26/10/2011 - Texto apresentado
ontem no Senado é semelhante ao que veio
da Câmara. Possibilidade de anistia para desmatamentos
ilegais que ocorreram há apenas três
anos está mantida. Senador não quis
comprometer-se com propostas encaminhadas pelo
Comitê em Defesa das Florestas
Apresentado ontem (25/1) numa
sessão conjunta das comissões de Ciência
e Tecnologia (CCT) e Agricultura e Reforma Agrária
(CRA) do Senado, o relatório de Luiz Henrique
da Silveira (PMDB-SC) sobre a reforma do Código
Florestal não resolveu os maiores problemas
do texto vindo da Câmara dos Deputados.
O relator optou por deslocar artigos,
promover mudanças em temas secundários
e na redação de alguns trechos do
PLC (Projeto de Lei da Câmara) nº 30/2011,
mas sem alterar o espírito de seus principais
dispositivos.
Luiz Henrique também foi
relator na CCJ (Comissão de Constituição
e Justiça), onde costurou um acordo pelo
qual o projeto foi aprovado sem que seus aspectos
constitucionais fossem avaliados, razão de
ser do colegiado, e praticamente sem alterações.
Em troca, comprometeu-se a promovê-las na
CCT e na CRA.
Uma análise produzida pelo Comitê em
Defesa das Florestas sobre o parecer apresentado
ontem, no entanto, mostra que, embora algumas emendas
tenham sido acolhidas, aquelas com alterações
de mérito mais importantes foram desconsideradas
(leia a análise). O comitê reúne
mais de 150 organizações da sociedade
civil, movimentos e redes sociais, entre eles o
ISA.
“As mudanças foram poucas
e superficiais. As questões centrais infelizmente
ainda não foram resolvidas”, afirma Raul
do Valle, coordenador adjunto de Política
e Direito Socioambiental do ISA. Ele avalia que,
pelo que Luiz Henrique apresentou até agora,
a maior parte do trabalho de aperfeiçoar
o projeto ficará a cargo de Jorge Viana (PT-AC),
relator na CMA, e da presidenta Dilma Rousseff,
que pode sancionar ou não a proposta.
Na sessão conjunta em que
o parecer de Luiz Henrique foi lido, os senadores
definiram o 1º de novembro como último
dia para apresentação de emendas e
o dia 8 de novembro para a votação
do texto nas duas comissões. Depois, ele
segue para a CMA (Comissão de Meio Ambiente)
e, na sequência, para o plenário.
Exceção e regra
Luiz Henrique manteve julho de
2008 como prazo limite para a regularização
de desmatamentos ilegais. Quem desmatou irregularmente
até essa data poderá se beneficiar
com a anistia de multas e da obrigação
de recuperar a vegetação (veja o relatório
na íntegra). Lidos em conjunto, os artigos
do relatório na prática mantém
essa obrigação como uma exceção,
não a regra.
Segundo o parecer apresentado
ontem, pastagens poderão ser mantidas em
encostas e topos de morros, áreas sensíveis
e palco de milhares de mortes nos últimos
anos por causa de enchentes e desabamentos em vários
pontos do País.
O levantamento do Comitê
em Defesa das Florestas menciona duas questões
que foram parcialmente resolvidas pelo relator:
os órgãos ambientais ficam obrigados
a embargar áreas que venham a ser desmatadas
ilegalmente (no texto anterior, essa era apenas
uma opção); apenas produtores que
cumprirem com os parâmetros normais definidos
na lei para manutenção da vegetação
nativa na propriedade terão direito a incentivos
creditícios e tributários (e não
aqueles que descumprirem esses parâmetros).
Mudanças
O relatório de Luiz Henrique
determina que o governo envie ao Congresso um Projeto
de Lei para criar um programa de incentivos econômicos
à recuperação e preservação.
“Eu considero que [essa] solução é
um avanço, mas não é a melhor.
A melhor solução é que nós
já tenhamos alguns aspectos já definidos
no Código Florestal”, defendeu o Eduardo
Braga (PMDB-AM), autor de emendas que tratam do
assunto e presidente da CCT. Para ele, a bancada
peemedebista no Senado estaria disposta a apoiar
novas alterações no texto de Luiz
Henrique.
“Existem ainda uma série
de dispositivos que merecem uma atenção
especial pelo entendimento de que o texto admite
ainda algum tipo de aperfeiçoamento”, disse
João de Deus Medeiros, diretor de Florestas
do MMA (Ministério do Meio Ambiente). Ele
mencionou o programa de regularização
ambiental e os parâmetros para recuperação
de APPs (Áreas de Preservação
Permanente) ao longo de grandes rios como dois itens
que precisam ser aprimorados.
Luiz Henrique mencionou como outra
mudança importante em seu parecer a manutenção
dos mangues como APPs, condição que
havia sido retirada no texto vindo da Câmara.
A questão é que as ocupações
irregulares nesse ecossistema feitas até
2008 também poderão legalizadas.
O senador Jorge Viana negou que
o texto apresentado por Luiz Henrique abra caminho
para a regularização automática
dessas ocupações. “Essas áreas
receberão um tratamento diferenciado e certamente
terão de passar por um programa de regularização
ambiental”, afirmou. “Isso é bem diferente
e traz algo que o texto da Câmara tinha tirado.”
Viana elogiou o trabalho de Luiz
Henrique, mas ressalvou que o projeto ainda precisa
ser aperfeiçoado. “Houve um avanço
enorme, para dar mais segurança jurídica,
clareza de proteção ao meio ambiente,
sem criar um confronto com o setor produtivo. Mas
é evidente que ainda há muito trabalho
pela frente”, analisou.
Ele não quis antecipar
as alterações que pretende fazer,
mas confirmou que trabalha para aperfeiçoar
um tratamento diferenciado para agricultores e pequenos
produtores. Segundo Viana, isso não vai significar
anistia a desmatamentos ilegais.
Propostas
Jorge Viana comprometeu-se a analisar
as propostas apresentadas numa reunião realizada
na segunda-feira à noite, na sede da CNBB
(Conferência Nacional dos Bispos do Brasil),
em Brasília, com o Comitê em Defesa
das Florestas.
Luiz Henrique também participou do encontro,
que havia sido marcado para a semana passada, mas
só aconteceu às vésperas da
leitura do relatório por falta de espaço
na agenda do senador.
O parlamentar catarinense também
disse que irá avaliar as sugestões,
mas não quis comprometer-se com nenhuma delas.
Ele justificou que, para evitar polêmicas,
não poderia aceita-las sem consultar seus
colegas e insistiu que o melhor caminho para modificar
seu texto é por meio de emendas de outros
senadores.
Luiz Henrique argumentou ainda
que muitas das propostas já teriam sido incorporadas
em seu texto e rejeitou a ideia de realizar uma
audiência pública no Senado para apresenta-las
formalmente.
“Quando uma emenda é acolhida
pelo relator ela tem mais força. Obviamente,
tínhamos uma grande expectativa porque na
CCJ foi dito que não iriam acolher as propostas
porque elas seriam acolhidas nas comissões
de mérito. Infelizmente, não senti
essa disposição do relator”, afirmou
a ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que
também esteve na reunião.
+ Mais
Desembargadora vota pela anulação
de decreto que autorizou usina de Belo Monte
18/10/2011 - Em voto considerado
histórico, Selene de Almeida posicionou-se
pela anulação de licença ambiental
da hidrelétrica. Ela enfatizou a necessidade
de se regulamentar a consulta prévia às
populações indígenas e tradicionais
sobre os empreendimentos que afetem seus territórios
Em julgamento iniciado ontem (17/10),
no TRF (Tribunal Regional Federal) da 1ª Região,
em Brasília, a desembargadora Selene de Almeida,
relatora de uma das ações do MPF-PA
(Ministério Público Federal no Pará)
contra a hidrelétrica de Belo Monte, votou
favoravelmente à anulação da
licença ambiental da obra.
Selene considerou inválido
o Decreto Legislativo nº 788/2005, que autorizou
o empreendimento. Ela argumentou que o decreto não
retornou à Câmara depois de ser modificado
pelo Senado e não observou a necessidade
de consulta prévia às comunidades
indígenas afetadas (veja o resumo do voto).
“Sendo a oitiva da comunidade
afetada um precedente condicionante à autorização,
é inválida a autorização
nº 788/2005. Não se autoriza para depois
consultar. Ouve-se os indígenas e depois
se autoriza ou não a obra”, afirmou a desembargadora
em seu voto. “Apenas quando o processo concede a
real oportunidade de manifestar sua vontade e influir
na tomada de decisão é válida
a oitiva”.
A sessão foi interrompida
por um pedido de vista do desembargador Fagundes
de Deus, que alegou necessidade de examinar novamente
os autos em razão da profundidade do voto.
Ele pretende retomar o julgamento ainda neste mês.
Além de Fagundes de Deus, votará também
a desembargadora Maria do Carmo Cardoso. Se algum
dos dois acompanhar o voto de Selene, o processo
seguirá para o STF (Supremo Tribunal Federal).
Selene de Almeida julgou o Recurso
de Apelação interposto pelo MPF contra
uma sentença da Justiça Federal de
Altamira (PA) – onde a usina está sendo construída
– que considerou válido o decreto do Congresso
Nacional. O julgamento já tinha sido adiado
em novembro de 2010 a pedido da AGU (Advocacia Geral
da União). Ao todo, o MPF move 13 ações
contra a hidrelétrica. Esta será a
primeira decisão de mérito sobre o
assunto a seguir para o STF.
“O julgamento é muito oportuno
porque acontece no momento em que o governo brasileiro
e os povos indígenas dispõem-se a
começar a discutir as regras para a aplicação
do direito de consulta”, afirmou Biviany Rojas,
advogada do ISA (saiba mais). Ela considerou o voto
de Selene histórico por abrir caminho para
consolidar a jurisprudência sobre a obrigatoriedade
de realização de consulta prévia
sobre projetos que afetem populações
indígenas e tradicionais.
Segundo a EPE (Empresa de Pesquisa
Energética), o aproveitamento de 44% do potencial
hidrelétrico da bacia amazônica e das
bacias do Araguaia e Tocantins trará algum
tipo de consequência sobre as TIs (Terras
Indígenas). Cerca de 98% da extensão
de todas as TIs do Brasil estão nesta região,
considerada a mais nova fronteira energética
do País.
Consulta Prévia e Constituição
De acordo com a desembargadora,
a obrigação da consulta decorre da
Constituição Federal e tem eficácia
jurídica plena, ou seja, aplicação
imediata. “Estou dando aqui uma decisão conforme
a Constituição (...) a primeira constatação
que se tem da mera leitura do § 3º do
artigo 231 é a obrigatoriedade da consulta,
não é uma faculdade do Congresso.
O Constituinte ordenou que sejam ouvidas as comunidades
afetadas para que participem da definição
dos projetos que afetarão sua vida”, observou.
O ponto central do voto é
que a consulta às comunidades afetadas deve
ser realizada antes do Congresso autorizar ou não
a exploração de recursos hídricos
em TIs. Além disso, essa consulta deve ser
“informada”, isto é, comunidades e o Congresso
devem dispor de estudos que subsidiem a consulta
e a decisão sobre o empreendimento.
“A lógica indica que o
Congresso só pode autorizar a obra em área
indígena depois de ouvir a comunidade. Por
outro lado, só pode proceder a consulta depois
de conhecer a realidade antropológica, econômica
e social das comunidades que serão afetadas
pelos impactos ambientais”, completou Selene. “O
Congresso autorizou sem previsão dos impactos
na região e sem avaliar a dimensão
dos danos e benefícios do projeto da usina,
em resumo, faltou ao Congresso informação
científica relevante para autorização.”
Segundo a desembargadora, o Congresso
omitiu-se da sua obrigação Constitucional
de conciliar o interesse do país e os direitos
indígenas, por meio de um procedimento adequado.
“A necessidade de desenvolvimento do país
e o aumento de suas matrizes energéticas
exigirá que se estabeleça, desde logo,
um modelo de consulta que evite a insegurança
(...) o avanço da fronteira agrícola,
a crescente necessidade de construção
de hidrelétricas e de exploração
de recursos minerais torna urgente o enfrentamento
das questões suscitadas pela Convenção
169 da OIT (...) o país terá que se
debruçar sobre o problema da consulta e resolvê-lo”,
conclui o extenso voto da desembargadora, lido por
quase duas horas.
Convenção 169
Selene de Almeida observou que
“o país não pode evitar abordar a
questão de quem, como, onde se faz a oitiva
da comunidade. (...) as prescrições
da Convenção 169 da OIT [Organização
Internacional do Trabalho], além de vinculantes
podem ter enorme valia na construção
interna deste modelo de processo de consulta das
populações indígenas (...).”
O voto listou os requisitos mínimos
que a consulta prévia deve atender para ser
considerada válida: ela deve ser anterior
à autorização do empreendimento;
os interlocutores precisam ter legitimidade; exige-se
que se proceda a uma pré-consulta sobre o
processo de consulta, tendo em vista a escolha dos
interlocutores legitimados, o processo adequado,
a duração da consulta e o local em
cada caso; o resultado da participação
deve se refletir na decisão do Estado.
O voto detalhou ainda como pode
ser realizada a consulta dentro do processo legislativo
no Congresso, apontando que “o momento adequado
para se proceder a consulta das comunidades é
antes da votação da matéria
nas comissões técnicas do Congresso.”
Apesar da posição
favorável à anulação
da licença ambiental, Selene de Almeida não
atendeu integralmente o recurso do MPF. Ela não
acatou o argumento de que haveria necessidade de
lei complementar para a regulamentação
da exploração de recursos hídricos
em Terras Indígenas, o que deverá
ser feito por lei ordinária.