23/03/2006 - Projeto
do orçamento federal do presidente
norte-americano George W. Bush prevê
corte de 50% nos investimentos dos Estados
Unidos para o Fundo Mundial do Meio Ambiente
(GEF), organismo que financia a Convenção
da Diversidade Biológica (CDB). Mesmo
que precise ser aprovada pelos congressistas,
em Washington, a proposta tornou ainda mais
difíceis as negociações
sobre o orçamento do Fundo e já
começou a causar apreensão entre
os participantes da COP 8.
CURITIBA – Um possível
corte de cerca de 50% nas verbas destinadas
pelos Estados Unidos ao Fundo Mundial do Meio
Ambiente (GEF, na sigla em inglês) está
ameaçando a implementação
das determinações da Convenção
da Diversidade Biológica (CDB). Apesar
de não ter ratificado a Convenção
e não fazer parte dela, o governo estadunidense
é o maior dos doadores do Fundo, sendo
responsável por 22% de seus recursos.
O GEF financia a CDB e outros tratados internacionais
sobre meio ambiente da Organização
das Nações Unidas (ONU), como
a Convenção sobre Mudanças
Climáticas, bancando centenas de programas
e projetos ambientais em todo o mundo.
O projeto do orçamento
federal enviado ao Congresso pelo presidente
George W. Bush, em janeiro, prevê para
o GEF apenas US$ 224 milhões para os
próximos quatro anos, contra os US$
428 milhões doados para o período
entre 2002 e 2006. Mesmo que precise ser aprovada
pelos congressistas, em Washington, a proposta
complica as negociações sobre
o orçamento do Fundo para o próximo
quadriênio. Para se ter uma idéia,
as conversas deveriam ter sido finalizadas
no final do ano passado, mas, por falta de
consenso entre os negociadores, estão
paralisadas e não devem ser fechadas
antes de junho. A demora já está
atrasando o encaminhamento e a aprovação
de alguns projetos. Os representantes dos
32 países que compõem o GEF
reúnem-se, de quatro em quatro anos,
para definir o valor dos recursos transferidos
pelo grupo de nações doadoras.
A informação
sobre a possível diminuição
dos investimentos estadunidenses já
era de conhecimento público, mas vem
sendo divulgada apenas nos meios diplomáticos,
entre especialistas e técnicos de instituições
multilaterais. A notícia também
já começou a causar apreensão
e pessimismo entre os participantes da 8ª
Conferência das Partes (COP 8) sobre
a CDB, que vai até 31 de março,
em Curitiba (PR). Ainda não se sabe
ao certo quais iniciativas poderiam ser afetadas
pelo corte, caso venha a ser confirmado, mas
não há dúvida de que
ele reduziria bastante a capacidade de implementação
da CDB. Além disso, o clima pouco favorável
a concessões criado por uma eventual
queda nos aportes de recursos dos Estados
Unidos também pode estimular outros
países-doadores a diminuir sua oferta
de verbas.
É consenso entre
os países que fazem parte da Convenção
a necessidade de aumentar os investimentos
em meio ambiente para alcançar a meta
fixada pela própria CDB de reduzir
a taxa mundial de perda de biodiversidade
até 2010. "Precisamos realizar
um esforço sem precedentes conseguir
alcançar a meta. Nossas três
prioridades devem ser: implementar, implementar
e implementar", afirmou a ministra do
Meio Ambiente, Marina Silva, na abertura da
COP 8.
Balde de água fria
A notícia de que o principal financiador
do GEF pode reduzir pela metade os seus gastos
cai, portanto, como um balde de água
fria em quem ainda acredita ser possível
alcançar os objetivos fixados para
2010. O Relatório de Avaliação
Ecossistêmica do Milênio, divulgado
pela ONU, no ano passado, revela que a perda
da biodiversidade nos últimos 50 anos
foi maior do que em qualquer outra época
da história da humanidade. O estudo
afirma que as projeções e cenários
indicam a manutenção ou mesmo
o aumento das taxas de degradação
ambiental.
"Estamos preocupados.
O impacto dessa informação é
grande. Os Estados Unidos são o país
mais rico do mundo", admite Bráulio
Ferreira de Souza Dias, gerente de Conservação
da Biodiversidade do Ministério do
Meio Ambiente (MMA). Ele confirma que existe
a possibilidade de alguns países-doadores
resolverem não cobrir o rombo deixado
pelos americanos ou até reduzirem sua
oferta de recursos. Dias explica que, além
da necessidade de alcançar a meta de
2010, a CDB está tentando reorientar
várias de suas linhas de atuação.
"Precisamos investir mais em uso sustentável
e repartição de benefícios,
em capacitação e transferência
de tecnologias. Está na hora de conferir
escala a uma série de projetos-piloto.
Tudo isso exige mais dinheiro do que temos
agora. A questão é: quem paga
a conta?"
Desde sua criação,
em 1991, o GEF já investiu US$ 5 bilhões
nas convenções internacionais
sobre meio ambiente e ajudou a disponibilizar,
como co-financiador, outros US$ 16 bilhões.
Só para a CDB, o órgão
transferiu US$ 2 bilhões e alavancou
outros U$ 4,4 bilhões. O Brasil já
recebeu US$ 188,2 milhões do Fundo.
Com este dinheiro, são financiados,
por exemplo, o Programa de Áreas Protegidas
da Amazônia (ARPA), o Programa de Conservação
e Utilização Sustentável
da Diversidade Biológica Brasileira
(Probio) e o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade
(Funbio).
O chefe do setor de Biodiversidade
do GEF, Gonzalo Castro, admite que há
um clima de preocupação em meio
as negociações sobre o orçamento
do órgão, mas afirma, com um
sorriso, que está “sempre otimista”.
“Nossa esperança é de que o
pedido do presidente Bush ao Congresso não
represente a posição final dos
Estados Unidos e de que eles mantenham, pelo
menos, os mesmos valores disponibilizados
em 2002”. Ele conta que a manutenção,
para o período de 2006-2010, do mesmo
orçamento estabelecido há quatro
anos seria o “mínimo necessário”
para a continuidade das iniciativas previstas
pela CDB. Gonzalo considera que uma manifestação
oficial da COP pedindo uma reposição
da carteira do Fundo coerente com as metas
da CDB seria importante para pressionar os
países-doadores a chegar a um consenso.
"O cenário já
era muito sombrio e acho que pode piorar",
lamenta Nurit Bensusan, consultora e autora
do livro Conservação da Biodiversidade
em Áreas Protegidas, lançado
durante a COP 8. Ela avalia que a redução
de recursos do GEF também pode forçar
uma “aproximação sem critérios”
do órgão financeiro e da CDB
ao setor privado, o que poderia aumentar a
influência do poder econômico
e da lógica do mercado sobre os programas
ambientais. "Isso pode acentuar a tendência
de privatização e de monetarização
da biodiversidade". A consultora duvida
que as metas para 2010 possam ser alcançadas.
Como aponta Nurit Bensusan,
a atitude dos Estados Unidos pode trazer,
no entanto, ao menos uma conseqüência
positiva: uma maior independência do
GEF em relação ao seu maior
mantenedor. Muitas vezes, os representantes
dos Estados Unidos jogam com o peso de sua
contribuição para vetar propostas.
Uma crise política no sistema de financiamento
do Fundo pode forçar uma mudança
na correlação de forças
em seus processos internos de tomada de decisão.
Já está sendo aventada a possibilidade,
por exemplo, de se aprovar as deliberações
no conselho do GEF por voto e não mais
por consenso. Isso diminuiria o poder de veto
de um único país. O problema
é que ainda não se sabe ao certo
como reagiria a uma possível crise
o grupo dos principais doadores formado pelos
países desenvolvidos, como Japão,
Alemanha, Reino Unido e França.
"As decisões
mais importantes da COP são as diretrizes
para novos investimentos. Sem dinheiro, isso
fica comprometido", alerta o secretário-executivo
do Funbio, Pedro Leitão. Ele considera
que a proposta do presidente Bush aponta para
o descrédito da CDB. "Trata-se
de uma mensagem geopolítica clara".