Mata Atlântica

Um Corredor Ecológico
 

Cachoeiras, cavernas, mais de 450 km de trilhas, fauna e flora exuberantes, Carlos Lamarca e ditadura. O que esses pontos têm em comum? Com um pouco de história e muita aventura, os parques estaduais de Intervales, Carlos Botelho e o Parque do Zizo respondem a essas perguntas.

A unidade de conservação de Ribeirão Grande faz jus ao nome. O Parque Estadual de Intervales é uma imensidão de vales verdejantes que se perdem no horizonte, vistos dos mirantes da Anta, Velho e Espia (um observatório feito de madeira com 10 m de altura), ou do Morro do Cruzeiro (uma espécie de igreja a céu aberto). Uma visão que satisfaz qualquer um.

Cachoeira do Arcão


No entanto, o que se esconde por baixo das imensas árvores é que faz a alegria dos quase 40 mil visitantes que passam pelo parque todo ano. Cachoeiras de todos os tamanhos e para todos os gostos se espalham pela rica reserva de mata atlântica e sua incomparável biodiversidade. As opções de exploração no parque são quase inesgotáveis, afinal 450 quilômetros é um número considerável.

E por falar em números, Intervales ostenta outros dados importantes: já foram encontradas na região cerca de 40 cavernas, espalhadas pelos 49 mil hectares do parque, área que também serve de habitat para 338 espécies de aves, 13 delas encontradas somente na região. “Os pesquisadores de aves nem sabem o que fazer, eles pegam o gravador com o microfone e ficam tontos. Não sabem para que lado levar o microfone. Os sons se misturam com tantos pássaros... só mesmo quem conhece para identificar”, conta o guarda-parque Luiz Avelino Ribeiro. Entre as espécies vistas na região estão jacuguaçu (Penelope obscura), jacutinga (Pipile jacutinga), tovaca-campainha (Chamaeza campanisona), tucano e araçari (Ramphastidae), pica-pau-rei (Picidae) e o raro surucuá (Trogonidade).

Cachoeira da Água Comprida

Mas a biodiversidade não pára por aí. A quantidade de animais encontrados na região deixa qualquer biólogo embasbacado. A presença de ariranhas (Pteronura brasiliense), lontras (Lontra longicaudis), antas (Topirus terrestris) e capivaras (Hidrochaeris hydrochaeris) é comum, além dos primatas como o bugio (Alouatta fusca), o macaco-prego (Cebus nigritus) e o mono-carvoeiro (Brachyteles arachnoides), último na lista dos ameaçados de extinção.

Quem acha que somente os leigos se surpreendem com a riqueza da mata atlântica – no caso de saber que até jacaré-do-papo-amarelo (Caiman latirostris) é encontrado na região –, está enganado. Espécies raras também podem ser encontradas no parque. Segundo Avelino, recentemente, pesquisadores encontraram uma nova espécie de veado na região, popularmente conhecido como bororó-paulista, “O que prova mais uma vez a riqueza do parque e sua importância”, disse o guarda-parque, que nasceu na região.

Enquanto caminhávamos pelas intermináveis trilhas, Avelino nos mostrava, a cada passada, uma espécie diferente da flora. Jequitibá, jatobá, manacá-da-serra, acácia-carnaval e canela-preta são apenas algumas das muitas espécies que compõem a exuberância do parque administrado pelo Instituto Florestal, que também preserva áreas de mananciais e sítios arqueológicos. Tudo isso rendeu à unidade de conservação o título de patrimônio da humanidade pela UNESCO, órgão das Nações Unidas, e eleito por muitos como um dos mais belos parques do Estado.

Lugares como a gruta Luminosa, onde através de uma fenda, uma cachoeira e os raios de sol transformam o local num digno cenário de aventuras de Indiana Jones, ou ainda a gruta do Fendão, onde uma imensa cachoeira parece ter escolhido caprichosamente o caminho de suas águas, transformam os vales do parque em paisagens quase surreais.

Mas, quem preferir se aventurar por baixo da terra também terá opções variadas: da gruta Colorida, que apresenta formações em calcário em tons variados, à caverna Paiva, com suas inúmeras galerias e bacias de travertino, o visitante tem diversão garantida. A cachoeira da Água Comprida, uma queda modesta no tamanho, mas quase inexplicável na beleza, mostra o quão espetacular é este parque que faz parte do chamado “continuum” ecológico.



Carlos Botelho x Carlos Lamarca

Definida como uma das soluções para a preservação e manutenção de espécies que vivem em regiões de conservação crítica, conhecidas internacionalmente como “hot spots”, a Mata Atlântica, ou pelo menos o que sobrou dela, é um dos lugares que preocupam ambientalistas do mundo inteiro.

Cachoeira do Travessão


Segundo o diretor do Parque Estadual Carlos Botelho, José Luiz Camargo Maia, a manutenção do parque é fundamental para a biodiversidade da mata. “O ‘continuum’ ecológico é formado pelas áreas contíguas dos parques estaduais Carlos Botelho, Intervales e Petar [Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira], perfazendo um total de 120 mil hectares – o PE Carlos Botelho possui 38 mil hectares”, disse o diretor do parque. “A importância desse maciço de áreas é de estimável valor para a manutenção dos bancos genéticos e corredores de fauna. O trabalho conjunto entre essas áreas, tanto com relação à pesquisa científica como em relação à fiscalização, se encontra num estado de aprimoramento crescente”.

Graças a esta geografia, o PE Carlos Botelho vai muito bem, obrigado. Apesar disso, ainda é pouco conhecido e pouco explorado eco turisticamente, um dos motivos que tornam o lugar um paraíso quase inexplorado. Com uma topografia acidentada e vales cobertos por mata atlântica, a unidade de conservação preserva muitas espécies da flora ameaçadas de extinção, como a palmeira juçara (palmito) e a samambaiaçu. O parque também serve de habitat para uma das maiores populações de muriqui (ou mono-carvoeiro), um dos primatas mais ameaçados do mundo.

A partir de sua sede administrativa, no município de São Miguel Arcanjo, o visitante pode se aventurar por muitas trilhas e cachoeiras. Muitos desses lugares podem ser alcançados pela Estrada da Macaca (SP-139), que corta o parque até o município de Sete Barras, onde o visitante pode percorrer a trilha da Figueira, uma das mais belas do parque, e conhecer a cachoeira do Travessão, a maior da região. Mas a atração não se restringe apenas a estes destinos. O percurso, de cerca de 33 km, reserva ao visitante paisagens belíssimas e uma incomparável sensação de liberdade.

Pode-se ter uma idéia da biodiversidade do parque com apenas alguns passos mata adentro. “Todas as espécies de flora, no caso da mata atlântica, endêmicas, [originárias e existentes somente naquela região] e a diversidade da fauna são muito bem preservadas no parque, graças à cooperação das comunidades do entorno, ao trabalho efetivo da administração do parque, à compreensão dos visitantes e, claro, à força da natureza”, diz o biólogo Célio Paulo Ferreira, que trabalha no parque há dois anos.

Castelinho (Intervales)


Mas além das belezas naturais, o PE Carlos Botelho também guarda muita história. Foi nas matas da região que Carlos Lamarca, famoso militante do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), refugiou-se a fim de realizar treinamentos. Poucos meses após sua chegada ao Vale do Ribeira, seu paradeiro foi descoberto e a região foi cercada por tropas do Exército e da Polícia Militar. Mesmo assim, Lamarca conseguiu fugir. Em setembro de 1971, após uma perseguição que durou mais de quinze dias e cerca de 300 km pelo sertão baiano, o militante foi surpreendido em um momento de descanso. Sob a sombra de uma baraúna, Lamarca, que já se encontrava desnutrido, asmático e com indícios de doença de Chagas, foi morto pelo regime militar.

Parque do Zizo

Bem próximo ao PE Carlos Botelho, o Parque do Zizo, um parque particular, apresenta aos seus visitantes, além de muito verde, um pouco da história brasileira.

Luiz Fogaça Balboni, o Zizo, também sofreu com a sombra da ditadura. Foi morto pelo regime em 1969, aos 24 anos de idade, deixando um grande vazio na família e mais uma página negra na história do país. Após uma longa batalha na Justiça, a família Balboni foi indenizada pelo Estado.

Com o dinheiro na mão, a família não sabia o que fazer. Foi aí que surgiu a idéia da criação do parque, que seria uma forma de se perpetuar a memória de Zizo, e também preservar uma parte da Mata Atlântica.

Parque do Zizo


Depois de mais de dois anos de trabalho, o Parque do Zizo estava pronto. Uma área de 4 milhões de metros quadrados repleta de cachoeiras e uma vasta biodiversidade, que pode ser vista logo na entrada do parque, na área dos alojamentos, onde diariamente uma variedade de pássaros, entre eles pica-paus e tucanos, fazem sua refeição. A cachoeira do Ouro-Fino e a imensa Fita Branca são apenas dois dos 12 roteiros selecionados pelos administradores do parque, Marcelo Balboni e Francisco Fogaça Balboni, para que o visitante tenha uma experiência inesquecível na região. E que leve para casa, além das tradicionais lembranças, uma consciência ecológica e um respeito maior à vida.

 

Série Mata Atlântica: “Um Corredor Ecológico”
São Miguel Arcanjo, Sete Barras, Ribeirão Grande e Capão Bonito – São Paulo

Apoio
Secretaria Estadual de Meio Ambiente de São Paulo
Parque Estadual de Intervales
Parque Estadual Carlos Botelho
Parque do Zizo

Nota
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