21/03/2006 - Porto Alegre
- O chefe da Administração Executiva
Regional da Fundação Nacional
do Índio (Funai) em Chapecó
(SC), João Batista Oselame, afirmou
hoje (21), ao comentar a condenação
do prefeito João Rodrigues pela prática
de racismo, que "a pena vem premiar o
respeito que todos deveriam ter com a cultura
indígena e com as diversidades".
Oselame destacou que, embora o prefeito tenha
sido condenado como jornalista, esta é
a primeira vez que alguém é
condenado por racismo na região.
Condenado pelo Tribunal
Regional Federal (TRF) da 4ª Região,
João Rodrigues deverá prestar
serviços à comunidade por dois
anos e quatro meses, pagar multa de 10 salários
mínimos e prestação pecuniária,
no valor de um salário mínimo
mensal, pelo prazo da pena, a ser revertida
em prol das vítimas, seus dependentes
ou entidade assistencial.
Segundo a 4ª Seção
do TRF, que atende os municípios do
Paraná, Santa Catarina e Rio Grande
do Sul, o atual prefeito de Chapecó
respondeu à ação penal
por ter feito declarações contra
indígenas no programa de televisão
SBT Verdade, do qual era apresentador, em
1999.
Oselame disse que não
questiona o valor da ação, "mas
a justiça que está sendo feita
com os índios". Para ele, o resultado
da ação penal "vai criar
jurisprudência para mais quatro processos
por racismo que estão em andamento
hoje na região". A Funai de Chapecó
responde por 8.500 famílias indígenas.
No Rio Grande do Sul, a
regional da Funai em Passo Fundo, norte do
estado, também não tem conhecimento
de condenação por ato de racismo
contra índios. O chefe do Serviço
de Assistência da Administração,
Paulo Sendeski, destacou, entretanto, que
"existem várias denúncias
junto à Polícia Federal".
Conforme consta no processo,
Rodrigues "teria proferido palavras desonrosas
à dignidade e à reputação
dos índios, bem como incitado a prática
de abuso de autoridade contra estes pela polícia
local". Na época, estava havendo
conflito pela posse de terras entre indígenas
e colonos em Seara, Nonoai e Irai, na região
oeste de Santa Catarina, e no norte do Rio
Grande do Sul.
Em sua defesa, Rodrigues
disse que "apenas comentou os fatos,
ou seja, as invasões de um aeroporto
e de uma fazenda por índios em dois
municípios do Rio Grande do Sul".
A defesa alego que, "em nenhum momento,
houve incitação ao preconceito
ou discriminação da raça
indígena".
Durante o julgamento, na
semana passada (16), o relator do processo,
desembargador Paulo Afonso Brum Vaz, citou
a denúncia do Ministério Público
Federal em que são transcritos trechos
do que Rodrigues teria dito durante o programa.
Frases como: "A indiada dificulta o processo
(...); trabalhar, muito pouco, não
são chegado ao serviço";
"os índios assumem, vira um capão
desgraçado no ato, não cultivam";
e "índio tem terra, mas não
planta, é mais fácil roubar,
tomar de alguém que plantou e se dizer
dono, depois que colhe abandona toda a fazenda
e vão invadir outra".
Para Brum Vaz, "a ‘manifestação
de pensamento’ do acusado, efetivamente, desvela
seu propósito de discriminar determinada
etnia, muito embora disfarçada em suposta
crítica". "Nada mais deflui
das palavras do réu senão seu
desprezo e preconceito em relação
à população indígena",
afirmou o magistrado.
Ao concluir a argumentação,
Brum Vaz ressaltou que o estilo de vida "primitivo"
dos índios, caracterizado pelo convívio
com a natureza, não deve ser visto
como demonstração de preguiça
ou desinteresse pelo trabalho, mas como uma
cultura, com significado antropológico,
que deve ser protegida. O relator foi acompanhado
em seu voto pelos demais desembargadores (seis)
componentes da 4ª Seção.
O réu poderá recorrer da decisão.