03/09/2024
– Desastre quase dizimou população de beija-flor
que atuava como polinizador exclusivo de duas espécies
de planta, abrindo espaço para outros pássaros,
revela estudo publicado em New Phytologist. Resultado mostra que
a extinção de espécies é mais complexa
do que se imaginava. Por José Tadeu Arantes, da Agência
Fapesp – A maioria das plantas com flores depende de animais
para a polinização. Em regiões tropicais,
quentes e úmidas, mais de 90% de todas as espécies
vegetais contam com a polinização animal. Na ilha
de Dominica, no Caribe, estabeleceu-se uma associação
mutualista muito estreita entre duas espécies de plantas
helicônia (Heliconia bihai e H. caribaea) e seu polinizador,
o beija-flor-de-pescoço-roxo (Eulampis jugularis). A relação,
de tão específica, era frequentemente citada como
exemplo na literatura especializada.
Por isso, quando o furacão
Maria (de categoria 5, a mais alta da escala Saffir-Simpson, com
ventos sustentados de mais de 250 quilômetros por hora)
devastou a região em 2017 e matou 75% de toda a população
de beija-flores-de-pescoço-roxo, acreditou-se que as duas
espécies de helicônia estavam condenadas à
extinção.
No entanto, um estudo recém-divulgado
no periódico Ner Phytologist mostrou que, surpreendentemente,
outras espécies de pássaros passaram a polinizar
as duas espécies vegetais mencionadas da região.
O trabalho foi conduzido por uma colaboração internacional
de pesquisadores, com importante participação do
Centro de Pesquisa em Biodiversidade e Mudanças do Clima
(CBioClima), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão
(CEPID) da FAPESP sediado no campus de Rio Claro da Universidade
Estadual Paulista (Unesp).
“Em 2022, fizemos uma pesquisa
bastante detalhada na região, analisando os tipos e as
taxas de visitação de aves às flores de helicônia
e a deposição de pólen. Os resultados mostraram
mudanças drásticas: outras espécies de beija-flores
e também o pássaro cambacica (Coereba flaveola)
começaram a visitar e polinizar as flores de helicônia
em taxas similares ou superiores às do Eulampis jugularis”,
diz Fernando Gonçalves, pesquisador do CBioClima atualmente
lotado no Bascompte's lab, da Universität Zürich (UZH),
na Suíça.
“Nossa análise
sugeriu que o declínio populacional do beija-flor-de-pescoço-roxo
resultou na quebra da exclusão competitiva, permitindo
que outras aves se tornassem polinizadores efetivos. A pesquisa
também indicou que sistemas de polinização
especializados podem se tornar generalizados após distúrbios
naturais como furacões, oferecendo resiliência ao
ecossistema”, prossegue o pesquisador.
Gonçalves informa que o
levantamento foi feito capturando os pássaros próximos
às helicônias por meio de “redes de neblina”
(semelhante às redes de vôlei) e colhendo, com uma
geleia especial, os polens eventualmente aderidos aos bicos e
penas. Ao mesmo tempo, câmeras posicionadas em frente às
plantas possibilitavam observar quais pássaros as estavam
visitando. E a inspeção dos estigmas das flores
após as visitas dos pássaros permitia verificar
se havia polens aderidos e a conclusão da polinização.
“O Eulampis jugularis é
muito territorialista e agressivo. Enquanto a população
era grande, nenhuma outra espécie de pássaro podia
se aproximar das helicônias. Mas, quando a população
foi reduzida a apenas um quarto da original, já não
havia indivíduos suficientes para impedir a chegada de
outras espécies de beija-flores e também da cambacica.
Esses novos polinizadores são muito generalistas, colhendo
polens em vários tipos de plantas e também, no caso
da cambacica, se alimentando de frutos”, explica Gonçalves.
Essa descoberta foi notável
por dois motivos. Primeiro, porque se acreditava que somente o
E. jugularis seria capaz de polinizar a H. bihai e a H. caribaea,
porque a configuração das flores dessas duas espécies
de helicônia corresponde ao tamanho e à curvatura
específica do bico do beija-flor-de-pescoço-roxo.
As fêmeas de E. jugularis, com bicos longos e curvados,
são as principais polinizadoras da H. bihai, enquanto H.
caribaea é polinizada tanto pelas fêmeas quanto pelos
machos, de bicos mais curtos e retos.
Em segundo lugar – e isto
é ainda mais importante – porque mostrou que o processo
de extinção de espécies é mais complexo
do que se imaginava. A devastação produzida pelo
furacão Maria quebrou a relação de coadaptação
e codependência entre as duas espécies, possibilitando
que outros indivíduos viessem a ocupar o papel de espécies
que diminuíram. A trajetória evolutiva flutua, não
é tão restrita quanto se pensava. Isto é
especialmente relevante no atual contexto de crise climática,
com aumento da frequência de eventos extremos (grandes secas,
chuvas torrenciais, alagamentos, furacões etc.) e extinção
acelerada de espécies.
“Acreditamos que, se não
ocorrerem outras destruições em massa em Dominica,
daqui a uns 15 ou 20 anos, as duas espécies de helicônia
e o beija-flor-de-pescoço-roxo voltarão a estabelecer
sua relação exclusivista. Isso porque a população
do E. jugularis terá crescido e seus indivíduos
passarão a defender o território”, afirma
Gonçalves. Ele conta que novas pesquisas já estão
sendo realizadas por sua equipe na área, com vista a confirmar
ou não essa hipótese. O grupo pretende avaliar também
os impactos de fenômenos naturais sobre o comportamento
evolutivo de outras espécies. “Estamos monitorando
outros furacões na região para voltar lá
e entender as consequências”, conclui o pesquisador.
Criado em 2015, dentro do setor
de pesquisa da Agência Ambiental Pick-upau, a Plataforma
Darwin, o Projeto Aves realiza atividades voltadas ao estudo e
conservação desses animais. Pesquisas científicas
como levantamentos quantitativos e qualitativos, pesquisas sobre
frugivoria e dispersão de sementes, polinização
de flores, são publicadas na Darwin Society Magazine; produção
e plantio de espécies vegetais, além de atividades
socioambientais com crianças, jovens e adultos, sobre a
importância em atuar na conservação das aves.
Da Agência FAPESP
Fotos: Pixabay/Reprodução |