13/07/2021
– Há dois meses uma ativista da Agência Ambiental
Pick-upau, ao realizar pesquisas de mercado de insumos para a
organização se deparou com o equipamento intitulado
“Espanta Pássaro Guardian 2 Eco À Gás
Portátil Com Pedestal Fixo”. Uma espécie de
bazuca que deveria ser conectado em um botijão de gás
GLP, e que prometia, segundo sua descrição, espantar
aves, roedores, morcegos e qualquer outro animal que pudesse ser
considerado uma ameaça para sua produção.
Reprodução/Instagram
Pick-upau
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Tudo parecia um erro naquele anúncio.
Uma imagem agressiva, que nada combinava com a plataforma; o uso
de gás GLP, por certo um risco imenso à vida, até
o próprio anunciante alerta para uso longe de crianças;
a ausência completa de estudos ou justificativas científicas
que aquele equipamento não causaria danos à saúde
humana ou a biodiversidade. Até o escárnio de chamar
o produto de ‘eco’, querendo atribuir ao equipamento
um teor ecológico que jamais teria.
A Pick-upau enviou diversas informações
técnicas e científicas e encaminhou ao Submarino
mais de 20 estudos realizados no Brasil e em diversos países,
sobre eco localização, danos causados à biodiversidade,
com destaque para a avifauna, por conta de ruídos emitidos
por atividades humanas.
A empresa foi célere
no atendimento, em poucas horas, a ouvidoria já havia retornado
para a Organização. Providenciou a suspensão
do anúncio e se reuniu, virtualmente, com a Agência
Ambiental Pick-upau para obter mais informações
sobre os danos causados pelo produto.
Em seguida, o Submarino, conhecida
empresa de comércio eletrônico, do grupo B2W Digital,
atendeu a solicitação da Agência Ambiental
Pick-upau para banir de sua plataforma digital o equipamento nocivo
à saúde humana e a biodiversidade.
O fabricante garantia que o equipamento
era exclusivo para espantar ‘pássaros’ (sic),
roedores e morcegos, mas por certo, não teria como garantir
esse objetivo. Isso se considerarmos essa garantia algo aceitável.
Mas o fato é que afirmar que um determinado ruído
pode afetar uma espécie e outra não é algo
muito complexo. Quantificar a extensão dos efeitos do ruído
antropogênico na vida selvagem é desafiador (Shannon
et al. 2016). Uma das dificuldades é o fato de
que a sensibilidade ao ruído é amplamente variável
entre os animais (Brumm and Slabbekoorn 2005; Brumm 2010, 2013)
e também pode variar dependendo do contexto, sexo e história
de vida dos organismos (Francis and Barber 2013). (Informações
extraídas de Caorsi. V. Z., 2018).
Ruídos causam danos à
saúde e a biodiversidade
Distúrbios antropogênicos têm sido apontados
como a principal causa da crise mundial da biodiversidade (Brumm
2010a). Alguns distúrbios têm menos atenção
de pesquisadores e conservacionistas porque seus efeitos são
mais difíceis de medir, sobretudo quando afetam espécies
em um nível subletal, como é o caso da poluição
sonora (McGregor 2013). O ruído pode ser definido como
qualquer som indesejado e, no contexto das interações
sociais, ele interfere na detecção de um sinal e
na transmissão de sua informação (Forrest
1994).
Nas últimas décadas
houve um aumento muito grande da poluição sonora
devido ao crescimento populacional, urbanização
e globalização das redes de transporte e a estimativa
é de que ela vai continuar em crescimento (Shannon et
al 2016). Em geral o ruído proveniente de fontes humanas
abarca um amplo espectro de frequência entre 50Hz a 7000Hz
(Simmons & Narins 2018). O ruído desconhece fronteiras
definidas, como as margens das rodovias, neste caso os animais
estão sujeitos a uma substancial e descontrolada degradação
da percepção de sons importantes para sua reprodução
e sobrevivência (Barber et al. 2010).
A poluição sonora
advinda de atividades humanas é uma forma muito preocupante
de poluição que pode ter impactos maciços
na saúde humana e também em outros animais (Brumm
and Slabbekoorn 2005). O assunto tem sido foco de pesquisa e regulação
em humanos (Murphy and King 2014), e os resultados são
preocupantes para a saúde, incluindo aumento do risco de
doenças cardiovasculares (Babisch et al. 2005;
Hansell et al. 2013), privação do sono
(Fyhri and Aasvang 2010) e comprometimento cognitivo (Szalma and
Hancock 2011).
Um relatório sobre o tema
foi publicado pela Organização Mundial de Saúde,
há alguns anos, estimando que só na União
Europeia mais de 200.000 pessoas morrem todos os anos devido a
doenças induzidas pelo ruído (OMS, 2009). Já
se sabe que muitos dos efeitos potenciais do ruído audível
antropogênico em humanos (Miedema and Vos 2003; Basner et
al. 2014) se aplicam igualmente aos animais (Francis and
Barber 2013; Shannon et al. 2016).
A poluição sonora
pode ser um problema para as funções auditivas (Barber
et al. 2010; Simmons and Narins 2018). As espécies
geralmente ouvem um leque mais amplo de sons do que são
capazes de produzir e, além disso, a audição
continua a funcionar mesmo quando os animais não produzem
sons, isso inclui atividade de sono ou hibernação,
por exemplo. Isso significa que elas estão expostas continuamente
aos efeitos do ruído ao seu redor (Barber et al.
2010). Dessa forma, a poluição sonora pode agir,
por exemplo, como um estressor geral (Naguib 2013), influenciando
vários processos vitais, desde regulação
gênica (Cui et al. 2009) a processos fisiológicos
como pressão arterial (Evans et al. 2001), resposta
imune (Van Raaij et al. 1996; Cheng et al. 2011), medo
(Campo et al. 2005) ou atenção e cognição
(Cui et al. 2009). (Informações extraídas
de Caorsi. V. Z., 2018).
A resposta a um estímulo
estressor é essencial para a homeostase de um ser vivo
e sua sobrevivência. O organismo reage sob condições
de estresse, ativando e desativando o mecanismo de controle de
várias funções, a fim de recuperar e manter
a homeostase. Contudo, essas respostas podem ser insuficientes
para restabelecer ou manter a homeostase, ou podem ser exageradas,
representando risco de doenças. Portanto, o estresse pode
ser definido como a soma de respostas físicas e mentais,
causadas por determinados estímulos externos e que permitem
ao indivíduo superar determinadas exigências do meio-ambiente
(FRANCI, 2005). Em uma situação de estresse, o corpo
se prepara para reagir a situações de ameaça
e este processo aumenta o gasto de energia. Enquanto certa quantidade
de estresse é necessária para a sobrevivência,
o estresse prolongado pode afetar negativamente a saúde
(BERNARD & KRUPAT, 1994).
Em situações de
estresse, ocorre a ativação de duas principais vias:
o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA), através
do aumento da produção de cortisol e o sistema nervoso
simpático, através da liberação de
catecolaminas (Noradrenalina/ Adrenalina). A desregulação
de qualquer um desses sistemas de estresse pode levar a distúrbios
fisiológicos de vários outros sistemas, incluindo
os sistemas imunológicos, cardiovascular, função
metabólica e comportamento, levando a má adaptação
da resposta ao estresse (MARQUES et al., 2010).
Os estímulos que causam
o estresse podem ser classificados em quatro grupos: estressores
físicos e químicos (calor, frio, barulho, radiação
intensa e substâncias tóxicas); psicológicos
(medo e frustração); sociais (um ambiente hostil
e rompimento de relações) e os que alteram a homeostase
vegetativa, como em casos de exercício intenso e hemorragias.
Quanto à duração, os estímulos causadores
de estresse podem ser ainda classificados como agudos ou crônicos
(PACÁK & PALKOVITS, 2001). (Informações
extraídas de Franzini de Sousa, C. C., 2015).
A Organização quis
saber mais sobre o anúncio. Quantos equipamentos foram
comercializados nesse período. Se a empresa faz, em suas
ações, a diferenciação entre responsabilidade
ambiental e responsabilidade socioambiental. E se a empresa tem
atuação na área ambiental para além
das exigências legais, entre outras perguntas. O Submarino
preferiu não responder.
A Pick-upau agradeceu a empresa
pelo banimento do equipamento “Espanta Pássaro Guardian
2 Eco À Gás Portátil Com Pedestal Fixo”
de sua plataforma digital.
Criado em 2015, dentro do setor
de pesquisa da Agência Ambiental Pick-upau, a Plataforma
Darwin, o Projeto Aves realiza atividades voltadas ao estudo e
conservação desses animais. Pesquisas científicas
como levantamentos quantitativos e qualitativos, pesquisas sobre
frugivoria e dispersão de sementes, polinização
de flores, são publicadas na Darwin Society Magazine; produção
e plantio de espécies vegetais, além de atividades
socioambientais com crianças, jovens e adultos, sobre a
importância em atuar na conservação das aves.
Da Redação, com
informação técnicas da bióloga-chefe
da Pick-upau, Viviane Rodrigues Reis
Fotos: Reprodução/Pixabay |