01 Abril 2014 | Por Jorge
Eduardo Dantas - Desde meados de 2013, uma
das tarefas mais espinhosas da diretora-presidente
do Instituto Estadual de Florestas do Amapá,
(IEF), Ana Margarida Castro Euler, tem sido
defender, em tantos fóruns e instâncias
quanto possível, a Floresta Estadual
(Flota) do Amapá. Isso porque, ano
passado, ganhou força na Assembleia
Legislativa daquele Estado um projeto de lei
que visa revogar o decreto de criação
desta área protegida.
A proposta só não foi para a
frente porque o Ministério Público
interveio e impediu que a área, de
2,3 milhões de hectares, não
ficasse desprotegida e ganhasse o status de
“terra devoluta”. Ainda assim, os deputados
estaduais mantêm seu objetivo e as articulações
com os setores interessados no fim da Floresta
Estadual.
Ana Euler, como é
conhecida, é engenheira florestal,
tem mestrado e doutorado em Ciências
Ambientais e Florestais. Ela já trabalhou
na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
(Embrapa) e no WWF-Brasil. De Macapá,
ela nos concedeu a seguinte entrevista:
Ana, como você vê
essa mobilização que busca a
revogação da Floresta Estadual
do Amapá?
Ana Euler - Quero fazer
um debate técnico sobre este assunto,
mas o que vejo é um debate político,
eleitoreiro. Temos uma eleição
aí na frente e não querem deixar
o governo avançar nas ações
de implementação da Floresta
Estadual. A raiz do problema é o processo
que se arrasta há mais de 20 anos e
que diz respeito à transferência
de terras públicas do Governo Federal
para o Estado do Amapá. Extinguir a
Flota, no entanto, não vai resolver
o problema fundiário no estado. Quando
a gente concluir este processo da transferência
de terras, aí o estado vai dominar,
de fato e de direito, seu território.
Percebo um debate de eleições,
de jogar lenha na fogueira, mas do que de
enfrentar os problemas que a sociedade de
fato tem aqui, como essa questão da
falta de apoio à agricultura familiar.
Revogar a Flota é
uma ameaça, inclusive, à ordem
pública no Estado. Sabe o que isso
pode trazer como consequência? Uma corrida
pelo ouro, pela madeira, pelos minérios
e demais recursos da floresta. Então
seria um caos e, ao invés de resolver
um problema, isso faria com que toda essa
discussão sobre território no
Amapá voltasse à estaca zero.
Além disso, esta gestão (do
governador Camilo Capiberibe - PSB) já
investiu cerca de R$ 5 milhões na implementação
desta Unidade de Conservação.
Se revogarmos a Flota, como ficará
este investimento?
Os parlamentares interessados
afirmam que a revogação da Flota
é uma maneira de auxiliar a agricultura
familiar e a população rural
do Amapá.
AE - Sim, mas existem aí
alguns fatos que dão a entender outra
coisa. Porque demorou oito anos para que as
pessoas considerassem a Flota uma ameaça
à agricultura familiar (a Unidade de
Conservação foi criada em 2006)?
A mesma Assembleia Legislativa que hoje pede
a revogação da Floresta Estadual
aprovou a criação da Unidade
sem o menor problema.
O que percebo também
é que, enquanto não se implementava
a Flota, não existia essa ‘ofensa’,
não ocorria esse movimento de acabar
com a Unidade de Conservação.
O governo anterior não fez nada, fingia
que a Floresta Estadual do Amapá não
existia. A partir do momento em que começamos
a implementar as ações, na hora
em que a coisa começou a andar, aí
ela se tornou uma ameaça. São
essas as questões que temos levantado
em todas as conversas, discussões e
entrevistas que temos participado.
Então existiriam
outras formas de potencializar a agricultura
familiar e ajudar as famílias produtoras
do Estado.
AE - Sim. Temos que trazer
outro olhar. Temos que falar de agricultura
de forma séria. Por exemplo: o nível
de implementação de políticas
públicas do Instituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária (Incra) aqui no Amapá
é baixo, muito baixo. Veja: os assentamentos
do Incra detêm 35% das terras do Amapá.
A Floresta Estadual ocupa apenas 13% do território
do Estado. Então, se temos que falar
de gestão de áreas, de liberar
áreas para a agricultura familiar,
porque estamos pintando um alvo na Floresta
Estadual? Temos hoje mais de 40 assentamentos
rurais no Estado. Eles não têm
50% de ocupação. Então
você vê que não existe
demanda por terra aqui no Amapá. A
“falta de terras” não pode ser colocada
como um problema.
Já se falou em 20 mil famílias
na área da Floresta Estadual, mas isso
não é verdade. De acordo com
o diagnóstico que fizemos por conta
do plano de manejo da Unidade, encontramos
entre 350 e 400 famílias. Com elas,
estamos trabalhando assim: quem quiser sair
da área, será encaminhado para
um desses assentamentos e quem quiser ficar
terá condições de extrair
os recursos dali.
O que precisamos mesmo é
de políticas públicas coordenadas
entre a União, o Estado e os municípios.
Precisamos dar qualidade de vida aos ribeirinhos,
aos extrativistas e às populações
tradicionais. Outro exemplo: o Amapá
é o estado que menos avançou
no programa “Luz para Todos”. Este programa
não chegou nos nossos assentamentos.
O Linhão de Tucuruí (projeto
que visa trazer interligar a região
Norte à rede de distribuição
de energia do resto do País) passou
por várias comunidades e, por conta
das obras e das intervenções
na infraestrutura, elas perderam sinal de
celular. Ou seja, uma iniciativa que deveria
ajudar a vida dessas pessoas só trouxe
os impactos, não trouxe as compensações.
E querem colocar a Flota no centro deste problema,
o que é ridículo. Como vamos,
com estas condições, propor
para as pessoas que moram no campo uma melhoria
de qualidade de vida?
Que atividades o Instituto
Estadual de Florestas do Amapá tem
realizado na Flota?
AE - A Empresa Brasileira
de Pesquisa Agropecuária (Embrapa)
conduziu, conosco, um estudo de Redução
das Emissões por Desmatamento e Degradação
Florestal (REDD) e existe um fundo de investimento
inglês que quer negociar créditos
de serviços ambientais.
Temos universidades, o Instituto
de Pesquisas da Amazônia (Inpa), está
realizando pesquisas na área da Flota.
Em dezembro de 2013, lançamos o pré-edital
de concessão de exploração
florestal e vamos lançar o edital no
mês de abril. Fizemos uma serie de reuniões
técnicas em fevereiro, temos marcada
uma audiência pública nas próximas
semanas. E isso tudo é público,
é aberto. Somos transparentes, todas
as nossas informações estão
em nosso site, trabalhamos e dialogamos com
uma série de instituições,
como o Conselho Nacional de Agricultores Familiares
o Grupo de Trabalho Amazônico (GTA).
Enquanto isso, veja só, há juízes
tentando frear as ações do estado,
tentando nos atrapalhar em fazer uso da floresta,
alegando que a Floresta Estadual é
‘improdutiva’.
O plano de manejo da Floresta
Estadual ficou pronto no início de
2014, não?
AE - Sim, e estamos fazendo
coisas incríveis. Estamos finalizando
um plano de manejo em tempo recorde. Fizemos
o documento em dois anos e meio, com recursos
próprios, sem ajuda de organizações
internacionais, com cerca de 50 técnicos
nossos. Investimos menos de R$ 1 milhão
neste processo o que, para os padrões
de Unidades de Conservação da
Amazônia, é um valor pequeno,
é pouco em comparação
a outras áreas protegidas. Ou seja,
estamos mostrando serviço e eficiência,
estamos mostrando que queremos fazer as coisas.