20/03/2006 - O Brasil defende
que o Grupo de Trabalho permanente sobre acesso
a recursos genéticos e repartição
de benefícios adote como base de discussão,
em Curitiba, o texto aprovado na última
reunião do GT, em Granada, em fevereiro
deste ano. Esse texto possui oito páginas
e está cheio de colchetes (pontos em
que não há acordo). A partir
dele, deverá ser estabelecido, além
da natureza do regime (se vinculante ou não),
seus objetivos, escopo e elementos. Um dos
principais pontos, defendido pelo Brasil,
é a necessidade da criação
de um certificado internacional que comprove
a procedência legal do recurso e dos
conhecimentos tradicionais utilizados.
Os negociadores também querem que a
Convenção sobre Diversidade
Biológica (CDB) renove o mandato dos
atuais delegados do grupo, para que não
se volte à estaca zero nos debates.
O tema é um dos principais da pauta
da 8ª Conferência das Partes (COP-8),
que teve início nesta segunda-feira
(20), na capital paranaense.
"A idéia é que o documento
de Granada seja utilizado como um rascunho
inicial do regime que estamos discutindo,
o que já será uma grande vitória",
afirma Eduardo Velez, diretor de Patrimônio
Genético do Ministério do Meio
Ambiente (MMA). Qualquer outra alternativa
seria uma "regressão", classifica
o diplomata Hadil da Rocha Vianna, da divisão
de Meio Ambiente do Ministério das
Relações Exteriores.
O tema é complexo e não há
expectativas de um acordo definitivo sobre
o assunto na reunião que acontece no
Brasil. "A negociação é
lenta porque a questão é delicada
e envolve uma série de interesses,
inclusive econômicos, admite Velez.
As tratativas podem levar anos. O apoio do
governo Espanhol à posição
brasileira, no entanto, deve contribuir de
forma decisiva para o avanço das negociações,
destaca a ministra do Meio Ambiente, Marina
Silva. "A União Européia
tem sido muito cautelosa na adoção
desse instrumento e por isso este é
um apoio importante", acrescenta Velez.
Os países latino-americanos, entre
eles o Brasil, ao lado de outros megadiversos,
defendem a adoção de um texto
concreto, que regule quem tem acesso à
biodiversidade na forma de protocolo vinculante,
com obrigações para os países
signatários da CDB e também
sanções aplicáveis àqueles
que não cumprirem esses termos. "Estamos
com um grau de coesão muito forte",
destaca Velez.
De outro lado, no entanto, a maioria dos países
desenvolvidos prefere uma negociação
mais lenta, um texto mais abrangente e um
regime voluntário. União Européia,
Canadá, Japão, Austrália,
Nova Zelândia e Tailândia defendem
esta linha e possuem reservas na adoção
de um regime internacional na forma como está
sendo proposto pelo Brasil.
"Entendemos a cautela com que alguns
países tratam o tema", destaca
Marina Silva. Ela acrescenta, no entanto,
que as leis nacionais de acesso têm
sido insuficientes para garantir o pleno respeito
aos direitos soberanos dos Estados sobre os
recursos naturais e que o Brasil não
"poupará esforços"
para a adoção do regime. Segundo
a ministra, essa negociação
é prioridade para o País e será
tratada como "relevante e urgente".
O estabelecimento de regras para o acesso
e repartição de benefícios
é de vital importância para um
país megadiverso como o Brasil, detentor
de cerca de 15% a 20% de todas as espécies
existentes no Planeta. A coordenadora técnica
do Departamento de Patrimônio Genético
do Ministério do Meio Ambiente, Cristina
Azevedo, informa que das 150 drogas mais indicadas
nos Estados Unidos, 57% contêm ao menos
um componente derivado de recursos genéticos,
sem que nenhum retorno significativo tenha
sido observado aos países provedores.
O uso de conhecimentos tradicionais, segundo
Cristina, é visado não apenas
por suas propriedades, mas por acelerar o
desenvolvimento de produtos e reduzir o volume
de investimentos em pesquisas por parte das
empresas. Ela aponta que de cada 10 mil amostras
de substâncias analisadas, apenas uma
demonstra utilidade, o que faz com que uma
pesquisa para lançamento de um novo
produto possa levar até 15 anos, com
custos entre US$ 230 milhões e US$
500 milhões. "Quando a indústria
parte de um conhecimento tradicional, esse
processo é encurtado", destaca.
Pesquisas apontam que 75% dos 120 compostos
ativos amplamente utilizados pela medicina
apresentam correlação positiva
com o uso tradicional das plantas das quais
derivam.
A COP é o órgão deliberativo
da CDB. A convenção tem três
objetivos principais: conservação
da natureza, uso sustentável dos recursos
naturais e proteção dos conhecimentos
tradicionais. Na atual edição
da conferência, estão reunidos,
desde hoje (20), em Curitiba, 6 mil representantes
dos 187 países signatários da
convenção, além da Comunidade
Européia. Os debates e negociações
vão até o dia 31 - e as decisões
são tomadas apenas por consenso.