Conservação e desenvolvimento
da Amazônia brasileira é tema da segunda
oficina do ISA no Fórum Social Mundial
Recebidos por um público extremamente
emocionado, Jorge Viana, governador do Acre, e João
Alberto Capiberibe, governador do Amapá, integraram
a mesa da segunda e última oficina do Instituto
Socioambiental no Fórum Social Mundial, direcionada
ao debate das várias possibilidades e obstáculos
ao uso sustentável do bioma.
"Os anos 90 abriram perspectivas de que a Amazônia
iria, de alguma forma, mudar para melhor. E as pessoas
que compõem essa mesa estão entre os responsáveis
por uma nova Amazônia, uma Amazônia orientada
de uma maneira diferente dos modelos depredadores e
injustos das décadas anteriores", afirmou
Neide Esterci, presidente do ISA, na abertura da oficina
sobre "Estratégias de Conservação
e Desenvolvimento para a Amazônia Brasileira."
Quase 200 pessoas lotaram uma das salas da PUC de Porto
Alegre, na tarde de 04/02, para ouvir João Alberto
Capiberibe, governador do Amapá, Jorge Viana,
governador do Acre, João Paulo Capobianco, coordenador
do ISA, Airton Luiz Faleiro, secretário de Políticas
Agrícolas da Confederação dos Trabalhadores
na Agricultura (Contag), e Adalberto Veríssimo,
coordenador de pesquisas do Instituto do Homem e Meio
Ambiente da Amazônia (Imazon).
Capobianco deu início à oficina detalhando
os resultados do projeto Avaliação e Identificação
de Ações Prioritárias para a Conservação,
Utilização Sustentável e Repartição
dos Benefícios da Biodiversidade da Amazônia
Brasileira, desenvolvido por mais de 200 pesquisadores
por cerca de dois anos e coordenado por um consórcio
de ONGs ambientalistas, entre as quais o ISA.
Ele destacou desse trabalho o que considera uma mudança
de eixo quanto ao que deve ser feito para conservar
o bioma: a compreensão de que o uso sustentável
é a melhor forma de proteger o patrimônio
daquela região. "Das 385 áreas identificadas
como prioritárias para a conservação
da Amazônia brasileira, quase 40% delas foram
indicadas pelos participantes do projeto como sendo
adequadas para o uso sustentável dos recursos
naturais, contrariando uma tendência que havia
até muito recentemente na academia brasileira
de encarar o bioma como uma área exclusivamente
de proteção. Enfim, uma visão da
floresta dos animais, sem gente."
Embora considere que a Amazônia esteja vivendo
um momento histórico, com a percepção
por parte de cientistas e ambientalistas de que é
preciso articular desenvolvimento com conservação
e a existência de dois governos regionais, no
Acre e no Amapá, implementando ações
nessa direção, Capobianco alertou para
as diversas ameaças que esse novo modelo vem
enfrentando.
Contrários ao desenvolvimento
sustentável
A defesa do cultivo de grãos
na região, especialmente a soja, para equacionar
os problemas de subdesenvolvimento local, é uma
das propostas que se opõem ao desenvolvimento
sustentável. "Porém, a economia florestal
representa hoje 15% do Produto Interno Bruto (PIB) na
Amazônia, enquanto a atividade agropecuária
responde por apenas 9%", ressaltou o engenheiro
agrônomo Adalberto Veríssimo, do Imazon.
De acordo com dados citados por Veríssimo, 83%
da área da Amazônia tem aptidão
florestal, sendo o restante apropriado para atividades
agropecuárias, seja porque são locais
já desmatados ou porque possuem solo adequado.
"Não falamos isso só porque os ambientalistas
querem assim, mas porque o desenvolvimento sustentável
é a melhor opção econômica.
Isso não significa manter esses locais intactos,
mas usá-los corretamente, como já estão
fazendo no Acre e no Amapá."
As propostas sugeridas pelo governo federal no programa
Brasil em Ação também preocupam
o engenheiro agrônomo: "Não que sejamos
contra infra-estrutura na Amazônia. As estradas,
por exemplo, são importantes para o desenvolvimento
da região, mas não podem ser feitas sem
um planejamento prévio. Ao criar estradas em
locais onde não há um ordenamento territorial
e a questão fundiária não foi definida
temos um convite aberto para a reprodução
de desmatamentos, conflitos, entre outros problemas."
Nesse sentido, Airton Luiz Faleiro, da Contag, colocou
a Amazônia como uma fronteira aberta, que vive
uma guerra pelo domínio do espaço. "Uso
a palavra espaço e não terra porque muitas
vezes os objetos principais são a madeira ou
a água, por exemplo." E lançou uma
pergunta para reflexão: "Quem irá
se apropriar dos recursos naturais da Amazônia?
É a população local que lá
mora ou a elite que vai dominar tudo?"
Além da elite local, que despertou recentemente
para a apropriação de grandes áreas,
Faleiro elencou diversas frentes de invasão do
bioma, como os madeireiros, os produtores de grãos,
os "ecogrileiros", que utilizam discurso agroecológico,
mas estão, na verdade, interessados em fazer
biopirataria; e os excluídos de outros Estados,
principalmente do Maranhão.
Outro ponto levantado por ele foi a hegemonia de financiamento
ao modelo desenvolvimentista da Amazônia, também
considerado pelo governador do Amapá. "A
economia da floresta não recebe um centavo de
ninguém para assistência técnica
ou pesquisa. Temos de um lado um ataque sistemático
do capital predatório e do outro uma resistência
caracterizada, principalmente, pelas populações
tradicionais da região. Lá no Amapá
não tem um pé de soja plantado e levará
muitos anos para a soja entrar por lá, podem
ficar certos disso", disse Capiberibe.
Faleiro aproveitou para apresentar a idéia de
criação do "Proambiente", um
fundo público para a produção agrícola
sustentável. "Os agricultores familiares
topam o desafio, mas não podem pagar sozinhos
por isso. Produzir de forma ecologicamente correta é
mais custoso e demoramos mais a receber o retorno. É
preciso que nos ajudem e queremos contar, inclusive,
com a comunidade internacional."
Sabedoria dos povos tradicionais
"Vocês sabem o que é
açaí?", perguntou Capiberibe ao público
presente para demonstrar como o potencial econômico
da biodiversidade da Amazônia já vem sendo
utilizado sustentavelmente na região. "Até
pouco tempo atrás, vocês me pediriam para
explicar o significado dessa palavra, pois aqui no Sul
ninguém sabia o que era. O açaí
é apenas uma das muitas espécies que fazem
parte da cultura alimentar do povo da Amazônia
e que foram sistematicamente desprezadas.”
Capiberibe aproveitou o exemplo para falar sobre a existência
de uma linha de 60 fitofármacos diferentes, disponíveis
hoje até na rede pública. "Nós
não inventamos nada, só inventariamos
o conhecimento do povo da Amazônia, valorizando
sua história e sua cultura. Imagine o que era
morar naquela região muitos séculos atrás,
viver ali antes da penicilina? As pessoas sobreviviam
porque tinham um conhecimento profundo da função
de medicamento dessas plantas. Um conhecimento que foi
achatado, ignorado nesses anos todos".
Governo da floresta
Apontando Capiberibe como precursor
do qual é aprendiz, Jorge Viana, governador do
Acre, explicou que em seu Estado os responsáveis
pela inserção do desenvolvimento sustentável
nas políticas públicas foram os movimentos
sociais. "Hoje estamos simplesmente implementando
um sonho que os movimentos sociais acalentaram durante
muitos anos, um sonho que foi também de Chico
Mendes. Entretanto essa é uma tarefa de muita
responsabilidade, pois imaginem encaminhar mal a concretude
de um sonho".
Viana, que criou o termo "florestania", para
definir a cidadania dos povos da floresta, acredita
que o desenvolvimento sustentável abre e não
fecha portas. "Nós agora temos madeira certificada
em Xapuri, dentro de uma área, a primeira do
Estado, que foi uma das pontas do conflito que levou
à morte de Chico Mendes, local que queriam destruir
para transformar em fazenda. Ali produzimos também
móveis que são exportados para a Europa
e vendidos em outras regiões do país".
Além disso, uma série de produtos agroecológicos
- que já estavam à venda em um estande
no Fórum Social Mundial (FSM) - serão
lançados em todo o Brasil nos próximos
meses.
Para o governador do Acre, o lema do FSM, "um outro
mundo é possível", é verdadeiro.
E não poderia ser diferente. Ele, que em 1980,
lutou por uma portaria para tentar evitar o fim da castanheira,
adotou a árvore como símbolo de governo
e a frase "governo da floresta" como slogan.