Decisão impede
que os estudos sobre os impactos ambientais
da hidrelétrica, prevista para o rio
Xingu, no Pará, prossigam antes que
os povos indígenas que seriam afetados
pelo empreendimento sejam ouvidos pelo Congresso
Nacional.
Em uma liminar concedida
ontem, 28 de março, o juiz federal
Antonio Campelo, da vara de Altamira, no Pará,
suspendeu o processo de licenciamento ambiental
da usina hidrelétrica de Belo Monte,
empreendimento da Eletronorte previsto para
o rio Xingu. O juiz justifica a decisão
afirmando que o processo não pode ser
iniciado sem que as comunidades indígenas
que seriam afetadas pela obra sejam consultadas
previamente.
Pelo menos cinco Terras
Indígenas - Arara, Kararaô, Koatinemo,
Paquiçamba e Trincheira Bacajá
- podem ser impactadas pela usina, afetando
a vida de dez povos indígenas. Além
dos Juruna da Terra Indígena Paquiçamba,
localizados mais próximos à
usina, a área de influência de
Belo Monte envolve os Assurini do Xingu, os
Araweté, os Parakanã, os Kararaô,
os Xikrin do Bacajá, os Arara, os Xipaia
e os Kuruaia. A Coordenação
das Organizações Indígenas
da Amazônia Brasileira (Coiab) inclui
ainda vários povos Kaiapó na
região e mais de mil índios
que vivem na cidade de Altamira.
Apesar deste enorme impacto,
os povos indígenas não foram
ouvidos pelo Congresso Nacional quando os
parlamentares aprovaram, em julho do ano passado,
o decreto legislativo nº 788/2005, que
autorizou a realização do Estudo
de Impacto Ambiental (EIA) de Belo Monte pela
Eletronorte. O decreto tramitou menos de 15
dias entre a Câmara dos Deputados e
o Senado Federal antes de ser aprovado, em
um prazo excepcionalmente curto.
A suspensão ordenada
ontem pela Justiça Federal foi solicitada
pelo Ministério Público Federal
em Ação Civil Pública
e impede a realização das audiências
públicas na cidade de Altamira que
estavam previstas ainda para esta semana.
As audiências seriam promovidas pela
Eletronorte para a produção
do Termo de Referência da hidrelétrica.
A multa determinada em caso de descumprimento
da decisão é de R$ 1 milhão.
“Agora o processo vai começar como
manda a lei, com as comunidades indígenas
tendo voz no Congresso Federal”, afirma o
procurador Felício Pontes, um dos autores
da ação. “Deve haver um amplo
debate sobre os impactos com a população
afetada, até porque existem estudos
importantes mostrando que Belo Monte é
inviável tanto do ponto de vista ambiental
quanto econômico”.
Menos peixes, mais
doenças
O procurador lembra ainda
que a consulta prévia aos povos indígenas
sobre projetos hidrelétricos que atinjam
suas terras é um mandamento expresso
da Constituição Federal e da
Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), recentemente
ratificada pelo Brasil, mas foi totalmente
desconsiderada pelos parlamentares que votaram
o decreto.
Ao conceder a liminar, o
juiz Antonio Campelo afirma que “A interrupção
do curso do rio Xingu afetará a viabilidade
de locomoção no mesmo, diminuirá
a oferta de peixes - principal fonte alimentar
das comunidades indígenas - facilitará
a proliferação de doenças
que podem culminar em processo de dizimação
de comunidades indígenas, mudará
o regime de vazões, a qualidade da
água, a composição da
fauna aquática, reduzirá a fertilidade
natural das várzeas e aumentará
a erosão das margens”. Acrescenta ainda
que, no caso, “não estão em
salvaguarda apenas o meio ambiente e direitos
de comunidades indígenas, mas também
questões que refletem na sociedade,
na economia e na cultura das populações
envolvidas e, principalmente, das gerações
futuras, que merecem receber um meio ambiente
ecologicamente equilibrado de seus antepassados”.
Belo Monte faz parte de
um antigo projeto de construção
de usinas hidrelétricas no Xingu, as
quais alagariam áreas imensas e alterariam
as condições do rio. Há
mais de 17 anos a obra vem sendo contestada
pelas populações que vivem na
região, como indígenas e ribeirinhos,
que seriam diretamente atingidos por ela.
A usina está planejada para ser implantada
na chamada Volta Grande do Xingu, na altura
dos municípios de Altamira e Anapu,
no Pará.