15/03/2006
- Para o coordenador da Campanha Por um Brasil
Livre de Transgênicos, o economista
Jean Marc van der Weid, a sociedade brasileira
não deve comemorar a mudança
do governo brasileiro sobre a identificação
e rotulagem de Organismos Vivos Modificados
(OVMs) destinados à exportação.
A nova posição – que prevê
a distinção clara dos produtos
transgênicos - foi oficializada pela
ministra Marina Silva na segunda-feira (13/3)
e apresentada pela delegação
do Brasil ontem na 3ª Reunião
da Partes do Protocolo de Cartagena sobre
Biossegurança.
CURITIBA - Especialista
em desenvolvimento agrícola, Jean Marc
van der Weid afirma que o País ainda
tem muito a temer. “O compromisso me parece
muito vulnerável e há grandes
riscos de contaminação durante
estes quatro anos que o governo concede de
prazo para os produtores se adaptarem à
nova regra”. Na tarde da terça-feira
14, enquanto avançavam as discussões
sobre o polêmico artigo 18-2 (a) do
protocolo - que trata da identificação
e rotulagem - e também as pressões
pelos corredores da MOP3, tanto para que países
se juntem ao Brasil em defesa do “contém”,
quanto para que não cheguem a um consenso
deixando a questão em aberto, Weid
concedeu a seguinte entrevista ao ISA:
ISA – Porque o senhor
classifica o novo posicionamento do governo
brasileiro como temerário?
Jean Marc van der
Weid – Porque a decisão mantém
o status quo por mais quatro anos. Na verdade,
a posição anterior, de manter
o “pode conter” era tão ruim, que agora
está todo mundo comemorando, ainda
que o progresso seja muito pequeno, se é
que há algum progresso. Pois nesse
interim, neste 4 anos, continuaremos sem controle
dos movimentos transfronteiriços de
transgênicos e, sem identificação,
não há como tomar medidas mais
rigorosas de contenção e assim
se abre o caminho para a contaminação.
Em outras palavras, o governo permitiu mais
quatro anos de contaminação
livre. Isso pode ser o suficiente para chegarmos
a um nível de comprometimento que não
seja mais possível controlar a produção
dos transgênicos, num processo sem volta.
Esse risco é
real?
É real porque a estratégia
dos fabricantes de transgênicos é
espalhar seus produtos pelo planeta, sobretudo
nos países de terceiro mundo, que têm
menos capacidade de resistência e controle.
Isso vai fazer com que a contaminação
nestes países se generalize.
Trata-se de uma
estratégia deliberada?
Exatamente. A indústria
não pode permitir que se crie um sistema
de controles nos países e internacionalmente.
Isso significaria que os consumidores de países
importadores de transgênicos poderiam
optar se querem ou não comprar estes
produtos. Até agora a tendência
em diversos lugares de mundo, inclusive nos
EUA, é optar por produtos não-transgênicos.
Todas as pesquisas americanas mostram que
a grande maioria da população
daquele país quer uma rotulagem clara
de produtos e, uma vez sabendo sua composição,
escolhe os não-transgênicos.
Isso é uma paulada para a indústria.
Então ela não pode permitir
que se estabeleça essa separação
clara no mercado por atacado internacional
como no mercado de varejo de qualquer país.
Sobre a contaminação,
quais as culturas mais expostas no Brasil
a esse risco?
Milho e algodão são
os casos piores. A soja é problemática
por se tratar de um grande volume produzido,
mas tem um sistema de reprodução
diferente que não permite um nível
de contaminação tão alarmante,
chega a 1 ou 2% por safra. A longo prazo isso
é significativo, mas com o milho, você
começa a plantar e o cruzamento entre
o que é e o que não é
transgênico é imediato. Isso
faz do milho o caso mais grave, ainda que
o algodão também seja um caso
perigoso.
Existe uma região
do País que esteja mais exposta à
contaminação?
A contaminação
pode acontecer em qualquer lugar do Brasil.
Porque nesta altura do campeonato é
muito difícil de se cumprir as medidas
de contenção que ainda estão
sendo discutidas, por exemplo na Embrapa,
para evitar a contaminação dos
algodões que são nativos do
Brasil. Como a biodiversidade nativa brasileira
está ameaçada pelos transgênicos,
decidiu-se o algodão transgênico
pode ser plantado no Centro-Oeste, mas não
no Norte ou no Nordeste, onde tem incidência
destes algodões nativos. Agora, como
se pode controlar o fluxo de sementes nas
divisas entre, por exemplo, Goiás e
Bahia? Se não conseguem controlar esse
fluxo na fronteira do Brasil com Argentina
- na verdade mal tentam - o que dizer dos
controles entre estados brasileiros? Isso
simplesmente não vai acontecer e se
começarem a plantar, vai haver contaminação.
Há um mapeamento
das plantações contaminadas
no Brasil?
Há uma estimativa
aproximada. Até onde podemos identificar,
o algodão ainda é muito pouco,
sobretudo no Centro-Oeste, mas está
crescendo. A soja ainda está fortemente
concentrada no Rio Grande do Sul, o grosso
da produção transgênica
ainda é lá. E tem dois tipos
de movimentos interessantes: no primeiro,
as sementes que facilitaram o cultivo clandestino
no Sul não se adaptam bem às
condições climáticas
do Centro-Oeste. Por isso não avançou.
Podia ter entrado no Paraná, mas foram
duramente reprimidas pelo governo do estado,
o que funcionou como uma barreira importante.
Agora, já que está legalizada
a multiplicação de sementes
desde o ano passado, então a Monsanto
está trabalhando para produzir e multiplicar
sementes adaptadas ao Centro-Oeste. O segundo
movimento está sendo feito por produtores
de grande porte que estão percebendo
que há um problema de mercado, que
não vale a pena arriscar nos transgênicos,
sendo que há um mercado garantido,
que está pagando inclusive um sobrepreço
pelo não-transgênicos, por uma
hipotética vantagem na hora de se aplicar
herbicida.
Quer dizer que os
transgênicos não estão
seduzindo mais os produtores?
Aquela euforia passou. Os
grandes produtores do Mato Grosso e Goiás
não passaram para os transgênicos.
No fundo foi até bom que o Rio Grande
do Sul tenha forçado a barra no começo
e ficado sozinho pois deu tempo para o resto
do País verificar o que acontece a
partir do terceiro e quarto ano de cultivo.
Os dados estão começando a surgir
agora e dizem basicamente o seguinte: bateu
seca ou alta temperatura, a soja transgênica
dança e dança muito mais rápido;
no ano passado, com uma seca no Paraná
e no Rio Grande do Sul de estatística
semelhante do ponto de vista de chuva e temperatura,
a perda da soja no foi de 75% no RS, e no
PR, de 25% da safra. Uma diferença
cavalar. Outra coisa é que o Rio Grande
do Sul mal exportou no ano passado e essa
falta de produtividade está fazendo
com que o estado esteja perdendo os mercados
estrangeiros, como o europeu e o chinês,
para os paranaenses. O que está ocorrendo
também é que os produtores de
transgênicos começam a plantar
usando menos herbicida nos primeiros anos,
mas depois passam a usar cada vez mais, entrando
num ciclo vicioso maluco, que eleva os custos
lá para cima. Isso porque as antigas
ervas invasoras adquirem resistência
e voltam mais fortes para atacar as plantações.
E o que é mais comum - a seleção
das espécies invasoras é tão
violenta que só vão brotar aquelas
que resistem aos herbicidas. E estas começam
a se multiplicar rapidamente, ocupando o espaço
deixado pelas que foram completamente eliminadas.
A principal crítica
da agroindústria em relação
a rotulagem clara e precisa “contém
transgênicos” afirma que os custos de
rastreamento e separação da
produção oneraria o setor a
ponto deste perder competitividade em relação
a seus concorrentes, principalmente EUA e
Argentina. Esse problema é real?
De modo algum, isso é
uma cortina de fumaça, pura cascata.
O aumento sobre o valor da soja vendida hoje
no mercado internacional seria de 0.02 %.
Isso para fazer o exame da identificação,
pois é apenas isso que pede o protocolo:
que em uma carga que sai de um porto brasileiro
esteja escrito que contém tais tipos
de transgênicos em tantas porcentagens.
O custo que deve ser contado pela regra do
“contém”, portanto, é quanto
custa fazer uma análise quantitativa
e qualitativa num porto. No caso brasileiro,
nosso caso só diz respeito à
soja, que é o único transgênico
que exportamos. E essa soja tem um único
evento, que é a resistência ao
glifosato (herbicida utilizado no plantio).
Então trata-se de uma única
análise, que custa 250 dólares.
Esse valor quem me passou foram as empresas
certificadoras. Esse custo é para você
analisar 5 mil toneladas. Como exportamos
20 milhões de toneladas, vamos ter
um custo de 1 milhão de dólares
para fazer a identificação.
Isso não representa nada, por exemplo,
se comparado ao que se perde de soja no transporte
por caminhão, que é em geral
de 10 a 20% da carga total. Então se
o produtor quer fazer economia, que invista
para diminuir o chamado Custo Brasil, a precariedade
das estradas. A nossa competividade internacional,
portanto, não está em jogo na
identificação da soja transgênica.
Qual é o
próximo desafio da campanha?
Apesar de termos um problema
grave no Brasil de se cumprir a lei e de eu
achar que está se desenhando com o
milho um panorama de contaminação
parecido com o que ocorreu com a soja - contaminação
essa que conta com a cumplicidade do governo
federal, assim como contava com a do governo
anterior – o que vai pegar nos próximos
meses é a legalização
das seis variedades transgênicas de
milho na CNTBio (Comissão Nacional
de Biossegurança), pedida pela Monsanto
e pela Syngenta Seeds. Isso vai levar uns
três meses para ser analisado e vai
ser um debate duro. Agora, o curioso é
que hoje a comissão tem menos opiniões
formadas, consolidadas, do que eu podia imaginar.
Isso vai fazer com que ocorra um debate de
fundo no lugar do embate ideológico,
que sempre prevaleceu, puxado pelos pró-transgênicos.
Deste modo vamos ter mais chance de a votação
levar em conta cada circunstância, tema
por tema, risco por risco, e ser mais honesta
do que as anteriores, que foram levadas basicamente
na marra pelos pró-transgênicos.