Encontro realizado de 27
a 31/05 com 28 lideranças indígenas,
representando cinco das 14 etnias do Parque do Xingu,
abordou a estrutura e o funcionamento dos Poderes
Executivo, Legislativo e Judiciário, além
de explicar leis que tem impacto direto sobre os
povos indígenas
Um traço marcante do dia-a-dia
no Parque Indígena do Xingu (PIX) é
a comunicação intensa que as 14 etnias
da região mantém entre si. Seja pelo
contato direto, ou pela troca de informações
via rádio.
Por outro lado, o intercâmbio com povos que
habitam outras regiões do Brasil é
mínimo e as informações que
os índios xinguanos recebem sobre a vida
política do país são reduzidas
dificultando sua inserção em discussões
importantes como a proteção de seus
direitos, o acesso aos recursos genéticos
e a questão da tutela e da reformulação
do Estatuto dos Povos Indígenas.
Informar algumas lideranças sobre as formas
de organização e ação
do Estado foi o objetivo do encontro, que era também
uma antiga demanda da Associação Terra
Indígena Xingu (Atix), parceira local do
Instituto Socioambiental (ISA). A idéia é
promover novos encontros para englobar as etnias
que não participaram deste primeiro evento.
Os líderes indígenas apresentaram
alguns aspectos da organização do
poder local, das "leis" dos índios
e da importância do cacique, que tradicionalmente
é o responsável pelas decisões
nas comunidades. "Um chefe tem que saber organizar
grande festa, saber o que acontece na aldeia, fazer
o entrosamento com outras aldeias e fazer artesanato,
para dar exemplo aos mais jovens", explicou
o chefe Kamitawi Kaiabi. Além de explicar
a estrutura e o funcionamento geral dos três
Poderes constituintes do Estado brasileiro, a equipe
do ISA - formada por Adriana Ramos, coordenadora
do Programa Brasil Socioambiental, Ana Flávia
Rocha e Raul Silva Telles do Valle, advogados do
Programa Direito Socioambiental, e Marina Kahn,
coordenadora do Projeto de Capacitação
de Parceiros Locais- aprofundou o debate sobre temas
de grande importância para os índios.
Por exemplo, o conteúdo do Artigo 231 da
Constitutição Federal, que regula
questões relativas às terras indígenas
foi detalhado e explicado de modo a esclarecer o
direito de usufruto exclusivo da terra, ou seja,
alertá-los para o fato de que apenas os índios
têm acesso e podem manejar os recursos naturais
existentes em suas terras. Também, a questão
da mineração entrou na pauta, demanda
de um grupo formado por três índios
Wajãpi, do Amapá, que estava participando
do encontro. Esse povo vem sofrendo forte pressão
de mineradores. O Artigo 231 afirma que somente
os índios podem autorizar atividades de mineração
em suas terras. Porém essa disposição
contida no artigo ainda deve ser regulamentada por
lei complementar.
Recursos Genéticos
Outro assunto em questão
foi o acesso aos recursos genéticos, que
atualmente é regulamentado por uma Medida
Provisória e que possui um Projeto de Lei
em tramitação. No centro da discussão
estava a questão da repartição
de benefícios da exploração
dos recursos genéticos, quando esta é
associada ao conhecimento tradicional dos índios.
Diversas lideranças mostraram preocupação
com o fato de que pesquisadores vêm às
áreas indígenas, levantam informações
sobre uso de plantas com os índios e não
estabelecem nenhum tipo de acordo em relação
ao uso desse conhecimento. Para ilustrar os procedimentos
previstos em lei para esse tipo de ação,
a equipe do ISA e algumas lideranças realizaram
uma simulação sobre a entrada de um
pesquisador na área e as negociações
e trâmites legais necessários para
a aprovação de sua pesquisa e remuneração
dos índios.
Sementes foi assunto de um módulo especial
no encontro. Geraldo Mosimann, coordenador de projeto
do Programa Xingu do ISA, fez uma apresentação
sobre como as inúmeras variedades de espécies
agrícolas cultivadas pelos índios
são de grande importância para instituições
de pesquisa que fazem manipulação
genética e desenvolvem sementes com propriedades
híbridas. A Lei de Cultivares determina que,
quando isso ocorre, os detentores dos grãos
originais não têm direito a benefícios
da comercialização do produto, já
que se trata de uma nova espécie, e podem
ser impedidos de utilizar suas sementes tradicionais.
Daí a preocupação com as sementes
de terras indígenas, para não sejam
levadas para fora das aldeias.
Estatuto
Finalmente houve um debate em
torno do Estatuto dos Povos Indígenas. Foi
explicado aos índios que essa lei permanece
inalterada desde 1973 e que, até o momento,
as tentativas de modificá-la não avançaram.
Quando foi apresentado o conceito de tutela - a
lei que considera que os índios são
incapazes e precisam ser assistidos pelo Estado,
papel desempenhado hoje pela Fundação
Nacional do Índio (Funai), os índios
ficaram indignados e protestaram. "Nós
aprendemos as coisas do branco e continuamos com
nossa tradição. Mas se um índio
colocasse um branco na floresta, ele não
conseguiria nem construir uma casa", disse
Yefuka Kaiabi.
As lideranças indígenas foram unânimes
ao afirmar que a realidade dos povos indígenas
organizados em associações, para desenvolver
projetos de desenvolvimento sustentável e
lutar pelos seus direitos, não é compatível
com o conceito da tutela. Para aprofundar o debate
em um futuro encontro, cada liderança recebeu
uma cópia do projeto de lei do deputado Luciano
Pizzato, que faz alterações no Estatuto.
Balanço
Ao final do encontro, os participantes
apresentaram algumas considerações
sobre os assuntos discutidos e reiteraram a necessidade
de novas reuniões. "A FUNAI nunca tinha
esclarecido essas questões para nós,
como é o seu papel. Saber como funciona o
governo ajuda muito o nosso relacionamento com o
branco", afirmou Makupá Kaiabi, diretor
executivo da Atix.
"A valorização que os índios
deram a essa oportunidade de se conseguir informação
de qualidade merece destaque", disse Marina
Kahn. Para Adriana Ramos, esse tipo de encontro
é uma necessidade para os índios que
são forçados a interagir com instituições
públicas, sem ter a clareza de como funcionam.
"Para quem se interessa por políticas
indígenas é fundamental a interação
direta, cujo acesso nem sempre é possível
às ONGs da área".