05 Julho 2011 - Representantes
da comunidade científica deixaram um recado
simples e direto no Senado Federal na manhã
desta terça-feira (5): o texto de reforma
do Código Florestal aprovado pela Câmara
dos Deputados, que agora tramita no Senado, “traz
prejuízos ambientais ao povo brasileiro”.
“Em alguns trechos, os prejuízos são
muito intensos”, afirmou o professor da Escola Superior
de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), Ricardo
Rodrigues.
Ele foi um dos seis cientistas que representaram
a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
(SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências
(ABC) em audiência no Senado para discutir
a reforma do Código Florestal. A audiência
se deu em sessão conjunta de duas comissões
permanentes do Senado: a Comissão de Meio
Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização
e Controle e a Comissão de Agricultura e
Reforma Agrária.
A SBPC e a ABC divulgaram estudo
no começo do ano – O Código Florestal
e a Ciência, Contribuições para
o Diálogo – em que fazem análise detalhada
dos impactos que traria a reforma proposta, mas
a análise não foi considerada no texto
aprovado pela Câmara dos Deputados.
O pesquisador do Instituto Nacional
de Pesquisas Espaciais (Inpe) Antônio Donato
Nobre disse que o estudo ajudou a derrubar a ideia
de que as áreas de preservação
permanente ocupam grandes áreas nas propriedades
rurais. Segundo ele, o estudo mostrou que apenas
7% do total estão protegidos em APPs.
Nobre também salientou
que as faixas de proteção da mata
nativa às margens dos rios, da forma como
estão estabelecidas no atual Código
Florestal, ainda não atendem a necessidade
orgânica de preservação. “O
código atual não protege o brejo,
por exemplo”, disse o pesquisador.
Os brejos, assim como os mangues,
as várzeas e demais áreas úmidas,
são importantes pela sua rica biodiversidade
e pelas funções ecológicas.
A biodiversidade das áreas úmidas
inclui, por exemplo, os anfíbios, grupo no
qual o Brasil é “vice-campeão” mundial
e que mais vem sendo ameaçado pelas mudanças
climáticas. Dentre as funções
ecológicas das áreas úmidas
estão a sua importância para o ciclo
de vida aquática e como retardo de enchentes,
com a retenção das águas.
O chefe-geral da Embrapa Meio Ambiente, Celso Manzatto,
disse que o Código Florestal precisa enfrentar
o que ele chamou de “nosso principal vilão”:
a erosão de solos. “Este é o principal
impacto decorrente da agricultura”, explicou o pesquisador
aos senadores.
“Nossos solos levaram muitos milhares
de anos para se formar. Perdê-los e deixar
no seu lugar áreas degradadas, de baixa produtividade
agropecuária deveria até ser considerado
um crime contra o patrimônio nacional”, completa
Claudio Maretti, líder da Iniciativa Amazônia
Viva da Rede WWF.
Alguns ambientes e tipos de vegetação,
como as localizadas ao longo dos corpos d’água
e nas encostas mais íngremes, são
particularmente importantes para evitar a erosão.
“Devem ser protegidas pelo proprietário rural
que também deve cuidar das terras com boas
práticas como nivelamento do plantio, manutenção
da biota do solo, rotação de culturas,
cuidados com a drenagem etc”, explica Maretti.
A reforma do Código Florestal, em tramitação
no Senado Federal, foi aprovada na Câmara
dos Deputados em maio. O texto dos deputados contrasta
com as críticas da comunidade científica,
das organizações sociais e ambientais
e da própria opinião pública,
como demonstrou pesquisa realizada pelo Instituto
Datafolha em junho. A pesquisa de percepção
pública mostrou que a maioria da população
não concorda com os principais pontos do
texto. Para 85% dos entrevistados, a prioridade
deve ser para a proteção das florestas
e dos rios, e não para a produção
agropecuária.
A pesquisa mostrou também que apenas 5% da
população concordam com o perdão
a desmatadores em relação à
reposição da vegetação
natural, mesmo que tenham derrubado florestas para
produzir.
A população tampouco concorda com
a proposta de anistiar as multas aplicadas. Uma
das propostas do novo Código Florestal é
que todos os proprietários de terra que desmataram
ilegalmente até junho de 2008 fiquem isentos
de multas e punições. O Datafolha
perguntou se o entrevistado era “a favor ou contra
que esses proprietários de terra sejam perdoados
das multas”, e 79% das pessoas ouvidas disseram
ser contra perdoar as multas.
O mesmo percentual de brasileiros também
considera que se a anistia for aprovada pelo Congresso,
a presidente Dilma deveria vetar o perdão.
A pesquisa mostrou, ainda, que os eleitores não
estão dispostos a votar novamente em parlamentar
que votar a favor da isenção de multas
e de punições aos proprietários
de terra que desmataram ilegalmente. Entre os entrevistados,
84% disseram que não votariam novamente nesses
parlamentares.
A reforma do Código Florestal
segue em tramitação nas comissões
do Senado. Nesta quarta-feira, 6/7, está
prevista mais uma audiência pública,
desta vez na Comissão de Ciência e
Tecnologia. Esgotada a fase de debates nas comissões,
o projeto de lei irá à votação
em Plenário. Os senadores esperam concluir
o processo até o final do ano. Caso haja
alterações no texto original, a matéria
volta à Câmara para análise
dos deputados.
“Esperamos que o Senado Federal ouça a sociedade
e dê melhor espaço para discussões
construtivas, baseadas no conhecimento científico,
olhando para o bem do Brasil, que poderá
ter um grande futuro como líder de um desenvolvimento
verde, garantindo a produção de alimentos,
mas buscando os melhores mercados, com produtos
de alta qualidade sanitária e ambiental.
Além disso, o Código Florestal serve
a outros interesses da sociedade brasileira, como
o potencial da exploração florestal
sustentável, do ecoturismo, da defesa de
nossa cultura e da minimização dos
impactos pelos eventos climáticos mais drásticos”,
conclui o líder da Iniciativa Amazônia
Viva.