Notícia - 26 - fev
– 2014 - Moradores
relacionam cheia recorde com instalação
de Jirau e Santo Antônio – hidrelétricas
construídas sem planejamento para lidar
com eventos extremos
Enquanto o nível
do rio Madeira aumenta a recordes diários,
moradores de Porto Velho e região metropolitana
obrigados a deixarem suas casas enxergam mudança
do padrão de cheias após a instalação
das usinas hidrelétricas de Jirau e
Santo Antônio.
Ontem, dia 25, o rio atingiu
o nível de 18,48 metros, 1,8 metros
acima da cota de emergência determinada
pela ANA (Agencia Nacional de Aguas). De acordo
com o CPRM (Serviço Geológico
do Brasil), os níveis máximos
do rio Madeira em Porto Velho ocorrem entre
os meses de março e abril em 95% dos
casos. Esse ano, o nível do rio começou
a bater recordes históricos ainda em
meados de fevereiro, muito antes do que é
esperado para a região.
“O rio encheu muito cedo.
Nós que somos aqui da região,
estamos acostumados com a cheia, mas não
desse jeito e também não muito
cedo. Sempre quando alaga um pouco aqui é
em março, enquanto dessa vez começou
a alagar no início de fevereiro. Pelo
que sabemos, o rio só começa
a secar em abril. E se ele continuar subindo
até lá? Como vamos ficar?”,
perguntou João Batista de Souza, 58,
nascido e criado no entorno de São
Carlos. Barqueiro, ele teve sua casa invadida
pela água de um dia para o outro.
Assim como João,
milhares de pessoas estão vendo suas
casas, pertences e memórias sendo engolidas
pelas águas do rio Madeira. Para buscar
suas histórias, o Greenpeace percorreu
os bairros alagados e visitou comunidades
que estão completamente submersas.
Nesse percurso, a equipe
encontrou um cenário desolador: pessoas
desalojadas, muitas vivendo de forma precária
em escolas (as aulas foram suspensas para
receber as famílias), enquanto outras
tentam salvar seus pertences como podem: carregando
geladeira, freezer, fogão e colchões
nas costas até os barcos que levam
para os abrigos ou casas de parentes.
“O que estamos vendo aqui
é a cheia histórica de um rio
afetado pelas chuvas em suas nascentes na
Bolívia e no Peru e que, em seu percurso,
encontrou duas barragens, as usinas hidrelétricas
de Santo Antônio e Jirau, construídas
sem planejamento para lidar com eventos como
esse”, disse Danicley de Aguiar, da campanha
Amazônia do Greenpeace. “E é
preocupante quando pensamos que, em um cenário
de mudanças climáticas, eventos
extremos como esse devem acontecer com mais
frequência e maior intensidade. O governo
precisa reagir imediatamente para salvaguardar
essas pessoas e seu modo de vida.”
Em São Carlos do
Jamari, a cerca de cem quilômetros de
Porto Velho, em alguns pontos a água
está quase dois metros acima do nível
da rua, e já avançou dois quilômetros
adentro da comunidade. O Greenpeace registrou
moradores sendo obrigados a abrir buracos
no telhado para conseguir entrar em suas casas,
já que a água cobria portas
e janelas. Outros estão trabalhando
para suspender o assoalho com tábuas
de madeira, enquanto aguardam o nível
da água subir ainda mais, como é
o esperado.
Muitos moradores entrevistados
falaram sobre o comportamento anormal do rio
depois da chegada das usinas, que entraram
em funcionamento em 2012 (Santo Antônio)
e 2013 (Jirau): “As pessoas das usinas falam
que as barragens não têm nada
a ver, mas a pergunta que está na cabeça
de todos é: por que então antes
não acontecia isso? Meu pai morreu
com 96 anos, nasceu e se criou nessa região
e nunca falou que tinha acontecido algo assim”,
disse seu João.
Marcio Santana de Lima,
liderança da comunidade de São
Carlos e coordenador do MAB (Movimento dos
Atingidos por Barragens) concordou: “Agora
tá tudo diferente, ninguém sabe
quando o rio enche, quando vai secar”, disse.
“O primeiro impacto [das hidrelétricas]
foi o peixe, depois veio o desbarrancamento
dos rios e por último essa cheia aqui...
Sabemos o impacto que são essas hidrelétricas
e sabemos que tem mais projetos aprovados
para a região norte”, disse, com preocupação.
Para reduzir o impacto da
cheia, no último dia 22, a Usina Hidrelétrica
Santo Antônio desligou 11 turbinas após
pedido da ONS (Operador Nacional do Sistema
Elétrico). Isso ajuda a diminuir a
vazão e o volume de água do
rio. Mas, mesmo com esse procedimento, o Greenpeace
verificou que a água continua atingindo
as margens do rio Madeira com força,
potencializando um fenômeno natural
chamado na região de banzeiro, que
causa o desbarrancamento das margens do rio.
Moradores de São
Carlos, distantes apenas cerca de cem quilômetros
das usinas hidrelétricas que surgiram
como a grande promessa de desenvolvimento
da região, tiveram sua energia cortada
depois que as águas atingiram a usina
termelétrica que abastecia a comunidade.
Sem saber como vai ficar a sua situação
e quando vão poder dormir tranquilos,
o jeito vai ser “acender vela e esperar”,
como bem disse seu João, o barqueiro
que logo terá que abandonar sua casa
devido ao avanço da água.
“Enquanto o restante do
país sofre com a falta de água
e os baixos níveis nos reservatórios,
a hidrelétrica de Santo Antônio
teve que desligar 11 turbinas por causa da
cheia histórica do rio. Isso mostra
a fragilidade do modelo energético
perseguido pelo Brasil”, finalizou Danicley
Aguiar.
+ Mais
Cheia do Madeira: o bairro
mais afetado
Notícia - 27 - fev
- 2014
Com novo recorde de alta do rio Madeira, Porto
Velho decreta estado de calamidade pública.
Greenpeace documenta situação
de bairro mais afetado
Em um novo dia de elevação recorde
do nível do rio Madeira, que às
11h15 de hoje atingiu a marca de 18,57 metros,
o prefeito de Porto Velho (RO) decretou estado
de calamidade pública e o governo do
Acre, situação de emergência.
Em seu terceiro dia de documentação
sobre a cheia histórica do rio Madeira,
o Greenpeace navegou em um dos bairros mais
afetados de Porto Velho, o Triângulo.
Algumas famílias
atingidas têm se mostrado surpresas
com as ondulações (chamadas
na região de banzeiros) que estão
invadindo as casas. Foi divulgado ontem, dia
26, que a usina hidrelétrica de Santo
Antônio foi obrigada a desligar todas
as turbinas que estavam em operação
– na semana passada, a usina já havia
desligado 11 turbinas. Segundo o Operador
Nacional do Sistema Elétrico (ONS),
Santo Antônio parou de funcionar totalmente
no início da semana.
O desligamento total das
turbinas ajuda a diminuir a vazão e
o volume de água do rio, o que deve
aliviar um pouco os impactos das ondulações.
Antes do desligamento de todas as turbinas,
o Greenpeace verificou, em Porto Velho, que
a água estava atingindo as margens
do rio Madeira com força, potencializando
o banzeiro, que causa o desbarrancamento das
margens do rio.
A maior parte das construções
do Triângulo estão submersas.
Ednelson Mendes de Oliveira tentava retirar
de sua casa alguns pertences que poderia salvar,
enquanto a água barrenta do rio Madeira
alcançava as janelas. “A enchente em
si é normal, mas foi como ela veio
dessa vez que foi diferenciado. Veio com muita
velocidade. Essa onda que a gente chama aqui
de banzeiro não existia. Enchia mas
era suave, dava tempo de tirar as coisas.
Dessa vez não deu pra tirar nada, todo
mundo largou e foi embora com medo disso tudo”,
contou ele. “Até a gente que é
daqui mesmo ficou apavorado”, completou.
Oliveira, que é autônomo
e mexe com refrigeração, perdeu,
além de móveis como camas e
armários, todo o seu material de trabalho.
A água que está invadindo sua
casa está contaminada com lixo e esgoto
e pode causar doenças graves como leptospirose,
diarreia, hepatite A e cólera: “É
preciso ter coragem pra entrar nessa água,
a gente sabe o risco que está correndo.
Eu, de tanto ajudar os outros, esqueci de
mim mesmo”, disse ele, sentado no muro da
varanda de sua casa, com a água na
cintura.
“O que temos visto em Porto
Velho é grave. Além do enorme
impacto social que está sendo causado
pelas cheias, há também os impactos
ambientais, que ainda não podem ser
contabilizados”, disse Danicley de Aguiar,
da Campanha Amazônia do Greenpeace.
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Cheia histórica no
rio Madeira
Notícia - 25 - fev
- 2014
As águas não param de subir
em Rondônia. O rio Madeira vem batendo
quase que diariamente as medições
históricas e alcançou, ontem,
o marco de 18,43 m, a maior cheia já
registrada desde 1997 e que ultrapassa em
1,75 m a cota de emergência determinada
pela ANA (Agência Nacional de Águas).
O Greenpeace foi até
Porto Velho para acompanhar a cheia do rio
que está antecipada uma vez que 95%
das cheias acontecem anualmente entre os meses
de março e maio.
O bairro Triângulo
é um dos mais afetados pela cheia,
encontra-se na beira do rio e está
cinco km à jusante da Usina Hidrelétrica
de Santo Antônio. Ali, famílias
que foram desabrigadas estão vivendo
alojadas na Escola Estadual de Ensino Fundamental
Franklin Delano Roosevelt, na qual as aulas
estão suspensas para receber moradores
que não têm para onde ir.
Herlen da Silva e Silva,
25, divide uma sala de aula com o marido,
seus dois filhos e outras cinco pessoas. Na
sala estão espalhados colchões,
roupas, fogão, televisão e um
enorme ventilador para amenizar o clima quente
da região. Isso é tudo o que
ela conseguiu salvar na enchente. De barco,
ela saiu em companhia da cunhada para checar
como estava a situação de sua
casa: nem mesmo conseguiu alcançá-la,
devido ao nível do rio extremamente
elevado “A gente não sabe o que vai
acontecer. Está tudo mudado depois
que a usina veio pra cá”, afirmou Herlen.
Na sala de aula em frente,
vive Floriza dos Santos de Sá, 62,
moradora do Triângulo há mais
de 40 anos. Ela presenciou a cheia de 1997,
que era considerada a maior até agora,
mas conta que a atual está muito pior.
A água já beira a janela de
sua casa. “Antes da usina vir pra cá,
o rio enchia e alagava um pouco embaixo das
casas, mas depois ele ia baixando e a água
ia embora. Agora, a gente não sabe
se ele vai secar como antigamente ou se ele
não vai secar mais.”, disse Floriza.
A elevação
do rio provocou também o fechamento
da BR 364, estrada que liga Porto Velho a
Rio Branco, deixando o Acre isolado. Para
reduzir os impactos da cheia, a hidrelétrica
de Santo Antônio teve que desligar 11
das 17 turbinas que estavam em atividade para
diminuir a vazão e o volume de água
do rio. No entanto, mesmo com esse procedimento
o Greenpeace verificou que a água continua
atingindo as margens do rio Madeira com força,
potencializando um fenômeno natural
chamado na região de banzeiro, que
causa o desbarrancamento das margens do rio.