01/03/2011 - Trabalhos
científicos contestam premissas de relatório
de Aldo Rebelo sobre Código Florestal e mostram
que área agrícola poderia dobrar com
adoção de tecnologias simples e sem
a abertura de novas áreas.
Estudo ainda inédito de
pesquisadores da Escola Superior de Agricultura
Luiz de Queiroz (Esalq/USP) confirma que existem
terras suficientes no Brasil para multiplicar a
produção agropecuária sem que
seja necessário expandir o desmatamento.
De acordo com o trabalho, o aumento da produtividade
da pecuária permitiria diminuir a área
de pastagens e liberaria até 69 milhões
de hectares para a agricultura, diminuindo a demanda
pela abertura de novas áreas.
Os 69 milhões de hectares
equivalem aos territórios somados do Rio
Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Usar
todas essas terras significaria dobrar a área
agrícola brasileira.
Coordenado pelo pesquisador Gerd
Sparovek, o trabalho defende que a adoção
de tecnologias simples já difundidas no País,
como a divisão e rotação de
pastos, possibilitaria ampliar a lotação
média das fazendas de gado, considerada muito
baixa no Brasil, de pouco mais de uma cabeça
por hectare para quase duas. Assim, seriam liberadas
áreas para a agricultura.
"Toda a discussão
sobre as mudanças do Código Florestal
deveria passar pela rediscussão da pecuária
extensiva no Brasil", afirmou Sparovek durante
seminário, na terça-feira passada
(22/2), onde foi apresentado o levantamento, que
deve ser publicado neste mês. No evento, realizado
na Câmara dos Deputados para discutir as mudanças
no código, Sparoveck revelou que existiriam
103 milhões de hectares com vegetação
nativa disponíveis para desmatamento regular
de acordo com a lei atual - território maior
que o Mato Grosso. O pesquisador disse que a mudança
proposta para a legislação precisa
incluir, além da sua aplicabilidade, o debate
sobre como proteger as terras ainda disponíveis
para desmate legal.
A pesquisa não trata de
situações regionais e casos específicos,
mas reforça a tese de que programas de grande
escala de planejamento territorial, assistência
técnica e incentivo à regularização
ambiental podem manter o ritmo de crescimento da
agropecuária sem a necessidade de ampliar
a fronteira agrícola. O desafio seria conciliar
a alocação de terras para a produção
agropecuária, exploração florestal
e conservação.
Informações do Censo
Agropecuário 2006 do Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE), o último
realizado no País, apontam que um quinto
do território nacional (ou 158 milhões
de hectares) é ocupado por pastagens. Deste
total, quase 20% estão em terras de alta
ou média aptidão para lavouras, segundo
Sparovek.
Para os pesquisadores da Esalq,
a intensificação da pecuária
seria suficiente para manter o rebanho nacional
em patamares adequados à demanda dos mercados
nacional e internacional. Traria também como
consequências a produção de
carne de melhor qualidade, estabilidade de preços,
redução nas emissões de gases
de efeito estufa e menor degradação
do solo.
O estudo mostra que o polêmico
relatório do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP)
sobre as mudanças do Código Florestal
pode desproteger definitivamente 43 milhões
de hectares de Áreas de Preservação
Permanente (APP) e 42 milhões de hectares
em Reservas Legais (RL) que foram desmatados ilegalmente.
Assim, regularizaria a situação dos
proprietários dessas áreas.
RL é a fração
de toda propriedade rural que não pode ser
desmatada e varia de 20% a 80%, dependendo do bioma.
No bioma amazônico, esse percentual é
hoje de 80%. A APP é a faixa de vegetação
situada ao longo de corpos de água, no topo
de morros e em encostas, que também não
pode ser eliminada segundo a lei.
Estudo da SBPC e ABC
No mesmo seminário, também
foram apresentados alguns dos resultados de outro
estudo sobre as alterações propostas
para o Código elaborado por um grupo de especialistas
reunido pela Sociedade Brasileira para o Progresso
da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira
de Ciências (ABC). Os pesquisadores que participaram
do evento rechaçaram as principais propostas
contidas no relatório de Rebelo, como reduzir
as APPs e anistiar quem desmatou ilegalmente (Saiba
mais).
A pesquisa do grupo da SBPC e
da ABC está sendo finalizada e deve ser divulgada
em 15 dias. O sumário executivo já
está disponível (acesse aqui). Nele,
os cientistas defendem um “planejamento criterioso
na ocupação agrícola, com adoção
de práticas de manejo conservacionista” de
forma que o “potencial de uso dos recursos naturais
seja otimizado, ao mesmo tempo que sua disponibilidade
seja garantida para as gerações futuras”.
Ambos os estudos põem por
terra algumas das principais premissas do relatório
de Rebelo, como a ideia de que a aplicação
do Código Florestal atravanca o desenvolvimento
agropecuário. O trabalho da SBPC e da ABC,
por exemplo, lembra que o Brasil tornou-se um dos
maiores exportadores agrícolas do mundo com
base em grandes saltos de produtividade e na conversão
de pastagens em cultivos – e não na ampliação
da fronteira agrícola. Entre 1975 e 2010,
enquanto a área plantada aumentou mais de
45%, a produção cresceu 268% no Brasil.
A produtividade média mais que dobrou, passando
de 1.258 kg/ha, em 1977, para 3.000 kg/ha, em 2010.
A pesquisa aponta que ainda existe
bom potencial para intensificação
do uso do solo, mesmo em regiões onde o seu
grau é considerado acima da média
nacional, como no Centro-oeste, Sudeste e no Sul.
Projeções do Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA)
indicam que, entre 2010 e 2020, a taxa anual média
de crescimento da produção das lavouras
será de 2,67%, enquanto a área plantada
subirá apenas 0,45% ao ano, passando de 60
milhões de hectares para 69,7 milhões
de hectares.
+ Mais
Votação de alterações
do Código Florestal deve ficar para depois
de março
03/03/2011 - “Câmara de
negociação” foi instalada ontem. Primeira
reunião deve acontecer na semana após
o carnaval. Entidade de trabalhadores rurais apresenta
propostas alternativas ao relatório de Aldo
Rebelo
Foi instalada ontem na Câmara
dos Deputados a comissão que vai negociar
os pontos mais polêmicos do relatório
do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) sobre as alterações
do Código Florestal. A primeira reunião
ocorrerá na semana após o carnaval.
Com isso, a votação do relatório
não deve acontecer até o final deste
mês, como estava previsto inicialmente.
“O papel [da comissão]
é buscar um consenso para levar um texto
ao plenário”, afirmou o presidente da Câmara,
Marco Maia (PT-RS), autor da ideia de criar a “câmara
de negociação”. Ele ressaltou, no
entanto, que ela tem caráter informal e não
é deliberativa. O parlamentar disse à
Agência Brasil que o trabalho não tem
um prazo final para funcionar. “O prazo é
o prazo da negociação. O assunto será
votado quando tivermos os acordos e consensos. Março
é apenas uma data de referência”. Por
um acordo de lideranças partidárias,
o próprio Maia prometeu colocar o projeto
em votação até o final deste
mês (saiba mais).
Ontem foram indicados os 14 integrantes
da câmara. Os trabalhos serão coordenados
pelo primeiro secretário da Mesa Diretora,
Eduardo Gomes (PSDB-TO). Os representantes da agricultura
são: Reinhold Stephanes (PMDB-PR), Paulo
Piau (PMDB-MG), Luis Carlos Heinze (PP-RS) e Assis
do Couto (PT-PR). Os integrantes da bancada ambientalista
são Sarney Filho (PV-MA), Márcio Macêdo
(PT-SE), Ricardo Tripoli (PSDB-SP) e Ivan Valente
(Psol-SP). A liderança da minoria indicou
o deputado Mendes Thame (PSDB-SP) e deverá
indicar mais um nome. A liderança do governo
ainda não definiu seus dois representantes.
Aldo Rebelo também participará do
grupo.
“A tendência é que
o projeto seja votado neste semestre”, afirmou Gomes.
Ele confirma, no entanto, que não foi acordado
um prazo final para o funcionamento da câmara.
O deputado informa que a maioria dos parlamentares
não quer que o debate estenda-se além
de junho, quando entra em vigor o Decreto 7.029/2009,
que prevê punições para quem
descumpre o Código Florestal. “Vamos separar
os pontos que já são consenso daqueles
que ainda causam divergências e trabalhar
em cima destes." Gomes descartou a possibilidade
de elaboração de um substitutivo ao
relatório de Rebelo.
“Se não conseguirmos votar
até junho, acho que seria importante abrirmos
uma negociação com o governo para
alongar os prazos do decreto. Fico preocupado em
votar um assunto tão complexo em dois, três
meses”, defendeu o deputado Assis Couto, que também
integra a câmara de negociação.
Contag apresenta emendas alternativas
Couto fez a afirmação
numa reunião também ontem, na Câmara,
quando a Confederação dos Agricultores
na Agricultura (Contag) apresentou 18 emendas ao
relatório de Rebelo. As propostas abrem espaço
para alterações mais significativas
no texto, que, segundo o deputado e a bancada da
agropecuária, teria o objetivo de proteger
a agricultura familiar.
O presidente da Contag, Alberto
Brock, desautoriza a retórica ruralista.
“Se fosse exatamente assim, não teríamos
18 emendas. [O relatório] tem avanços,
mas não deve ser votado como está”.
As emendas da Contag acabam com o artifício
incluído no relatório de Rebelo para
beneficiar irrestritamente todos os produtores rurais,
incluindo médios e grandes, com a isenção
da Reserva Legal (RL) em áreas de até
quatro módulos fiscais. A redação
proposta pela Contag concede o benefício
apenas para os agricultores familiares.