Presidente
da Pick-upau assina artigo na USP sobre Serviços
Ambientais
Por
que criar uma Rede Universitária de Serviços
Científicos e Ambientais
21/12/2022 – Jornal
da USP – Enquanto nosso protagonismo é colocado
à prova, frente ao desastre ambiental do último
governo, o Brasil agora tem potencial de fazer a diferença
embora apresente grandes gargalos, desafios e fraquezas
“na planta industrial” de pesquisa científica
e tecnológica. Há poucas oportunidades para
inserir as jovens doutoras e doutores, há falta de
recursos para manter projetos e equipes de pesquisa (até
uma simples manutenção de geladeira -80 ºC
é um dilema). Além da escassez e descontinuidade
de verbas públicas e de órgãos de fomento
privados, a ausência de projetos em parcerias com
empresas nas universidades, de modo geral, não consegue
manter o ecossistema P&D de forma adequada, há
muitos e muitos “falta isso e falta aquilo, vamos
levando do jeito que dá, fazer o que, né!”.
P&D é investimento, estrutura, labore, gestão,
fluxos, processos. Grandes debates epistêmicos, doutos
e lattesianos não fazem verão. As universidades
precisam “olhar fora da caixa” e articular-se
para germinar novos espaços, novas oportunidades,
novas sinergias ganha-ganha. O mais espantoso é que
há esses espaços, vários óbvios.
Mesmo com algumas iniciativas já em andamento (vide
o modelo USP), a nossa atávica dificuldade de regulamentar
para aumentar a segurança jurídica nas parcerias
(e na definição de propriedade intelectual),
inovar na governança, nos modelos de gestão
e nas patotas encrustadas nos topos hierárquicos
travam, atritam, inviabilizam. Latinidade interpessoal ancestral.
Um desses novos espaços
está na certificação ambiental de projetos
relacionados às mudanças climáticas
e validação de projetos que gerem créditos
de carbono. É fato que ações contra
as mudanças climáticas são uma tarefa
interdisciplinar, de todos, com peculiaridades geográficas
que deixam o esforço de criar modelos confiáveis
(e aceito pelos stakeholders) ainda mais complexo. Para
manter a temperatura global em níveis seguros, é
preciso um olhar e tecnicalidade local para que os vários
setores da sociedade possam somar seus esforços à
transição para uma economia zero-carbono (sem
ações de puro marketing, greenwashing e zero
efetividade).
O que é uma universidade
brasileira? Uma instituição interdisciplinar
por origem e até no nome, cada qual inserida numa
realidade geográfica/meteorológica/social
diferente (num país de 8,5 milhões de km2),
cada qual com milhares de especialistas precisando de mais
oportunidades (bolsas, por exemplo) para não só
poderem seguir suas vocações e criar/inovar/resolver
problemas (muitos, aliás), como para desempenhar
o papel social relevante esperado pela sociedade.
Portanto, cada uma já
está pronta para estudar, acompanhar, precificar
e estimar os impactos positivos e negativos de cada ação/projeto
para captura de carbono, para mitigação do
efeito estufa, para redução do consumo de
água, para inúmeros desafios do século
21 e da Agenda 2030. No momento, o que se observa são
empresas de consultorias ou órgãos de uma
categoria profissional específica capitaneando as
ferramentas de separar “o joio do trigo” de
empresas e países que necessitam de validação
de suas ações relativas às emissões
e redução da pegada de carbono na busca de
uma economia net zero. Além das vantagens competitivas
do ambiente altamente qualificado presente nas universidades,
não há conflitos de interesses com as empresas
que buscam o reconhecimento de seus esforços. Elas
precisam de certificadores isentos, qualificados com equipes
interdisciplinares.
Neste sentido, a proposta
de criação do “www.RUSCA” (Rede
Universitária de Serviços Científicos
e Ambientais – ainda em fase de concepção)
gerido, por exemplo, por uma fundação de apoio,
que fizesse a interveniência (econômica e formal)
entre os pesquisadores e as empresas, parece ser um caminho
natural, sinérgico e, desculpem-nos a falta de modéstia,
criativo, impactante em escala nacional.
Diariamente os meios de comunicação
divulgam iniciativas relacionadas ao compromisso de empresas
e governos em combater as mudanças climáticas,
compromisso assumido pelo Brasil e outros países
signatários do Acordo de Paris. Mas, cadê o
elo final dessa corrente?
As discussões sobre como deve ser a precificação
do carbono e a sua tributação ainda não
levaram a um consenso, e o mercado de transação
de créditos de carbono ainda é voluntário.
Avanços na estruturação de sistemas
regulados de precificação de carbono podem
ser observados em diversos contextos: internacional, regional,
nacional e subnacionalmente, fundamentados nas iniciativas
reguladas no quadro jurídico trazido pela UNFCCC
(United Nations Framework Convention on Climate Change ou
Convenção-Quadro das Nações
Unidas sobre a Mudança do Clima).
O MDL (Mecanismo de Desenvolvimento
Limpo) é um dos mecanismos de flexibilização
criados pelo Protocolo de Quioto para auxiliar o processo
de redução de emissões de gases de
efeito estufa (GEE) ou de captura de carbono (ou sequestro
de carbono). Estes projetos devem utilizar metodologias
aprovadas e ser validados e verificados por Entidades Operacionais
Designadas (EODs), além de ser habilitados e registrados
pelo Conselho Executivo do MDL. Também o governo
do país anfitrião, através da Autoridade
Nacional Designada (AND), assim como o governo do país
que comprará os CERs (Certificados de Emissões
Reduzidas), devem avalizar os projetos.
Desde novembro de 2021, o
recebimento de solicitação de cartas de aprovação
para novos projetos de MDL foi suspenso pela Autoridade
Nacional Designada do Brasil, por ausência da regulamentação
do mecanismo de desenvolvimento sustentável instituído
pelo artigo 6º do Acordo de Paris. Recentemente, o
Decreto nº 11.705/2022 instituiu o Sistema Nacional
de Redução das Emissões de Gases de
Efeito Estufa – Sinare, uma central única para
o registro de emissões, remoções, reduções
e compensações de GEE e dos atos de comércio,
transferência, transações e aposentadoria
de créditos de carbono no Brasil. Neste contexto,
as universidades da RUSCA poderiam dar suporte ao processo
de validação, antes da submissão ao
Sinare, aumentando a confiabilidade e a eficácia
desta central (sem a necessidade de ter quadro próprio
de especialistas).
Além disso, este decreto
prevê a estruturação de um mercado regulado
de créditos de carbono até 2025. Dentre os
possíveis desafios está em fazer um projeto
de crédito de carbono com a linha de base setorial,
tal como prevê o decreto, está a capacidade
técnica, inclusive para a validação
destes créditos.
O Brasil concentra 15% do
potencial global de captura de carbono nas atividades relacionadas
ao uso da terra e pode responder por 50% da oferta de crédito
no mercado internacional até 2030, quando se projeta
um mercado voluntário de US$ 50 bilhões.
Relembrando que os CERs ou
Créditos de carbono ou Redução Certificada
de Emissões (RCE) são certificados emitidos
quando ocorre a redução de emissão
de gases de efeito estufa (GEE). Por convenção,
uma tonelada de dióxido de carbono (CO2) equivalente
corresponde a um crédito de carbono. Este crédito
pode ser negociado no mercado entre interessados em atender
a metas de redução predefinidas em normas
ou compromissos assumidos.
No caso de florestas, existem
duas possibilidades de gerar créditos de carbono:
o AR e o REDD+. O AR (afforestation/reforestation) é
o reflorestamento por plantio, recuperando áreas
degradadas ou criando vegetação em locais
possíveis. No segundo caso, a conservação
florestal, REDD+ é um mecanismo que propõe
um conjunto de ações de combate ao desmatamento
por meio de atividades sociais, de clima e biodiversidade
que resultam na Redução de Emissões
provenientes de Desmatamento e Degradação
Florestal somado (+) à conservação
dos estoques de carbono florestal, manejo sustentável
de florestas e aumento dos estoques de carbono florestal.
Outra possibilidade no Brasil em função da
sua geografia e extensão costeira é o Blue
Carbon, ou seja, o sequestro de carbono por ambientes marinhos
e vegetação de restinga/manguezal.
Em alguns países diversas
tecnologias têm sido empregadas para sequestrar o
dióxido de carbono, como, por exemplo, a Captura
Direta de Carbono (DAC) do ar, que é uma tecnologia
que remove o dióxido de carbono (CO2) da atmosfera,
usando ventiladores de alta potência (o ar é
puxado para uma instalação de processamento
onde o CO2 é separado por meio de uma série
de reações químicas). Em seguida, o
CO2 é armazenado permanentemente em reservatórios
subterrâneos por meio de sequestro geológico
seguro ou é usado para fabricar novos produtos, como
materiais de construção e combustíveis
de baixo carbono. Outra alternativa é a Bioenergia
com Captura e Armazenamento de Carbono, ou BECCS, que é
o processo de queima de culturas ou resíduos agrícolas
para eletricidade ou usá-los para produzir biocombustíveis
e sequestrar as emissões relacionadas no subsolo.
Conta como CDR (carbon dioxide removal) porque as culturas
consomem dióxido de carbono à medida que crescem
e o sequestro garante que nunca seja reliberado.
Em resumo, a remoção
do dióxido de carbono pode ocorrer por meio de incorporação
à biomassa ou uso de tecnologia (bem como a combinação
dos dois). Cada abordagem de remoção de carbono
oferece promessas e desafios, mas capturar e armazenar CO2
(e a respectiva validação deste processo com
governança confiável e qualificada) devem
fazer parte da estratégia de reduzir as alterações
do clima no Brasil e em todo o mundo para evitar níveis
perigosos de aquecimento global.
É hora de começar
a (re)estruturar entidades nacionais capazes de realizar
a validação de todo o portfólio de
abordagens de remoção de carbono – em
pesquisa, desenvolvimento, demonstração, implantação
em estágio inicial e condições de habilitação
– para que se tornem opções viáveis
na escala necessária nas próximas décadas.
Neste sentido, as universidades são um celeiro de
mão de obra qualificada e inovação.
As universidades, numa rede articulada por um hub com foco
econômico e operacional, são uma estratégia
producente, aceleradora e viabilizadora da articulação
de muitos esforços, antes dispersos e a-sinérgicos.
Dentro das diretrizes da
PNMC – Lei nº 12.187, de 29 de dezembro de 2009
(art. 5) consta em seu inciso V: o estímulo e o apoio
à participação dos governos federal,
estadual, distrital e municipal, assim como do setor produtivo,
do meio acadêmico (destaque nosso) e da sociedade
civil organizada, no desenvolvimento e na execução
de políticas, planos, programas e ações
relacionados à mudança do clima.
A experiência de combate
à covid-19 mostrou a capacidade das instituições
brasileiras de ensino e pesquisa para unir esforços
e criar articulações para resultados efetivos.
Nesse sentido, uma rede multi-institucional de universidades
públicas (e privadas) parece ser a estratégia
mais econômica e de menor risco para aumentar o interesse
de certificação da capacidade de remoção
de carbono de organizações e países
e envolve o desenvolvimento e a implantação
de uma variedade de abordagens em conjunto.
Além disso, dados
os potenciais impactos ecológicos, sociais e de governança
desta abordagem proposta são incontestáveis.
Articulando os ingredientes
da modernidade: blockchain; a capilaridade natural do U2B,
U2G e U2C (Universidade – Business/Governos/Consumidores);
a expertise e capacidade técnica para analisar e
julgar a pertinência de projetos nas diferentes áreas
do conhecimento (multiprofissional); as peculiaridades dos
biomas de um país que ainda é um gigante adormecido
neste tema.
8,5 milhões de km2,
215 milhões de pessoas, enorme variabilidade geográfica,
destruições e decadência OU Inovação
e Ação.
Façamos a escolha.
Por Heloisa Candia Hollnagel,
professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp),
e Luiz Jurandir Simões de Araújo, professor
da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade
e Atuária (FEA) da USP. Fonte Jornal da USP
Da Redação,
com informações do Jornal da USP
Fotos: Reprodução/Jornal da USP