29/03/2006 - COPTRIX
discute dependência de países,
comunidades, agricultores e consumidores gerada
por corporações de biotecnologia,
além da influência dos tratados
comerciais sobre a Convenção
da Diversidade Biológica (CDB)
CURITIBA (PR) - Uma denúncia
enfática da privatização
dos recursos genéticos e dos conhecimentos
tradicionais associados à biodiversidade
e da influência maléfica dos
tratados comerciais sobre a agenda ambiental.
Esta foi a tônica dos debates ocorridos
ontem, terça-feira, no primeiro dia
da COPTRIX, a série de eventos paralelos
que o ISA está promovendo durante a
8ª Conferência das Partes (COP
8) da Convenção da Diversidade
Biológica (CDB), que vai até
o dia 31 de março, em Curitiba. As
quatro mesas redondas da programação
pretendem discutir os interesses econômicos
e conflitos políticos existentes por
trás das negociações
e dos discursos oficiais da CDB.
Pela manhã, foram
discutidas as agendas ocultas que ditam as
prioridades das negociações
na CDB e a dependência de países,
comunidades, agricultores e consumidores gerada
por corporações transnacionais.
Na parte da tarde, foi abordada a relação
entre os tratados comerciais internacionais
e a CDB. Como debatedores, estiveram presentes
Nurit Bensusan, o advogado Fernando Mathias
(ISA), Christine Von Weizsäcker (Ecoropa),
Silvia Rodriguez (Grain), Lim Li Lin (Rede
do Terceiro Mundo - TWN), Marcelo Furtado
(Greenpeace-Brasil), Adhemar Mineiro (Rede
Brasileira pela Integração dos
Povos - Rebrip, Simone Lovera (Amigos da Terra-Paraguai),
e Rogério Mauro, do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST).
Influência
do mercado
Nurit Bensusan voltou a
atacar a influência sobre a CDB do poder
das grandes corporações multinacionais
de biotecnologia, dos acordos e instâncias
internacionais de comércio . “Temo
que, daqui há uns 30 anos, seja normal
comprar, vender ou patentear conhecimentos
tradicionais. Seja normal perder a soberania
alimentar e a soberania sobre a sua saúde
e seu corpo. Há 30 anos, não
se falava em privatização da
água e hoje isso é normal”,
comentou. A ecóloga rejeitou a idéia
de valorar em termos monetários a biodiversidade
e os serviços ambientais, para tentar
preservá-los, que vem sendo defendida
por vários pesquisadores, governos
e organizações não-governamentais.
“Quando alguém fala em valoração
da biodiversidade, fico assustada, porque
se uma coisa tem preço você pode
pagar por ela. Se uma floresta tem preço,
por exemplo, você pode pagar para derrubá-la.
Além disso, quando se começa
a pagar por alguns serviços, como o
acesso a água, uma grande parte da
população será excluída
deste direito”.
Nurit Bensusan mostrou-se
cética em relação a possíveis
avanços nas negociações
na CDB e a seus efeitos práticos. “Enquanto
as crianças brincam no parquinho [na
COP], os adultos decidem os rumos da Convenção
e da agenda ambiental na Organização
Mundial do Comércio (OMC)”. Bensusan
citou números da organização
ETC Group (http://www.etcgroup.org/) sobre
a multinacional Monsanto para exemplificar
o poder de pressão hoje exercido por
corporações semelhantes nos
debates internacionais sobre comércio
e meio ambiente. A empresa detém, hoje,
41% do mercado mundial de sementes de milho
e 25% do mercado de sementes de soja. “Em
alguns países, a Monsanto ocupa cerca
de 60% de todo o mercado de sementes”.
Desequilíbrio
“O dilema que teremos de
enfrentar é: vamos gerenciar nossos
recursos naturais com participação
popular e com democracia ou segundo a lógica
da privatização?” indaga Christine
von Weizsäcker, bióloga ativista,
membro da Federação Alemã
de Cientistas e presidente da organização
Ecoropa. Ela denunciou a prática de
algumas ONGs internacionais de comprar extensas
áreas para preservação.
Segundo Christine, essas entidades também
seguem a mesma tendência de retirar
do domínio público a biodiversidade.
“Ninguém sabe se, no futuro, até
mesmo essas organizações resolverão
cobrar por grandes reservas de água
ou de recursos genéticos que eventualmente
esses territórios possam abrigar.”
A pesquisadora alemã também
insistiu na crítica ao desequilíbrio
de poder entre os tratados multilaterais comerciais
e ambientais. “Enquanto na OMC países
ricos exigem acordos vinculantes [que obrigam
o cumprimento pelas partes], na CDB os mesmo
países lutam por regras voluntárias.
É preciso comparar essas duas situações
para entender o jogo de interesses com o qual
estamos lidando.”
Sílvia Rodriguez
(Grain) lembrou que a OMC e os Tratados de
Livre Comércio (TLCs) bilaterais têm
sido usados, sobretudo pelos Estados Unidos,
como estratégia para fugir dos acordos
multilaterais e para impôr aos países
pobres legislações draconianas
que liberalizam ao máximo o acesso
aos recursos genéticos e aos conhecimentos
de suas populações tradicionais.
Ela citou o exemplo do TLC assinado entre
os EEUU e países da América
Central, que obriga os países pobres
a suprimir de suas leis nacionais o direito
das comunidades a negar o acesso a seus recursos
e conhecimentos. A prerrogativa está
presente no texto da CDB. “Quase todos os
dispositivos existentes nas constituições
dessas nações para proteger
os povos tradicionais foram retirados. Este
tipo de acordo está destruindo o pouco
que conseguimos construir em fóruns
como a CDB.”
Lim Li Lin, da Rede do Terceiro
Mundo (TWN, na sigla em inglês), da
Malásia, expôs a verdadeira “caixa
preta” que são as reuniões da
OMC, sem nenhuma participação
social, e afirmou que existe um clima de terror
psicológico sobre os países
pobres, gerando um medo exagerado da OMC que
impede esses países de questionar os
rumos da organização.
Adhemar Mineiro, da Rede
Brasileira de Integração dos
Povos (Rebrip), explicou que o sistema de
organizações multilaterais internacionais
formado pela OMC, pelo Fundo Monetário
Internacional (FMI) e pelo Banco Mundial foi
criado justamente para liberalizar o comércio
mundial e, em consequência, para limitar
a soberania dos países. Mineiro apontou
que os sistemas financeiro e comercial internacionais
tendem a condenar países pobres à
produção e exportação
de bens primários, ambientalmente insustentáveis
e socialmente injustos.
Rogério Mauro, representante
do Movimento dos Sem Terra (MST), rebateu
o que chamou de “balelas” do capitalismo:
o jogo de cartas marcadas do multilateralismo
e a idéia de que o “desenvolvimento”
só é possível a partir
do aumento das exportações de
produtos primários. Mauro acredita
que é preciso pressionar de dentro
e de fora, “empurrando a porta” através
da conscientização e mobilização
social.