17/02/2006
- Organizações ambientalistas
pedem maior discussão do Projeto de
Lei nº3.057/2000, que pode ir à
votação na semana que vem e
promove uma série de mudanças
na gestão e uso do solo, ampliando
o poder dos municípios em detrimento
das leis ambientais de estados e da União.
A Câmara dos Deputados
pode colocar em votação na próxima
semana um polêmico Projeto de Lei que
trata de parcelamento e uso do solo. O PL
nº 3.057/2000, de autoria do deputado
Bispo Wanderval (PL-SP) e que tramita no Congresso
desde 2000, busca solucionar um dos maiores
problemas urbanos do País - a criação
de loteamentos e assentamentos clandestinos.
Para isso, estabelece novas regras para a
ocupação urbana, dando maior
poder para os municípios na gestão
de seu território. Entretanto, por
outro lado, o PL pode comprometer aspectos
importantes da legislação ambiental
vigente no País e esvaziar seus órgãos
mais atuantes, como o Conselho Nacional do
Meio Ambiente (Conama) e seus equivalentes
nos estados. Entre seus pontos principais,
o PL inclui:
:: Admissão de loteamentos
em várzeas (terrenos alagadiços
e sujeitos a inundações), desde
que o loteador providencie o "escoamento
das águas";
:: Previsão de que
somente "leis" podem controlar a
especulação imobiliária
com impacto ambiental, vedando que decretos
ou resoluções do Conama e de
conselhos estaduais de Meio Ambiente possam
estabelecer critérios de proteção
ambiental;
:: Previsão da possibilidade
de loteamentos e construções
em “topo de morros” (hoje considerados Áreas
de Preservação Permanente pelo
Código Florestal) e penhascos com inclinação
de até 45 graus;
:: Dispensa o loteador de
colocar iluminação pública
e pavimentação no loteamento,
como se tais equipamentos fossem considerados
de "luxo";
:: Redução
de Área de Preservação
Permanente (APP) com mata ciliar de 30 para
15 metros, nos cursos d´água
de até 2 metros em áreas urbanas
consolidadas;
:: Dispensa de manutenção
de quaisquer das APPs previstas no Código
Florestal, no caso de "regularização
fundiária urbana" (favelas e outras
ocupações irregulares). As APPs
passariam a ser estabelecidas pelo poder municipal;
:: Admissão de supressão
de vegetação de APP, inclusive
em Áreas de Proteção
de Mananciais, em área urbana consolidada,
para fins de regularização fundiária;
:: Possibilidade de legalizar
ocupações irregulares de praças
e outras áreas comuns do povo, pós
5 anos de ocupação;
:: Legalização
de "clubes de campo" localizados
irregularmente às margens de represas
e lagos;
:: Fim de licença
ambiental para loteamentos; os aspectos ambientais
seriam apreciados em conjunto com os urbanísticos,
em uma chamada "licença-integrada";
:: Previsão de que
o licenciamento ambiental de loteamentos passa
a ser, como regra, do município, afastando-se
o licenciamento estadual, mesmo no caso de
impactos ambientais supramunicipais;
:: Vedação
do poder de conselhos estaduais de Meio Ambiente
em fixar diretrizes gerais para loteamentos
menores ou iguais a um hectare;
:: Previsão de que
o Conama só poderá disciplinar
a proteção ambiental em face
da especulação imobiliária
se o loteamento se localizar em Unidade de
Conservação ou houver desmatamento
de espécie ameaçada de extinção;
Diante das questões
acima colocadas, as organizações
ambientalistas pedem que o projeto seja apreciado
pela Comissão de Meio Ambiente da Câmara
– o PL tramitou apenas na Comissão
de Constituição e Justiça
e de Cidadania -, discutido com o Ministério
do Meio Ambiente e com a sociedade civil.
O advogado do ISA, André Lima, lembra
que a aprovação do projeto pode
legitimar uma estratégia muito comum
e utilizada por gestores municipais interessados
em aumentar a arrecadação de
impostos, como o IPTU, e engordar seus redutos
eleitorais com a criação de
bairros inteiros, da noite para o dia. “Isso
acontece todos os anos, seja no Distrito Federal
seja nas áreas de mananciais da Grande
São Paulo”, aponta Lima. “Com o PL
aprovado, bastaria uma lei municipal para
criar áreas de expansão urbana
sem levar em conta a legislação
ambiental e florestal”. Por embutir estes
riscos, Lima apelida o projeto de “parcelamento
do Meio Ambiente”.
O PL recebeu ao todo 136
emendas e poderá ser votado na próxima
quinta-feira, 23 de fevereiro, sem ter que
passar pelo plenário da Câmara,
sendo encaminhado diretamente ao Senado. Isso
porque o governo federal considera sua aprovação
prioritária para acontecer antes das
eleições. Por isso, é
suficiente que o PL passe pelas comissões
da Câmara, apenas. O advogado Rodrigo
Agostinho, da ONG Vidágua, afirma que
a discussão do projeto não passou
por órgãos ambientais e que
o debate foi conduzido por setores imobiliários.
"Enquanto o movimento ambientalista trabalhava
pela aprovação do PL de Gestão
de Florestas e do PL da Mata Atlântica
a tramitação final sobre parcelamento
e uso do solo foi muito rápida",
diz. Rodrigo afirma que a atual legislação
sobre loteamento urbano tem de fato de ser
revista, mas que o novo marco legal não
pode atropelar a legislação
ambiental.