Pesquisa inédita
na região traz dados sobre reprodução
de peixes ameaçados e com alto valor comercial
que podem subsidiar gestão eficiente do uso
dos recursos pesqueiros, permitindo a adequada renovação
dos estoques
Salvador, 24 de março de
2011 — Um artigo científico publicado recentemente
na revista Scientia Marina traz os resultados de
uma pesquisa que pode ajudar na recuperação
e na gestão da exploração de
peixes das famílias dos badejos, garoupas
e vermelhos. Intitulado Spawning patterns of commercially
important reef fish (Lutjanidae and Serranidae)
in the tropical western South Atlantic, o estudo
é de autoria de quatro pesquisadores brasileiros
e foi conduzido ao longo de dois anos e meio na
região dos Abrolhos, no sul da Bahia e no
norte do Espírito Santo, com o apoio da Conservação
Internacional (CI-Brasil) e a participação
dos pescadores locais.
Ao contrário do que ocorre
em partes do Caribe e na América do Norte,
no Brasil (Atlântico Sul ocidental) a informação
sobre épocas e locais de reprodução
de peixes ameaçados e com grande valor comercial
- como é o caso das famílias estudadas
– ainda é bastante escassa, prejudicando
a regulamentação da pesca comercial.
Essa falta de controle, ou a existência de
controles inadequados, é um dos principais
fatores responsáveis pelo declínio
das populações de peixes e da própria
produção pesqueira nas águas
tropicais do Nordeste do país. No Brasil,
além do evidente desaparelhamento dos órgãos
que controlam a atividade pesqueira, aformulação
de políticas efetivas para conservação
e uso sustentável desses recursos ainda depende
de informações de qualidade acerca
da vida das espécies-alvo da pesca, tais
como as épocas e os locais de desova e os
tamanhos adequados para a captura.
“Quanto mais conhecermos a biologia
das espécies de importância comercial,
melhores serão nossas chances de promover
seu uso racional”, afirma Rodrigo Moura, professor
da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) e
um dos co-autores do estudo.
Espécies-alvo, metodologia
e principais resultados- Na costa tropical do Brasil
são encontradas dezoito espécies da
família dos serranídeos (badejos e
garoupas) e quinze espécies de lutjanídeos
(vermelhos e pargos). A pesquisa concentrou-se nos
ciclos reprodutivos das espécies com produção
pesqueira mais expressiva na região de Abrolhos,
três serranídeos – a garoupa(Epinephelus
morio), o badejo (Mycteroperca bonaci) e o catuá
ou jabú (Cephalopholis fulva) – e cinco lutjanídeos
– o ariocó (Lutjanus synagris), o dentão
(L. jocu), a cioba (L. analis), a guaiúba
(Ocyurus chrysurus) e o realito (Rhomboplites aurorubens).
“As duas famílias pesquisadas
reúnem alguns dos peixes de maior importância
para a pesca e a gastronomia no Brasil”, aponta
Matheus Freitas, biólogo e doutorando em
Ecologia na Universidade Federal do Paraná.
“É importante ressaltar que elas são
também extremamente valiosas sob o aspecto
ecológico, tendo um papel importante na manutenção
do equilíbrio nos recifes coralíneos”.
De maio de 2005 a outubro de 2007,
os estudos envolveram a identificação
das espécies, a medição, a
pesagem e a verificação do sexo e
maturação das gônadas de peixes
desembarcados nos municípios de Prado, Alcobaça,
Caravelas e Nova Viçosa, no sul da Bahia.
Ao todo, foram analisados 3.528 peixes das oito
espécies selecionadas para o estudo. “A partir
da observação de fatores como consistência,
tamanho, cor e vascularização das
ovas em milhares de peixes desembarcados ao longo
de mais de dois anos, pudemos investigar quando
os peixes estavam em fase de desova”, explica Freitas.
A análise possibilitou também identificar
o tamanho mínimo a partir do qual as espécies
estão aptas a se reproduzir.
A conclusão da pesquisa
revela que os picos reprodutivos das espécies
concentram-se entre os meses de julho e agosto,
no caso dos badejos e garoupas; enquanto quase todos
os ‘vermelhos’ têm duas etapas reprodutivas
anuais: uma mais intensa, entre setembro e outubro,
e outra menor, que vai de fevereiro a março.
A exceção entre os vermelhos é
o realito, cujo período de reprodução
ocorre de fevereiro a maio.
A pesquisa aponta também
a necessidade de se determinar os locais de desova
dessas espécies, visando sua proteção.
“Isso não é tarefa fácil e
depende de esforços de longo prazo. Continuaremos
trabalhando na região para identificar as
áreas exatas onde ocorrem as agregações
reprodutivas”, esclarece Freitas. Ele explica que,
em um contexto no qual os locais de reprodução
ainda não foram identificados é necessário
usar o conhecimento existente para subsidiar medidas
de proteção dos estoques, incluindo
uma regulamentação urgente quanto
ao tamanho e a época de reprodução.
Gestão efetiva- A gestão
da pesca para a sustentabilidade ainda é
um grande desafio a ser alcançado pelo Brasil.
“Trabalhamos com a perspectiva de que é possível
recuperar e manter os estoques pesqueiros, desde
que tenhamos conhecimento, criemos áreas
protegidas nos lugares certos e implementemos as
medidas de controle necessárias para a pesca”
afirma Guilherme F. Dutra, diretor do Programa Marinho
da CI-Brasil. Hoje, existem normas específicas
apenas para a exploração de algumas
espécies, tais como a proibição
da pesca e a comercialização de espécies
emblemáticas, como o mero. “A regulamentação
e o controle da pesca são insuficientes,
especialmente em uma área de extrema importância
como Abrolhos. Além da perda da biodiversidade,
o prejuízo para o país é enorme
se pensarmos em longo prazo, principalmente para
o próprio setor pesqueiro”, explica o professor
Moura. Em Abrolhos, a grande maioria dos peixes
é retirada do mar abaixo do tamanho em que
podem se reproduzir. “Nesse cenário, a ampliação
das áreas marinhas protegidas na região
poderia viabilizar uma gestão mais eficiente
e participativa da pesca, com a integração
efetiva de pescadores e instituições
locais, consorciadas ao uso das informações
científicas que vêm sendo geradas”.
Conhecimento tradicional– O professor
Ronaldo Francini-Filho, da Universidade Federal
da Paraíba, conta que a comunidade local
foi importante parceira na realização
do estudo. “Nós entrevistamos pescadores
experientes, convocando-os a compartilhar seu conhecimento
sobre a reprodução dos peixes”. Os
resultados do estudo e seu possível uso aplicado
à gestão da pesca também foram
discutidos com a comunidade em reuniões posteriores.
“Estamos preparando materiais educativos para disseminar
as principais recomendações da pesquisa
junto aos atores ligados à pesca. É
o que chamamos de “ciência para a ação”,
que tem o intuito de transformar informação
em conhecimento capaz de contribuir efetivamente
para ações de conservação
socioambiental em Abrolhos”, explica Dutra.
A área do estudo - Com
cerca de 46.000km² no sul da Bahia e norte
do Espírito Santo, o Banco dos Abrolhos apresenta
um mosaico de ambientes marinhos e costeiros abrangendo
recifes de coral, bancos de algas, manguezais, praias
e restingas. É reconhecido como a área
de maior biodiversidade do Atlântico Sul e
abriga diferentes Áreas Marinhas Protegidas
(AMPs) com o objetivo de conservar ecossistemas
importantes e assegurar a produtividade pesqueira
dentro e fora de seus limites. Em Abrolhos há
áreas de proteção integral,
como o Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, e áreas
de uso múltiplo (com zonas fechadas e abertas
à pesca tradicional), como as Reservas Extrativistas
(Resex) do Corumbau, de Canavieiras e do Cassurubá.
As AMPs constituem um dos mecanismos mais efetivos
para a gestão de pescarias artesanais em
regiões tropicais.
Embora existam evidências
científicas de que as AMPs de Abrolhos apresentam
resultados positivos – tais como o aumento do número
e tamanho de peixes no interior e em áreas
próximas às reservas – outras medidas
se fazem necessárias para conter a diminuição
dos estoques de peixes em toda a costa nordestina.
“Apesar do papel fundamental desempenhado pelas
AMPs é preciso aprimorar a gestão
pesqueira como um todo, dentro e fora de áreas
de proteção e de suas respectivas
Zonas de Amortecimento, integrando o conhecimento
científico com o local”, observa a professora
da Universidade Estadual de Maringá, Carolina
Minte-Vera, co-autora do estudo. “Maiores investimentos
no controle e monitoramento da atividade pesqueira
também deveriam ser prioridade na agenda
do país para o setor. A informação
científica deve ser integrada a uma estrutura
de gestão adequada para poder resolver a
atual crise de sustentabilidade da pesca”, conclui.
+ Mais
Empresas e ONGs apresentam propostas
ao Código Florestal
Iniciativa conjunta busca aperfeiçoar
a legislação ambiental e contribuir
com o debate no Congresso Nacional
São Paulo, 24 de março
de 2011 — Com o objetivo de contribuir para o aprimoramento
da legislação vigente, empresas do
setor de base florestal plantada e algumas das principais
organizações socioambientais em atuação
no Brasil apresentaram hoje (24), em São
Paulo, uma proposta contendo 16 pontos específicos
para o novo Código Florestal Brasileiro,
em tramitação no Congresso Nacional.
O documento é resultado de um trabalho de
oito meses realizado pelo Diálogo Florestal
– iniciativa que reúne empresas do setor
florestal e organizações socioambientais
–, e seu principal diferencial é a busca
de consenso entre os setores.
Na Carta do Diálogo Florestal
que apresenta os pontos (disponível em www.dialogoflorestal.org.br,
os signatários afirmam que o Código
Florestal precisa ser “revisado, aperfeiçoado
e modernizado, pois a legislação atual
ainda é tímida e pouco eficaz na compatibilização
entre a produção rural e a proteção
ambiental”. O texto destaca a vocação
florestal do Brasil e sua relevância no cenário
das mudanças climáticas, apontando
as florestas plantadas para fins industriais e as
nativas como importantes vetores para a promoção
do desenvolvimento sustentável do país.
O documento ressalta, também, que o país
precisa de uma legislação florestal
“forte, com robustez científica e respaldada
por políticas públicas inovadoras
e instituições comprometidas com a
proteção e ampliação
da cobertura florestal brasileira.”
Segundo Elizabeth de Carvalhaes,
presidente executiva da Associação
Brasileira de Celulose e Papel (Bracelpa), a elaboração
da proposta teve como base a busca do equilíbrio
entre a visão de desenvolvimento das empresas
de base florestal, que têm planos de expansão
no país, e a preocupação legítima
das organizações socioambientais com
a preservação do meio ambiente e da
agricultura familiar. “As propostas refletem o interesse
de seus signatários por uma legislação
que valorize a sustentabilidade. E isso foi possível
graças à experiência adquirida
nesses últimos anos, no Diálogo Florestal”,
afirma Elizabeth.
“Foi um trabalho bastante produtivo
e esperamos colaborar com os poderes Legislativo
e Executivo. O novo Código Florestal deve
dar conta dos novos desafios da sociedade e do planeta”,
acrescenta Beto Mesquita, diretor do Instituto BioAtlântica
e membro do Conselho de Coordenação
do Diálogo Florestal. “Questões como
mudanças climáticas, incentivos econômicos
para recuperação de áreas,
a valorização do carbono florestal,
pagamento por serviços ambientais, negócios
sustentáveis e uma nova economia verde devem
permear a revisão da lei atual”, comenta
Raul do Valle, coordenador do Instituto Socioambiental.
Para apresentação
da proposta, a Carta do Diálogo Florestal
está sendo encaminhada a parlamentares, como
os integrantes da Câmara conciliatória
do Código Florestal na Câmara dos Deputados;
a representantes do poder Executivo envolvidos na
discussão do tema, e à Confederação
Nacional da Indústria (CNI).
Na opinião de Paulo Gustavo
Prado, diretor de Política Ambiental da Conservação
Internacional, o código florestal deve se
pautar na construção de um Brasil
sustentável e competitivo no mercado internacional.
“O produto do agronegócio brasileiro, se
acoplado a esforços de sustentação
do clima e manutenção dos serviços
ambientais e da biodiversidade, nos daria vantagem
comparativa inconteste.”
A Carta do Diálogo Florestal,
contendo o posicionamento conjunto dos 64 signatários,
e o resumo executivo das 16 propostas de consenso
estão disponíveis para download no
site do Diálogo Florestal (www.dialogoflorestal.org.br).