23/08/2024
– Por Elton Alisson, da Revista Pesquisa FAPESP — de
Belém – Os plásticos e microplásticos
estão presentes em diversos ambientes e espécies na
Amazônia, como em peixes e plantas aquáticas, e têm
sido até mesmo usados por uma ave da floresta para construir
seu ninho. Um dos principais fatores que têm contribuído
para o bioma estar se tornando um potencial hotspot desses contaminantes
é a falta de condições adequadas de saneamento
básico em grande parte das cidades da região.
A avaliação foi feita
por pesquisadores participantes de uma mesa-redonda sobre plásticos
e microplásticos em águas brasileiras realizada na
segunda-feira (08/07), durante a 76ª Reunião Anual da
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). O
evento vai até sábado (13/07) no campus Guamá
da Universidade Federal do Pará (UFPA), em Belém.
“A falta de condições
adequadas de saneamento encontradas na maior parte da Amazônia
representa uma importante fonte de entrada de plásticos e
microplásticos nos rios do bioma, que compõem o maior
sistema fluvial do mundo”, disse José Eduardo Martinelli
Filho, professor da UFPA. De acordo com dados apresentados pelo
pesquisador, 70% das cidades da Amazônia brasileira não
possuem tratamento de água.
A fim de avaliar a variação
das condições de saneamento básico em 313 municípios
amazônicos, os pesquisadores da UFPA criaram um índice
com base em dados sobre o percentual de áreas urbanas cobertas
por coleta pública de esgoto, sistemas de drenagem de águas
pluviais e de disposição de resíduos sólidos,
obtidos da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico
(ANA) e do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento
(SNIS).
Os resultados das análises indicaram que, dos 313 municípios
avaliados, apenas 2,6% apresentam condições adequadas
de saneamento básico. Por outro lado, 35% foram classificados
como em condições baixas e 15% como precários.
Os sistemas de disposição
de resíduos sólidos foram o serviço urbano
classificado como o mais satisfatório, com disponibilidade
média de 76% nas cidades avaliadas. Já a coleta de
águas residuais e o sistema de drenagem de águas fluviais
foram classificados como ruins na maioria das cidades amazônicas.
“É difícil encontrar
situações de saneamento adequado na Amazônia.
Altamira, no Pará, por exemplo, tem só uma estação
de tratamento de água, que não está recebendo
todo o esgoto produzido pela cidade”, ponderou Martinelli.
Outro exemplo de falta de condições
adequadas de saneamento na Amazônia é o da região
metropolitana de Manaus, no Amazonas, cuja população
é composta por mais de 2 milhões de habitantes. No
total, 32% das residências utilizam esgoto sanitário
público, exemplificou o pesquisador.
“Geralmente, a principal fonte
de microplásticos em ambientes aquáticos brasileiros
são as cidades [ver Pesquisa FAPESP nº 281]. E, no caso
da Amazônia, a população nas cidades aumentou
11 vezes em um século. Há cem anos existiam 1,5 milhão
de habitantes na Amazônia e agora há 16 milhões
de pessoas morando na região”, comparou.
Atualmente a Amazônia também
possui metrópoles com mais de 1 milhão de habitantes,
como Belém e Manaus, além de cidades de médio
porte, com população entre 150 mil e 999 mil habitantes,
como Altamira, Castanhal, Marabá, Parauapebas, Santarém,
Porto Velho, Macapá, Boa Vista e Rio Branco. “É
um crescimento populacional recente na história da Amazônia”,
avaliou o pesquisador da UFPA.
Substrato para ninhos
De acordo com Martinelli, estima-se que sejam lançadas por
ano 182 mil toneladas de plástico na Amazônia brasileira,
o que a torna a segunda bacia hidrográfica mais poluída
do mundo.
Além do plástico descartado pelas cidades da região,
o bioma amazônico também recebe o resíduo gerado
por países com rios a montante, como a Colômbia e o
Peru. Dessa forma, o resíduo tem sido encontrado em todos
os lugares no bioma e atingido diversas espécies, sublinhou
o pesquisador.
“Costumamos ver muitos trabalhos
científicos que mostram espécies de peixes ingerindo
microplásticos. Mas em qualquer lugar da biota onde for procurado
plástico, em diferentes escalas de tamanho, é possível
encontrar esses poluentes”, avaliou.
Estudo publicado recentemente por
pesquisadores do grupo identificou a retenção de plásticos
por macrófitas aquáticas no rio Amazonas. “Os
bancos de macrófitas retêm plásticos de diferentes
dimensões, do macro, passando pelo meso e chegando aos microplásticos”,
afirmou Martinelli.
Outro trabalho feito por uma estudante
de mestrado do grupo, em vias de publicação, mostrou
que o japu (Psarocolius decumanus) – uma espécie de
ave que habita boa parte das matas da América do Sul –
tem incorporado detritos plásticos para a construção
de seus ninhos. Os pesquisadores encontraram principalmente fibras
emaranhadas e cordas em 66,67% dos ninhos do pássaro. “O
plástico usado por essa espécie de ave para construir
seus ninhos é proveniente de material de descarte da pesca”,
explicou Martinelli.
Falta de estudos
Os pesquisadores enfatizaram que, apesar do aumento exponencial
das pesquisas sobre microplásticos em todo o mundo, sobretudo
nos últimos 10 anos, ainda há poucos estudos com foco
no bioma amazônico.
A pesquisa limitada, as restrições
metodológicas, as falhas e a falta de padronização,
combinadas com as dimensões continentais da Amazônia,
dificultam a coleta do conhecimento fundamental necessário
para avaliar com segurança os impactos e implementar medidas
de mitigação eficazes.
Também há a necessidade
urgente de expandir os dados científicos disponíveis
para a região, melhorando a infraestrutura de investigação
local e formando pesquisadores, além de realizar estudos
de acompanhamento de longo prazo, apontaram os pesquisadores.
“Os estudos sobre plástico
ou microplástico vão trazer, na verdade, subestimativas,
porque a escala do problema é tão grande que a gente
sempre esbarra em um inimigo fatal quando estamos fazendo nossos
projetos, que é a questão do tempo. Nunca conseguimos
fazer estudos de longo prazo”, disse Monica Ferreira da Costa,
professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Também não há
um consenso sobre o que são os microplásticos, apontou
Décio Luis Semensatto Junior, professor da Universidade Federal
de São Paulo (Unifesp). A definição genérica
comumente aceita é a de que os microplásticos são
partículas plásticas com tamanho entre 1 e 5 micrômetros
– ou 1 milésimo de milímetro.
“Há artigos científicos
que falam sobre microplástico que nem sempre seguem a mesma
definição. Também é difícil identificar
qual o artigo publicado no Brasil que reportou a maior quantidade
de microplásticos porque os trabalhos não são,
em sua maioria, comparáveis entre si”, avaliou.
O rio dos Bugres, no estuário
de Santos, no litoral paulista, pode ser a região onde foi
constatado o maior nível de poluição por microplásticos
no mundo, afirmou Niklaus Ursus Wetter, pesquisador do Instituto
de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen). “Encontramos
100 mil microplásticos por quilo de peso seco de sedimento
extraído daquele rio, localizado no meio de São Vicente,
que tem uma velocidade de água muito baixa. Ele fica estagnado
e, dessa forma, o plástico pode sedimentar”, afirmou.
Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa FAPESP de acordo
com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND.
Da Agência FAPESP
Fotos: Pixabay/Reprodução
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