13/11/2020
– Com certeza vivemos tempos estranhos. Quando poderíamos
imaginar que seria necessário se mobilizar contra a construção
de um autódromo, que destruiria uma floresta inteira, no
Rio de Janeiro, para abrigar uma prova de Fórmula 1? Pois
bem, foi exatamente isso que aconteceu. Juntando a voracidade
da nova detentora da F1, nos Estados Unidos, com governos fluminenses,
digamos no mínimo com problemas na Justiça; um presidente
da República, que não tem muito apreço ao
meio ambiente; e uma empresa carioca, sem grande experiência
na área; adicione a tudo isso, uma montanha de dinheiro
em jogo e a disputa da presidência, em 2022; por fim, inclua
nessa conversa o governador de São Paulo, pronto. Temos
mais uma ameaça ao meio ambiente.
A ideia estapafúrdia surgiu
em 2019. Com a proximidade do fim do contrato de transmissão
pela TV Globo, e consequentemente o fim do contrato com Interlagos,
em São Paulo, surgiu a alternativa de levar o circo da
F1 para a capital fluminense. Mas para isso seria necessário,
segundo os envolvidos no projeto, devastar uma floresta inteira.
Viviane Rodrigues Reis/Pick-upau
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Carcará (Caracara plancus).
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A floresta do Camboatá
é uma ilha verde em meio ao cinzento bairro de Deodoro,
no subúrbio carioca. É considerada a única
área verde em território plano no Rio de Janeiro,
segundo ambientalistas. Há muito anos a região é
preservada pelo Exército, que mantém várias
instalações ao redor da mata. A floresta ocupa uma
área com cerca de 194 hectares, quase 200 campos de futebol
e localiza-se em uma área montanhosa, entre os maciços
da Tijuca, da Pedra Branca e a Área de Proteção
Ambiental de Gericinó-Mendanha.
A floresta também abriga
uma grande variedade da fauna. "É um local de parada,
que a fauna usa como ponto de pouso para transitar entre outros
fragmentos de floresta. Com o avanço da cidade, florestas
de terras baixas foram quase todas suprimidas. A floresta do Camboatá
pelo menos continua fazendo esse papel de ponto de ligação",
diz Haroldo C. Lima, pesquisador associado do Jardim Botânico
do Rio e membro do Movimento SOS Floresta do Camboatá a
BBC Brasil. "Ela tem uma espécie de lago que tem uma
capacidade de armazenamento de água muito grande. É
como uma esponja. Quando chove, a água do entorno flui
para lá e impede que aquela região, que é
toda coberta de cimento, fique inundada. Já inunda e ficará
pior", continua Lima. "Outro serviço importante
é amenizar o clima da região. É só
você sair do entorno da floresta e ir para bairros vizinhos
como Bangu que sentirá a diferença de temperatura.
Então tem um papel de qualidade de vida das pessoas que
moram no entorno", conclui o pesquisador, em entrevista a
BBC Brasil.
Viviane Rodrigues Reis/Pick-upau
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Sanhaço-cinzento (Tangara
sayaca).
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"Algumas espécies
podem transitar direto entre uma floresta e outra, mas outras
precisam desses pontos de parada", diz ele. "No caso
da saíra-sapucaia, o desmatamento da floresta pode representar
ameaça para a espécie. Ela faz esse movimento migratório
todo ano em busca de recursos alimentares", complementa o
ornitólogo Guilherme Serpa a BBC Brasil.
Entre as aves encontradas na Floresta
do Camboatá estão Curica (Amazona amazonica),
Pica-pau-de-cabeça-amarela (Celeus flavescens),
Periquitão maracanã (Psittacara leucophthalmus),
Periquito-rei (Eupsittula aurea), Papagaio-verdadeiro
(Amazona aestiva), Saíra-sapucaia (Tangara peruviana),
Sanhaço-cinzento (Tangara sayaca), Tiê-sangue
(Ramphocelus bresilius), Beija-flor-tesoura (Eupetomena
macroura), Saí-de-pernas-pretas (Dacnis nigripes),
Carcará (Caracara plancus), e Canário-da-terra
(Sicalis flaveola). Destaque ainda para capivara (Hydrochoerus
hydrochaeris), Gambá-de-orelha-preta (Didelphis
aurita) e Jacaré-do-papo-amarelo (Caiman latirostris).
O grupo de empresas que havia
vencido a licitação seria responsável pela
construção do autódromo na área da
floresta, a um custo de R$ 697 milhões e poderia explorar
o local por 35 anos. Mas um movimento de defesa da Floresta do
Camboatá e o Ministério Público do Rio de
Janeiro conseguiram junto ao Poder Judiciário frear as
tratativas para realização da obra.
Viviane Rodrigues Reis/Pick-upau
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Periquito-rei (Eupsittula aurea).
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Em julho deste ano a
BBC Brasil entrou em contato com a empresa vencedora da licitação,
mas não foi encontrada para comentar os desdobramentos
do projeto. Entretanto, a BBC Brasil reuniu notas divulgadas anteriormente
para analisar esses posicionamentos. O gabinete do então
governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, não respondeu
a reportagem da BBC Brasil há época. A Prefeitura
do Rio também não respondeu às perguntas
enviadas, por email. Já o Instituto Estadual do Ambiente
do Rio de Janeiro – INEA, responsável pelo estudo
de impacto ambiental, informou que só se manifestaria quando
o parecer técnico fosse concluído. A BBC Brasil
entrou em contato ainda com a Presidência da República,
mas não houve resposta.
Segundo o Grupo de Atuação
Especializada em Meio Ambiente do MP, o desmatamento da área
não é cabível que "o empreendedor não
comprovou devidamente a inexistência de alternativa locacional
para o projeto, na forma determinada pela Lei 11.428/2006 (Lei
da Mata Atlântica) e pela Resolução Conama
01/86". Para o MP a construção do autódromo
traria graves consequências ao meio ambiente "é
empreendimento sensível e complexo, potencialmente gerador
de significativo impacto ambiental, que acarreta supressão
de floresta em estágio avançado/médio de
regeneração do bioma da Mata Atlântica"
e que "a complexidade de que se reveste o processo de licenciamento
do empreendimento, com suas possíveis repercussões
socioambientais irreversíveis, inclusive no incremento
do processo de mudanças climáticas e de enchentes
na área, desaconselha que seja atribuído andamento
açodado ao trâmite, entre outros pontos", diz
o MP em nota.
Viviane Rodrigues Reis/Pick-upau
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Canário-da-terra (Sicalis
flaveola).
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O Ministério
Público ainda argumenta sobre a audiência pública
virtual "o uso de meios eletrônicos deve se dar de
maneira complementar aos meios tradicionais, como forma de ampliar
o acesso ao debate público, mas nunca de modo a restringi-lo
(o que certamente ocorreria no caso em questão, e no período
atual) e que "não é adequado que a audiência
ocorra no momento de pandemia, não permitindo o mais amplo
acesso à informação e debate popular acerca
do empreendimento e de seus impactos, uma vez que a sociedade
encontra-se com a sua capacidade de articulação
e mobilização nitidamente prejudicada". O MP
diz ainda que "suspende os prazos de cumprimento de obrigações
administrativas ambientais, incluindo as previstas em Termos de
Ajustamento de Conduta e outros ajustes celebrados no âmbito
da Secretaria de Estado do Ambiente e Sustentabilidade (SEAS)
e do INEA, em decorrência da situação de emergência
atual".
Em meia a esse imbróglio
milionário, com muitas idas e vindas, a Agência Ambiental
Pick-upau tentou ouvir a opinião de que iria usar o autódromo,
as escuderias e os pilotos da F1. A Organização
questionou as10 equipes atuais e os 20 pilotos. Somente o hexacampeão
Lewis Hamilton, se manifestou publicamente sobre o assunto.
No ultimo dia 08/10, Hamilton,
já conhecido por suas manifestações sobre
assuntos além das pistas, criticou a iniciativa de realizar
um Grande Prêmio do Rio de janeiro nessas condições.
“Eu esperava não ter que responder sobre isso porque,
ultimamente, minha opinião pessoal é de que o mundo
não precisa de um novo circuito. Eu acho que há
muitos circuitos no mundo que são ótimos. Eu amo
Interlagos e eu estive no Rio e é um lugar muito, muito
bonito”, disse Hamilton antes do Grande Prêmio Eifel
,em Nuerburgring, a Reuters.
Hamilton disse não conhecer
todos os detalhes do projeto, mas parece não apoiar a iniciativa.
“A coisa mais sustentável que você pode fazer
é não derrubar nenhuma árvore. Com o desmatamento
e tudo, não acho que seja uma jogada inteligente, pessoalmente.
Novamente, não tenho os detalhes do motivo, mas não
é algo que eu pessoalmente apoio”, diz.
Viviane Rodrigues Reis/Pick-upau
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Jacaré-do-papo-amarelo (Caiman
latirostris).
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Nas últimas semanas
a notícia que a TV Globo estaria fora da transmissão
do Brasil e que a TV Cultura estava em negociação
com a empresa detentora dos direitos da F1 no Brasil, não
agradou a controladora da categoria nos Estados Unidos. Na última
quarta-feira, 11/11, o governador de São Paulo, João
Dória anunciou o acordo com a F1 para realizar a corrida
em Interlagos até 2025, o que teoricamente inviabilizaria
a construção de outro autódromo no Rio de
Janeiro.
O anúncio feito em entrevista
coletiva, mas ainda precisará ser assinado pela Liberty
Media, detentora dos direitos comerciais da categoria, e pelo
prefeito de São Paulo, Bruno Covas. “Eu tenho o orgulho
de revelar, com o Bruno Covas, que estará aqui conosco
em alguns minutos, que a Fórmula 1 acaba de renovar o seu
contrato para a realização do Grande Prêmio
do Brasil de Fórmula 1 até 2025. O autódromo
de Interlagos foi confirmado como sede do GP do Brasil nos próximos
cinco anos. O contrato será assinado entre o prefeito e
a Liberty, detentora dos direitos da categoria. É uma grande
vitória para o estado de SP, para a cidade e para o Brasil”,
disse o governador.
Para a Agência Ambiental
Pick-upau que não opina sobre Fórmula 1, o grande
prêmio dessa corrida é sem dúvida a conservação
da Floresta do Camboatá. Mas devemos ficar atentos, porque
como na F1, depois de uma corrida, sempre vem outra.
Criado em 2015, dentro do setor
de pesquisa da Agência Ambiental Pick-upau, a Plataforma
Darwin, o Projeto Aves realiza atividades voltadas ao estudo e
conservação desses animais. Pesquisas científicas
como levantamentos quantitativos e qualitativos, pesquisas sobre
frugivoria e dispersão de sementes, polinização
de flores, são publicadas na Darwin Society Magazine; produção
e plantio de espécies vegetais, além de atividades
socioambientais com crianças, jovens e adultos, sobre a
importância em atuar na conservação das aves.
Da Redação,
com informações da BBC Brasil, G1, O Globo,Reuters
Fotos: Viviane Rodrigues Reis/Pick-upau
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