participação de cerca de 350 pessoas,
entre elas 34 deputados, foram abordados aspectos
jurídicos e científicos das alterações
propostas para o Código Florestal. Enquanto
o evento ocorria, o deputado Rebelo defendia sua
proposta em uma sala a alguns metros de distância
(veja entrevista). Para atacar a lei atual, ele
costuma dizer que ela não tem fundamentação
científica. Segundo Paulo Adário,
representante do Greenpeace no seminário,
das 391 pessoas ouvidas pelo deputado para elaborar
seu relatório em audiências públicas,
apenas 15 eram cientistas.
Todos os parlamentares foram convidados
a participar do encontro. Um convite especial para
compor a mesa foi feito ao deputado Marcos Montes
(DEM-MG), secretário executivo da Frente
da Agropecuária, mas ele não compareceu.
“Hoje, o descumprimento do código
é muito mais uma questão de planejamento
agrícola e ambiental do que uma questão
de uma legislação ambiental correta”,
defendeu o professor Ricardo Rodrigues, pesquisador
da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz
(Esalq/USP). Ele contestou um dos principais argumentos
dos defensores do projeto de Rebelo: o de que a
lei atual é impossível de ser cumprida.
Rodrigues fez um levantamento em regiões
canavieiras de São Paulo e descobriu que
na maioria dessas propriedades o percentual da área
utilizada já atende os limites impostos pela
legislação. Lideranças ruralistas,
ao contrário, têm repetido que mais
de 90% dos produtores estariam na ilegalidade.
Segundo o pesquisador, a demanda
por Áreas de Preservação Permanente
(APPs) pode ser bem menor do que se imagina. Nas
fazendas pesquisadas por ele em São Paulo,
ela seria de cerca de 10%. “Se diminuirmos a APP,
teremos um grande impacto em termos de biodiversidade
e quase nenhuma alteração em termos
de impacto econômico para a produção”,
afirmou. “Temos de melhorar a agricultura, estabelecendo
uma boa política agrícola, e fazer
isso de forma integrada com a política ambiental.
É possível produzir com alta tecnologia
e sustentabilidade, respeitando mata ciliar e Reserva
Legal. Este é o grande desafio no qual o
substitutivo não entra”.
A APP é a faixa de vegetação
situada ao longo de corpos de água, no topo
de morros e em encostas que não pode ser
eliminada segundo o Código Florestal atual.
O relatório de Rebelo pretende diminuir a
faixa mínima de APP de 30 metros para 15
metros. Além disso, prevê medir toda
APP a partir do leito do curso de água na
época de seca. Atualmente, isso é
feito com o leito na época de cheia.
Preservação da vida
humana
“Uma coisa comum a todas as pessoas
atingidas por inundações e deslizamentos
é que elas estão em áreas de
risco. Quando olhamos o que o código atual
prescreve, assim como o substitutivo, vemos que
a maioria dessas áreas não é
proibida”, comentou Carlos Nobre, pesquisador do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe)
e atual secretário de Políticas e
Programas de Pesquisa e Desenvolvimento Ministério
de Ciência e Tecnologia (MCT).
De acordo com Nobre, locais de
risco com declividade acima de 25% não poderiam
ser ocupados por casas e prédios. Ele defendeu
que, para isso, o novo código florestal faça
uma distinção clara entre APPs urbanas
e rurais com base no princípio da preservação
da vida humana. Uma das principais polêmicas
que cerca o projeto de Aldo Rebelo é se ele
amplia ou não a possibilidade de ocupações
em áreas urbanas de risco. O deputado afirma
que não.
O diretor do Instituto o Direito
por um Planeta Verde (IDPV), Gustavo Trindade, lembrou
que o projeto de Rebelo prevê que topos de
morro deixarão de ser APPs. Ele considerou
que, levando em conta a jurisprudência sobre
o tema, o relatório deixa, sim, margem para
ocupações inseguras. Em sua apresentação,
Trindade mostrou que os descontos previstos pela
proposta de Rebelo nas áreas de Reserva Legal
(RL) das propriedades podem fazer com que ela chegue
a zero em alguns casos. O advogado criticou a proposta
de se anistiar quem desmatou ilegalmente até
2008.
A RL é a fração
de toda propriedade rural que não pode ser
desmatada segundo o código atual. Ela é
de 80% no bioma amazônico, de 35% no Cerrado
dentro da Amazônia Legal e de 20% no resto
do País.
“Acho que o seminário serviu
para colocar em dúvida, senão para
desmontar, alguns dos principais pressupostos do
relatório de Aldo Rebelo”, avaliou Raul Telles
do Valle, coordenador adjunto do Programa de Política
e Direito Socioambiental (PPDS), do ISA. Ele afirmou
que os cientistas deixaram claro que é possível
recuperar os passivos ambientais sem que isso prejudique
a produção agropecuária nacional.
Valle chamou a atenção para a necessidade
de políticas agrícolas e de crédito
que incentivem e viabilizem o cumprimento da legislação.
ISA, Oswaldo Braga de Souza
+ Mais
Cientistas apresentam resultados
de estudo sobre Código Florestal na Câmara
dos Deputados
18/02/2011 - Trabalho traz argumentos
técnicos em defesa de áreas protegidas
pela legislação atual e rebate vários
dos argumentos de ruralistas
Alguns dos resultados do estudo sobre o Código
Florestal elaborado por um grupo de trabalho da
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
(SBPC) e da Academia Brasileira de Ciência
(ABC) serão apresentados na próxima
terça-feira, dia 22, às 14h, num seminário
na Câmara dos Deputados. O texto completo
da pesquisa ainda está sendo finalizado e
deverá ser divulgado dentro de algumas semanas.
Publicado na semana passada no
site da SBPC, o sumário executivo do trabalho
reforça a necessidade de proteger e restaurar
as Áreas de Preservação Permanente
(APPs) – e não reduzi-las, como prevê
o polêmico relatório sobre as mudanças
do Código Florestal do deputado Aldo Rebelo
(PCdoB-SP). O documento dos pesquisadores confirma
que as APPs são “insubstituíveis”
não só para populações
urbanas e rurais, como para a própria produção
agropecuária, ao prover serviços ambientais
como polinização, controle de pragas,
de doenças e de espécies exóticas
invasoras. Afirma que a redução dessas
áreas pode significar um "gigantesco
ônus para a sociedade como um todo" e
que, na verdade, suas dimensões previstas
na lei ainda são insuficientes.
De acordo com o estudo, as APPs
têm “reconhecida importância na atenuação
de cheias e vazantes, na redução da
erosão superficial, no condicionamento da
qualidade da água e na manutenção
de canais pela proteção de margens
e redução do assoreamento”. O sumário
executivo repõe, portanto, a importância
das APPs nas margens de corpos de água e
em encostas para evitar as tragédias que
o País tem vivido por causa de enchentes
e deslizamentos.
Fundamentos científicos
Uma das principais críticas
das lideranças do agronegócio à
legislação ambiental é de que
ela não teria fundamentos científicos.
O objetivo da SBPC e da ABC ao elaborar o estudo
foi justamente trazer argumentos técnicos
para a discussão, tentando mostrar consequências
e alternativas das possíveis alterações
do Código.
O seminário ocorre em meio
à intensificação das articulações
dos ruralistas para apressar a votação,
prevista para a segunda quinzena de março,
do relatório de Rebelo. O documento prevê
ainda anistia a quem desmatou ilegalmente e o fim
da obrigação de recuperar passivos
ambientais.
Estará no seminário
o professor José Antônio Aleixo da
Silva, secretário da SBPC e coordenador do
grupo de trabalho. O presidente da Câmara,
Marco Maia (PT-RS), e a ministra do Meio Ambiente,
Izabela Teixeira, foram convidados, mas ainda não
confirmaram presença. O evento deve reunir
ainda parlamentares ambientalistas e ruralistas,
assessores, advogados e representantes de organizações
da sociedade civil para debater aspectos jurídicos
e científicos das mudanças propostas
para o Código Florestal.