10/05/2018
– O fenômeno da migração está
muito presente na vida das aves, cerca de 40% das espécies
da Região Paleártica (área biogeográfica
que inclui a Europa, Norte da África, norte da Península
Arábica e toda a Ásia, do norte do Himalaia, inclusive
Japão e China), são migratórias e estima-se
que em todos os anos, aproximadamente de cinco bilhões
de aves migram, a partir desta região. As migrações
envolvem milhares de quilômetros, sobretudo em relação
às aves que nidificam em latitudes Norte.
Todo ano, muitas aves retornam
aos mesmos locais de reprodução e de invernada,
e muitas vezes podem se concentrar em densidades altas e em pontos
específicos ao longo de suas rotas migratórias.
O gasto energético envolvido na migração
é elevado, mas é compensado quando as aves encontram
recursos alimentares quando chegam, pois para algumas espécies
estes recursos não estão disponíveis durante
o inverno, tornando a migração imprescindível.
Em outros casos, a reprodução em latitudes altas
no verão é a vantagem principal, pois como os dias
são mais longos, elas têm mais tempo para forragear,
do que teriam, caso permanecessem próximo ao equador.
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Batuíra-de-bando (Charadrius
semipalmatus), se reproduz no Canadá. Entre
julho e setembro, passa o inverno na costa e na maioria
das ilhas das Américas do Norte, Central e do Sul.
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Para que a migração
ocorra, é necessário que aconteça uma série
de eventos fisiológicos e comportamentais. O principal
estoque de energia é a gordura, por isto, na fase pré-migratória
(chamada de disposição migratória ou preparação
migratória), as aves se alimentam de maneira intensa, nesta
fase, os depósitos de gordura aumentam dez vezes, atingindo
de 20 a 50% da massa corpórea não gordurosa. Iniciada
a migração, rapidamente a gordura é metabolizada.
Muitas aves migram à noite e se alimenta durante o dia
e mesmo os migrantes diurnos dividem o dia em períodos
de voo migratório, que ocorre geralmente nas primeiras
horas do dia, e períodos de alimentação.
Para restaurar os estoques energéticos, muitas vezes ocorrem
pausas de vários dias.
Nas regiões temperadas
do Norte, o comprimento do dia é a indicação
mais importante para a disposição migratória
(Zugdisposition) e a vontade migratória (Zugstimmung).
Na primavera, a migração em direção
ao norte é induzida pelo aumento no comprimento do dia.
As aves migratórias também
utilizam mecanismos como a posição do sol, a luz
polarizada, o campo magnético da Terra e o infrassom para
realizarem a navegação. O padrão das estrelas
é utilizado por várias espécies que migram
à noite. Aparentemente, cada ave decora certo arranjo de
estrelas e utilizam seu movimento para determinar uma bússola
de direção, para tanto empregam seu relógio
interno para realizar este tipo de navegação.
Aparentemente, existe uma hierarquia
útil para utilização destes recursos. Uma
ave que usa o sol e a luz polarizada para navegar nos dias claros
pode trocar para uma orientação magnética
nos dias muito nublados, e em ambas as situações
ela pode utilizar odores locais e reconhecer marcos característicos,
conforme aproxima-se de seu lar.
Em dois estudos recentes, o primeiro
publicado em janeiro pela Current Biology e o segundo divulgado
em março, no jornal da Royal Society Interface. Pesquisadores
analisaram a relação da proteína Cry4, que
faz parte de uma classe de proteínas encontrada tanto em
plantas, como em animais, chamada criptocromos, fotoreceptores,
sensíveis à luz azul, com a detecção
dos campos magnéticos.
A primeira equipe de pesquisadores
localizou a proteína na retina da espécie Erithacus
rubecula, migrante noturno. A segunda equipe analisou a expressão
gênica de três criptocromos, Cry1, Cry2 e Cry4 em
cérebros, músculos e olhos de mandarins. Descobriram
que a expressão de Cry1 e Cry2 flutuava diariamente e que
a Cry4 era produzida de maneira constante durante o dia, mesmo
com variações de luminosidade, tornando-se forte
candidata à recepção magnética. Verificaram
também, que a expressão da Cry4, na espécie
Erithacus rubecul, aumentou durante a estação migratória
comparado com as aves não migratórias.
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Príncipe (Pyrocephalus rubinus),
ocorre do sul dos Estados Unidos até o Centro Sul
da América do Sul.
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O sentido do olfato
é importante para a navegação do trinta-réis-do-ártico
(Sterna paradisaea). Além disto, quantidades microscópicas
de magnetita nos nervos do bico auxiliam na detecção
do campo magnético da Terra. Elas percorrem uma rota em
direção ao sul, mas fazem um caminho diferente na
volta e utilizam o regime dos ventos. A espécie realiza
migração latitudinal. Com envergadura de 80 cm,
migra a uma velocidade média de 30 km/h, isto ocorre, pois
suas glândulas pituitária e pineal são ativadas
por mudanças da estação. A espécie
se reproduz nos meses de junho, julho e agosto no Ártico
e depois segue para Antártica em setembro, percorrendo
71 mil quilômetros, ida e volta.
Correntes térmicas também
são utilizadas para realizar migrações, como
a espécie Buteo swainsoni – o gavião-papa-gafanhoto.
Com envergadura de 1,2 metros, percorre até 13,2 mil quilômetros,
entre o Pampa Argentino, onde inicia sua viagem, em fevereiro,
até a América do Norte, onde se reproduz, entre
março e maio, retornando à Argentina em agosto.
Já o Ganso-indiano (Anser
indicus) possui pulmões e músculos especializados
e possuem capacidade aeróbica para sobrevoar o Himalaia
com oxigênio rarefeito, em altitudes de quase 9 mil metros.
A espécie possui envergadura de 1,5 metros e possui velocidade
média de 65 km/h.
Impactos na vida das aves migratórias
Ao longo de suas rotas, as aves
migratórias utilizam diversos habitats, que varia de acordo
com a disponibilidade de recursos, hábitos alimentares
e métodos de forrageamento. Geralmente elas se concentram
em regiões específicas para realizarem atividades,
como troca de penas e aquisição de reservas energéticas,
necessárias para prosseguirem com suas longas viagens,
ou seja, estas áreas são de extrema importância
para a conservação destas espécies.
Caso ocorram alterações
drásticas nestas regiões como atividades de drenagem,
vazamento de contaminantes, redução de recursos
alimentares, populações inteiras podem ser perdidas,
alterando a categoria de ameaça, em que a espécie
se encontra, podendo, inclusive, causar a sua extinção.
No
Ártico as mudanças climáticas causam
efeitos mais rápidos do que qualquer outro lugar,
causando problemas no tempo de reprodução.
As estações desreguladas implicam, por exemplo,
na disponibilidade de insetos que ocorre antes mesmo das
aves incubarem seus ovos. |
Aproximadamente 20%
das aves do mundo realizam movimentos migratórios e acredita-se
que 40% delas estejam sofrendo declínio populacional. Em
todo o mundo, aproximadamente 70 espécies de aves limícolas
viajam entre os dois hemisférios e retornam todo o ano.
Populações de 19 espécies que se reproduzem
no Ártico e voam para a América do Sul, todos os
anos sofreram redução de 51%, ao longo dos últimos
40 anos. As condições de mudanças são
muitas, das áreas de reprodução do norte,
as áreas de inverno do sul.
No Ártico as mudanças
climáticas causam efeitos mais rápidos do que qualquer
outro lugar, causando problemas no tempo de reprodução.
As estações desreguladas implicam, por exemplo,
na disponibilidade de insetos que ocorre antes mesmo das aves
incubarem seus ovos.
Mais de 50% das áreas úmidas,
ao longo da costa da China e da Coréia do Sul, foram eliminadas,
devido às atividades de drenagem e dragagem para o setor
industrial. Na costa da China, aves marinhas são capturadas
ilegalmente para consumo humano.
Nas áreas de inverno na
América do Sul, o problema é a destruição
e redução de habitat, principalmente devido ao desenvolvimento
costeiro e muitos locais não estão inseridos em
Unidades de Conservação. Áreas onde há
registros do fuselo (Limosa lapponica), por exemplo,
vêm sendo rapidamente reduzidos, devido ao crescimento populacional.
No Brasil, a espécie visita o Atol das Rocas e Fernando
de Noronha e é considerada quase ameaçada pela IUCN
– União Internacional para Conservação
da Natureza (International Union for Conservation of Nature, na
sigla em inglês).
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Gavião-bombachinha (Harpagus
diodon), se reproduz de agosto a abril na Mata Atlântica
e em fragmentos do Cerrado.
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Um estudo publicado
recentemente pelo Museu de Zoologia da Universidade de São
Paulo, em colaboração com diversos pesquisadores,
mostra que das 1.919 espécies que ocorrem no Brasil, 198
(10,3%) exibem comportamentos migratórios. Destas, 127
(64%) são consideradas migratórias e 71 (36%), são
parcialmente migratórias, ou seja, parte da população
é residente e parte é migratória. Das 103
famílias de aves que ocorrem no Brasil, 37 (35,9%) são
representadas por pelo menos uma espécie migratória
ou parcialmente migratória. A família com mais espécies
migratórias é a Tyrannidae (33), seguido de Scolopacidae
(21), Procellaridae (20), Thraupidae (13) e Anatidae (12), representando
50% das 198 espécies.
Gavião-bombachinha (Harpagus
diodon) – migratório, se reproduz de agosto
a abril na Mata Atlântica e em fragmentos do Cerrado. No
inverno, permanece principalmente nas florestas da Bacia Amazônica
e alguns indivíduos permanecem mais ao norte, no escudo
das Guianas. No Rio Grande do Sul, onde é considerado raro,
foi visto nos meses de outubro, novembro e maio.
Batuíra-de-bando (Charadrius
semipalmatus) – migratório, parte dos locais
de reprodução no Canadá, entre julho e setembro,
passa o inverno na costa e na maioria das ilhas das Américas
do Norte, Central e do Sul. Voa no Brasil, entre São Luis
e a foz do Rio Parnaíba, até a Baía de Todos
os Santos e atinge a costa de São Paulo, no final de agosto
e início de setembro, onde permanece durante a primavera
e começo do verão. O número de indivíduos
começa a declinar na metade de abril, quando os adultos
retornam ao Hemisfério Norte para a reprodução,
permanecendo somente os indivíduos jovens. Durante a migração
para o Hemisfério Norte utiliza o município de Ilha
Comprida – SP como área de descanso e alimentação.
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Beija-flo-preto (Florisuga fusca),
ocorre no sudeste do Paraguai, nordeste da Argentina,
e norte do Uruguai e parte do Brasil.
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Beija-flo-preto (Florisuga
fusca) – parcialmente migratório, ocorre no
sudeste do Paraguai, nordeste da Argentina, e norte do Uruguai
e parte do Brasil. Se reproduz nas montanhas do sudeste do Brasil
e realiza migrações altitudinais, movendo-se para
áreas mais baixas durante o inverno. É visitante
regular de inverno na província de Misiones na Argentina
e raro no leste do Paraguai. No Brasil, há registros durante
todo o ano no sudeste, Sul e no estado da Bahia. Em Goiás
e no Mato Grosso do Sul os registros se concentram entre os meses
de abril e outubro. As atividades de reprodução
que ocorre de novembro a março tem tendência altitudinal
e a maior parte dos registros é de altitudes elevadas,
acima de 600 m.
Príncipe (Pyrocephalus
rubinus) – parcialmente migratório, ocorre do
sul dos Estados Unidos até o Centro Sul da América
do Sul. É migratório na maior parte de sua distribuição.
Sua reprodução ocorre no sudeste da Bolívia,
Paraguai, norte da Argentina, Uruguai e sudeste e sul do Brasil.
Durante o inverno, migra principalmente para o leste dos Andes,
sudeste da Colômbia, leste do Equador, nordeste do Peru
e Amazônia brasileira. Em outras áreas realiza movimentos
altitudinais. Após a reprodução, os adultos
de populações que nidificam na Argentina partem
imediatamente para o Equador e Colômbia, enquanto os jovens
permanecem por mais três meses e seguem somente quando o
inverno está próximo, no fim de abril.
Populações do sul do Brasil migram durante o inverno
e invadem áreas de populações residentes
no Brasil Central e na Amazônia. Há evidências
de reprodução no Rio Grande do Sul e Paraná.
Registros fotográficos mostram a presença durante
todo o ano em quase todo o território brasileiro, com exceção
do nordeste, onde há registros somente na Bahia, entre
maio e novembro.
Em comemoração ao
centenário da aprovação da Lei do Tratado
das Aves Migratórias (MBTA, na sigla em inglês),
importantes instituições estrangeiras como National
Audubon Society, National Geographic, BirdLife International e
The Cornell Lab of Ornithology, oficializaram 2018 como o Ano
da Ave. Aqui no Brasil, a Agência Ambiental Pick-upau também
realizará uma séria de ações para
a promoção do Projeto Aves, patrocinado pela Petrobras,
incluindo matérias especiais sobre as aves nas mais diversas
áreas, como na ciência.
O Projeto Aves realiza diversas
atividades voltadas ao estudo e conservação desses
animais. Pesquisas científicas como levantamentos quantitativos
e qualitativos, pesquisas sobre frugivoria e dispersão
de sementes, polinização de flores, são publicadas
na Darwin Society Magazine; produção e plantio de
espécies vegetais, além de atividades socioambientais
com crianças, jovens e adultos, sobre a importância
da conservação das comunidades de avifauna.
O Projeto Aves é patrocinado
pela Petrobras, por meio do Programa Petrobras Socioambiental,
desde 2015.
Por Viviane Rodrigues Reis
Com informações do ICMBIO, BirdLife International,
National Geographic, IUCN, USP, Livro a Vida dos Vertebrados,
The New York Times, Forbes, Current Biology e Journal of the Royal
Society Interface.
Fotos: Pick-upau/Reprodução |