Aves
melhoram seu canto com confinamento de humanos
Efeitos
da pandemia da covid-19 na vida selvagem
20/10/2020 – A pandemia
da covid-19 transformou a relação humana em
praticamente todo o planeta. A necessidade de distanciamento
social e o confinamento, por meio das quarentenas, também
alterou a vida selvagem. Com a redução da
poluição sonora, animais que dependem do som
e da vocalização para sobreviver tiveram mais
facilidade nesse desafio da sobrevivência.
Essa redução
da produção de ruídos humanos fez com
que aves da baía de São Francisco, na Califórnia,
nos Estados Unidos, adaptassem sua vocalização,
tornando-a mais grave, suave e com volume mais baixo, o
que pode melhorar a qualidade e permite que as aves possam
poupar energia para aplicar na defesa de seu território
e ampliar a frequência de reprodução.
Essas conclusões estão em um estudo publicado
na revista Science, que avaliou as alterações
na vocalização dos pardais-de-coroa-branca.
Populações
de pardais-de-coroa-branca, na região da baía
de São Francisco, têm sido estudadas e monitoradas
há mais de duas décadas por Elizabeth Derryberry,
pesquisadora no departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva
da Universidade do Tennessee (EUA) e principal autora do
estudo que avalia como a poluição sonora afeta
a vocalização dessas aves.
O pardal-de-coroa-branca,
também conhecido, como tico-tico-de-coroa-branca
(Zonotrichia leucophrys), é uma espécie
passeriforme nativa da América do Norte e bastante
comum na baía de São Francisco, um estuário
que drena aproximadamente 40% dos cursos de água
da Califórnia. A espécie se caracteriza por
vocalizações ligeiramente diferentes, reconhecidos
pela suavidade e uma sucessão de ‘apitos’.
Segundo o estudo, as aves
que possuem territórios de reprodução
em áreas com níveis de ruídos mais
intensos, como os pardais, mantém uma vocalização
com maior amplitude, ou seja, um contraponto sobre os ruídos
do ambiente, sobretudo, aqueles gerados pelos humanos. Esse
esforço é conhecido como efeito Lombard (Lombard
effect), que trata de uma tendência involuntária
para que um indivíduo aumente seu esforço
vocal, para ampliar a audibilidade.
A pesquisa procurou entender
como os pardais-de-coroa-branca conseguem mudar sua vocalização,
depois de uma ruptura dos níveis de ruídos
originada pela redução do tráfego de
automóveis na região da baía e áreas
próximas, com características mais rurais.
O estudo comparou registros de vocalizações
das aves de abril a junho de 2015 e 2016, com gravações
realizadas nos mesmos locais, de abril a maio de 2020, período
de primavera. Portanto, pouco tempo após a determinação
da quarentena na Califórnia.
Os pesquisadores dizem que
as aves do último grupo, de 2020, exposto a ruídos
menos intensos, exibiram também reduções
nas amplitudes vocais, menor volume na vocalização,
e nas frequências mínimas vocais, tom mais
grave, o que determinou um aumento no desempenho da vocalização
e redução no gasto de energia que pode ser
gasto na reprodução, na busca de alimento
e na defesa do território.
O estudo demonstra que as
aves podem se adaptar rapidamente as mudanças do
ambiente e que caso esse novo estado do ambiente permanecesse,
as espécies teriam resultados benéficos para
todo o ecossistema, incluindo uma maior diversidade de espécies.
“Se o ruído antropogênico for reduzido,
é possível que espécies que atualmente
evitam as áreas urbanas, devido ao barulho, voltem
para essas áreas”, conta ao PÚBLICO
David Luther, biólogo da Universidade George Mason,
na Virgínia (EUA), e um dos autores do artigo.
Derryberry, em entrevista
a BBC News, disse que “este estudo mostra que quando
se reduz a poluição sonora há um efeito
quase imediato no comportamento da vida selvagem e isso
é realmente interessante, porque muitas ações
que tomamos para tentar ajudar o ambiente demoram muito
tempo a ter efeito.”
As vocalizações
dos pardais-de-coroa-branca têm sido registradas e
analisadas desde os anos 70, quando os ruídos do
tráfego de automóveis eram bem menores. Mas
com o passar dos anos, esses barulhos se ampliaram e as
aves tiveram que se adaptar a essa nova realidade. Em outro
estudo também realizado por esses pesquisadores,
ficou demonstrado que à medida que os ruídos
urbanos aumentavam naquela região, as aves locais
passaram a produzir uma vocalização com frequências
mínimas não elevadas, ou seja, uma vocalização
mais aguda e mais alta. Apesar de esse efeito significar
uma comunicação mais distante, também
demonstra uma perda da qualidade da vocalização,
por conta do gasto maior com energia. Outro fator importante
é o estresse resultante desse esforço, o que
pode levar ao envelhecimento das aves e alterar seu metabolismo.
Os efeitos da pandemia com
o distanciamento social e a quarentena fizeram com que alguns
norte-americanos relatassem que a vocalização
das aves parecia diferente. Apesar de essa vocalização
parecer estar com um volume mais alto, na verdade, os pardais
vocalizaram de forma mais suave e mais baixa, mas essas
vocalizações puderam chegar mais longe pela
ausência de ruídos produzidos pelos humanos.
A pesquisa revelou que os pardais vocalizaram, em média,
30% mais baixo, em comparação ao período
antes da pandemia, uma vocalização parecida
com a registrada na década de 70.
“As pessoas estavam
certas quanto às aves soarem de forma diferente durante
o confinamento e preencherem a paisagem sonora, basicamente
abandonada por nós”, disse ainda Elizabeth
Derryberry, à BBC News. “Ao abandonarmos a
paisagem sonora, as aves mudaram-se para cá [baía
de São Francisco] e penso que isto nos diz algo sobre
o grande efeito que temos no canto das aves e na sua comunicação,
especialmente nas cidades”, conclui.
Segundo o estudo, antes
da quarentena, a área urbana na baía de São
Francisco era em média, quase três vezes mais
barulhenta, que áreas rurais ao redor. Os pesquisadores
registram uma redução de até sete decibéis.
Em relação à vocalização
das aves, a amplitude diminuiu cerca de quatro decibéis
durante a quarentena. Ainda que tenha havido essa redução,
a distância de comunicação dobrou, o
que ressalta o impacto da poluição sonora
na comunicação das aves.
David Luther, um dos pesquisadores
explica ao Público como a equipe chegou aos resultados
do estudo. “Foi utilizado um gravador digital, equipado
com um microfone omnidirecional, que capta de forma uniforme
todos os sons emitidos ao seu redor, bem como um medidor
de nível de pressão sonora (sonômetro).
Após a gravação das vocalizações
das aves e dos ruídos de fundo, os registros foram
analisados estatisticamente.”
Com o retorno das atividades
humanas, os ruídos voltaram e a pressão sobre
a vida selvagem deve ser intensificada novamente. Os pesquisadores
pretendem continuar os estudos na região.
Criado em 2015, dentro do
setor de pesquisa da Agência Ambiental Pick-upau,
a Plataforma Darwin, o Projeto Aves realiza atividades voltadas
ao estudo e conservação desses animais. Pesquisas
científicas como levantamentos quantitativos e qualitativos,
pesquisas sobre frugivoria e dispersão de sementes,
polinização de flores, são publicadas
na Darwin Society Magazine; produção e plantio
de espécies vegetais, além de atividades socioambientais
com crianças, jovens e adultos, sobre a importância
em atuar na conservação das aves.
Da Redação,
com informações do Público
Fotos: Reprodução/Wikipedia