15/02/2006 - Uma inovação
importante na legislação ambiental
está em fase final de tramitação
na Câmara dos Deputados. No texto do
projeto de lei nº 107/03, que estabelece
regras para o uso da Mata Atlântica,
consta um artigo que atribui uma função
social para a floresta, já que passa
a considerá-la como área produtiva.
Isso significa que quem é proprietário
de uma área com vegetação
nativa, maior do que a extensão estipulada
pela lei (20% da propriedade deve ser protegida
como reserva legal, além de áreas
de proteção permanente, como
margens de rio), pode alugar uma parte da
floresta que possui para aquele que desmatou
toda a sua propriedade e precisa legalizar
sua situação com o governo.
Assim, a floresta é transformada em
patrimônio com valor. Com esse mecanismo,
o governo acredita que poderá conter
a destruição ambiental na Mata
Atlântica feita sob o argumento de que,
como área improdutiva, a floresta poderia
ser desapropriada para fins de assentamento
rural ou loteamento.
O projeto determina que os proprietários
com passivos ambientais possam ainda adquirir
áreas de Unidades de Conservação
(Ucs) equivalentes ao que deveria ser a reserva
legal da propriedade. O texto prevê
a c riação de incentivos fiscais
e econômicos para aqueles que têm
área com vegetação primária
ou secundária em estágio avançado
e médio de regeneração,
aquelas resultantes de um processo natural
de recuperação. O projeto foi
aprovado ontem (14) no plenário do
Senado, na última sessão plenária
do recesso parlamentar.
O governo considera a proposta um passo importante
para proteger o bioma. Na época da
chegada dos portugueses ao Brasil, em 1500,
o país tinha 1,3 milhão de Km2
de Mata Atlântica. Isso significava
que 15% do território brasileiro era
coberto pelas diferentes formações
florestais do bioma. Hoje, a extensão
da Mata Altântica está reduzida
a 102 mil Km2 .
Esse é o resultado da exploração
predatória, que teve início
com a colonização portuguesa.
O projeto é fundamental para conter
o ritmo do desmatamento. Somente entre 11000
e 1995, mais de 500 mil hectares foram destruídos
para dar lugar à expansão das
cidades, a assentamentos de reforma agrária,
pecuária, plantio de pinus e de eucaliptos
e para fornecer lenha para a secagem do fumo.
A floresta também sofre com o chamado
corte seletivo , a derrubada de árvores
com mais de 40cm de diâmetro. Assim,
os melhores exemplares de perobas, cedros,
araucárias, imbuias e outras espécies
nobres foram retirados da Mata Atlântica.
Ficaram as árvores frágeis,
tortas e raquíticas e sobraram poucas
em fase adulta, quando são capazes
de produzir sementes.
Em algumas regiões, a Mata Atlântica
é caracterizada por árvores
emergentes de até 40 metros de altura
e densa vegetação arbustiva.
Em outras, é caracterizada pela mata
de araucárias. Há áreas
que são constituídas por fartas
árvores de 25 a 30 metros, que perdem
as folhas durante o inverno. O bioma ainda
é encontrado em ambientes mais secos,
com densas florestas, em serras úmidas
(comuns no interior do semi-árido),
nos manguezais, nos campos, na restinga. Outras
ocorrências de Mata Atlântica
são registradas em brejos interioranos
e em encraves florestais do Nordeste.
O projeto, que tramita no parlamento desde
1992, estabelece critérios para proteger
principalmente as vegetações
nativa primária, conhecida como mata
virgem, e secundária em estágio
médio e avançado de regeneração.
Quanto maior o grau de preservação
da área, maior o número de critérios
para que ela seja usada. Ao contrário
do que é mais comum na legislação
ambiental, esse projeto não proíbe
ações. Ele permite a exploração
racional da Mata Atlântica, desde que
os rígidos critérios de preservação
sejam respeitados.
O texto da proposta destina para agricultura,
ou para loteamentos, as áreas onde
o processo de regeneração dos
remanescentes da Mata Atlântica está
em fase inicial, ou seja, onde a vegetação
teve menos de 10 anos para se recuperar. Mesmo
assim, essa ocupação deve levar
em conta a legislação que já
está em vigor, como a exigência
da proteção de nascentes. No
projeto consta que cabe ao Conselho Nacional
do Meio Ambiente (Conama) definir o que é
vegetação primária e
secundária e quais são seus
diferentes estágios de preservação.
Mapeamento, esse, que já foi feito
e que, em caso de aprovação
da lei, precisará apenas de alguns
ajustes. A proposta cria o Fundo de Restauração
do Bioma Mata Atlântica para financiar
projetos de restauração ambiental
e pesquisa científica.
Quanto às penalidades,
o projeto incrementa a lei 9.605, de 12 de
fevereiro de 1998, que impõe sanções
aos que desrespeitam os critérios de
preservação, causando danos
à fauna, à flora e aos demais
atributos da vegetação nativa.
Segundo o texto que está na Câmara,
quem destruir ou danificar a vegetação
primária ou secundária, em estágio
avançado ou médio de regeneração,
poderá ser punido com detenção
de um a três anos e multa.
A Mata Atlântica se desenvolve ao longo
da costa brasileira, do Rio Grande do Sul
ao Rio Grande do Norte. Ela abrange, total
ou parcialmente, 3.409 municípios em
17 estados. Em alguns deles, como Rio Grande
do Sul, Santa Catarina, Paraná e São
Paulo, estende-se pelo interior. Nela é
gerado 70% do Produto Interno Bruto (PIB)
do país, fato que destaca ainda mais
a importância estratégica da
região para o desenvolvimento sustentável.
Ela ajuda a regular o clima, a temperatura,
a umidade e as chuvas, beneficiando 120 milhões
de brasileiros. Assegura a fertilidade do
solo, protege escarpas de serras e encostas
de morros. Também preserva as nascentes
e fontes, regulando o fluxo dos mananciais
de água que abastecem cidades e comunidades
do interior.
Considerada Patrimônio Nacional pela
Constituição Federal, a Mata
Atlântica é um dos biomas mais
ricos do mundo. Estudos recentes revelam que
ela pode possuir a maior diversidade de árvores
do planeta. O secretário de Biodiversidade
e Florestas do Ministério do Meio Ambiente,
João Paulo Ribeiro Capobianco, diz
que a fauna na região é riquíssima
e que dela fazem parte espécies que
não são encontradas em qualquer
outro continente. É o caso de 73 espécies
de mamíferos, dentre elas, 21 espécies
e subespécies de primatas , completa
ele.
Em 2003, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
e dos Recursos Renováveis (Ibama) publicou
a nova lista de espécies animais consideradas
oficialmente ameaçadas de extinção
no Brasil: 627. E o levantamento feito pela
Conservation Internacional é ainda
mais alarmante: desse total, 185 vertebrados,
118 aves, 16 espécies de anfíbios,
38 mamíferos e 13 espécies de
répteis estão na Mata Atlântica.