Imagine quase
mil representantes de cerca de 170 países
reunidos em Bali, na Indonésia, por quinze
dias, para finalizar um plano de ação
que assegure as nossas demandas ambientais e sociais.
Adicione um grupo pequeno de países que detêm
a maior parte dos recursos financeiros e não
está disposto a abrir sua carteira. E para
finalizar, muito pouca vontade política para
se chegar à um acordo. Estes foram os elementos
que levaram ao colapso a última reunião
preparatória para o que deveria ser o maior
evento político da área ambiental
desde a Eco 92: a Conferência da Terra de
2002 ou “Rio + 10”. Esta reunião, organizada
pela ONU, será realizada no final de agosto
deste ano em Johannesburgo, África do Sul.
O “colapso de Bali” substitui o que deveria ser
chamado de “plano de ação de Bali”
e evidencia a falha dos governos de todo o mundo
em cumprir os compromissos assumidos durante a Eco
92. Mas as coisas poderiam ter sido piores: imagine
se um documento fraco e retrógrado tivesse
sido aprovado. Portanto, ainda resta uma chance
para salvar a agenda ambiental e social da próxima
década, e é preciso trabalhar duro
para garantir que nossos representantes garantam
um bom acordo para a sociedade civil.
A Cúpula de Johannesburgo terá que
responder não só ao desafio da proteção
ambiental numa economia globalizada, como também
a necessidade de reduzir a pobreza para garantir
um futuro sustentável.
A expectativa do público frente a essa reunião
no continente africano não se limita à
discussão de metas de implementação
da Agenda 21, acordada na Eco 92, com datas, recursos
financeiros e monitoramento bem definidos para proteção
das florestas, rios, mares e conservação
da qualidade do ar, solo e alimentos, entre outros.
Mas se deve especialmente pela possibilidade de
mostrar como os governos vão assegurar à
sociedade um futuro sustentável. Entretanto,
o processo de negociação nos corredores
da ONU não leva a nenhum destes objetivos.
O documento discutido em Bali é uma triste
evidência de que, no que depender de nossos
governos, podemos começar a procurar outro
planeta para viver, pois a Terra está com
seu futuro comprometido.
De quem é a culpa do atual
estado das negociações?
Em primeiro lugar, da maioria
dos países ricos, que tem a falsa noção
de que sustentabilidade é um objetivo apenas
para países pobres. Com isso, este grupo
não cumpriu os compromissos de redução
de consumo e impacto sobre os recursos naturais
e meio ambiente, assumidos no Rio em 1992. Tampouco
disponibilizou os recursos financeiros acordados
para financiar a implantação da Agenda
21 junto aos países pobres. Muitos dizem
que, enquanto os poucos países ricos não
cumprirem os acordos da Rio 92, os países
ricos em desenvolvimento não levarão
a sério sua responsabilidade pela proteção
ambiental.
Os países em desenvolvimento, por sua vez
querem ignorar a palavra "sustentável"
e enfatizar a palavra "desenvolvimento",
definido políticas de desenvolvimento a qualquer
custo, repetindo os mesmo erros cometidos pelos
países ricos, com ferramentas e tecnologias
sujas, ignorando a opinião pública
que demanda desenvolvimento sim, mas sustentável.
Um bom exemplo é a questão da responsabilidade
corporativa, um assunto atual e imprescindível
para o desenvolvimento sustentável. Desastres
como o causado pela Union Carbide (hoje comprada
pelo grupo Dow) em Bophal, na índia, áreas
contaminadas pela Solvay, em Santo André,
(SP), ou pela Shell em Paulínia (SP), ou
mesmo escândalos como o da gigante americana
ENRON, demonstram a necessidade de maior responsabilidade,
controle e acompanhamento da atividade corporativa,
através de um instrumento legal internacional.
Tal instrumento deve incorporar compensações
e restituição de danos, direito à
informação, respeito aos direitos
humanos das comunidades e dos trabalhadores, entre
outros.
Os países em desenvolvimento chegaram a apoiar
o desenvolvimento de tal instrumento internacional
de responsabilidade corporativa, mas os países
ricos não vêem a necessidade de maior
controle sobre as atividades das corporações
no mundo globalizado. E o que é mais preocupante:
alegam que medidas voluntárias não
monitoradas são suficientes para garantir
que as empresas se comprometam com o desenvolvimento
sustentável. O resultado final é um
compromisso vazio de promover a responsabilidade
corporativa, sem ações concretas,
metas, ou datas fixas para cumprir o objetivo.
A resistência das empresas e governos a um
instrumento legal internacional de responsabilidade
corporativa contribuirá apenas para o aumento
da desconfiança do público em relação
ao controle corporativo sobre os governos e a seriedade
das empresas em suas iniciativas sociais e ambientais.
O que fazer para salvar nosso
futuro
É preciso resgatar o compromisso
assumido na Eco 92 e exigir dos nossos governantes
uma atuação efetiva para a implantação
da Agenda 21 com um plano de ação
claro, objetivos bem definidos, meios e recursos
de implantação, requerimentos institucionais
e monitoramento. Além disso, devemos cobrar
uma visão de sustentabilidade para a próxima
década.
Um indício de que isso ainda é possível
foi a Rio + 10 Brasil, realizada em meados de junho
no Rio de Janeiro. O encontro contou com a participação
dos líderes dos três países-sede
de conferências sobre o meio ambiente: Suécia,
Brasil e África do Sul, além de ONGs
e representantes de diversos setores da sociedade.
Durante a audiência pública, os líderes
ouviram a opinião da sociedade civil e prepararam
uma carta pedindo o comprometimento dos países
do G-8 com a Cúpula de Johannesburgo. A carta
foi entregue aos representantes na Cúpula
do G-8, realizada no Canadá no final de junho.
Apesar da tentativa de envolver os países
mais ricos do mundo no processo da Rio+10 ter fracassado,
nem tudo foi perdido: conseguimos definir líderes
para Johannesburgo – os presidentes brasileiro e
sul-africano e o primeiro-ministro sueco -, o que
apresenta um grande avanço com relação
à reunião de Bali.
O governo brasileiro assumiu em Bali a responsabilidade
de garantir que a Rio + 10 seja um sucesso. Afinal
de contas, o país foi sede do marco ambiental
que é a Agenda 21, além de ter peso
e importância no grupo dos países em
desenvolvimento. E realmente liderou o grupo de
países latino-americanos e caribenhos encaminhando
uma iniciativa regional de implantação
do plano de ação a ser acordado em
Johannesburgo.
O Brasil foi sede da criação dos acordos
ambientais mais importantes da última década.
Negociou e assinou tais acordos e agora falta que
o Presidente da República os envie para ratificação
junto ao Congresso, a fim de assegurar que as vitórias
ambientais internacionais se tornem realidade no
país. Esta é a maneira mais clara
e transparente de confirmar seu compromisso com
o desenvolvimento sustentável e a promoção
da agenda ambiental e social.