12/06/2007 - Marluza Mattos
e Daniela Mendes - O relatório final
do painel da Organização Mundial
do Comércio (OMC), que analisou as
restrições brasileiras à
importação de pneus reformados
a partir do contencioso proposto pelas Comunidades
Européias, revela que os argumentos
da defesa do Brasil, baseados na proteção
da saúde pública e do meio ambiente,
foram reconhecidos. O relatório deverá
ser adotado pelo Órgão de Solução
de Controvérsias da OMC entre 20 e
60 dias, a partir desta terça-feira
(12), a não ser que alguma das partes
apresente recurso da decisão ao Órgão
de Apelação. Como o governo
brasileiro considerou a decisão favorável
ao País, não irá recorrer.
O ministro interino do Ministério
do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco,
comemorou a decisão da OMC. "É
a segunda vez que a OMC dá uma decisão
acatando os princípios de proteção
da saúde e meio ambiente. Isso mostra
que com argumentos sólidos, sem o uso
de subterfúgios, é possível
se ter um ganho. Essa decisão reforça,
inclusive, a credibilidade da OMC sobre o
tema", acredita Capobianco. A primeira
decisão da OMC usando os princípios
de saúde pública e meio ambiente
foi em relação a um contencioso
França X Canadá onde era solicitada
pela França a proibição
da importação de amianto.
A OMC, no entanto, entendeu
que para permitir a proibição
da importação dos reformados
o Brasil deve garantir, também, que
os pneus usados tenham sua importação
barrada em definitivo pelo governo brasileiro.
Desde 2000, a importação de
pneus usados é proibida no País
por uma portaria da Secretaria de Comércio
Exterior (Secex), vinculada ao então
Ministério do Desenvolvimento, Indústria
e Comércio.
Porém, liminares
judiciais que permitem a entrada de pneus
usados para alimentar a indústria nacional
da reforma comprometem os argumentos brasileiros
e aumentam os resíduos no País.
As decisões da Justiça, na avaliação
da OMC, beneficiam os reformadores nacionais
em detrimento dos concorrentes estrangeiros
e têm sido aplicadas de modo incompatível
com as regras do comércio multilateral.
Na avaliação
do Ministério de Relações
Exteriores, isso não significa que
o Brasil foi derrotado. O país poderá
manter suas restrições à
importação de pneus reformados,
mas deve assegurar o fim da entrada de carcaças
no País por meio da Justiça.
Atualmente essa importação concedida
por meio de liminares judiciais representa
cerca de 7,6 milhões de pneus por ano
(dados de 2005). A discussão sobre
a liberação de carcaças
está no Supremo Tribunal Federal desde
setembro do ano passado. O presidente Luiz
Inácio Lula da Silva entrou com uma
Argüição de Descumprimento
de Preceito Fundamental, a ADPF de número
101, que está em análise naquele
tribunal sob a relatoria da ministra Carmen
Lúcia.
Segundo Capobianco, é
provável que o assunto seja resolvido
definitivamente com o julgamento da ADPF.
Ele destacou, no entanto, que o governo tem
também como alternativas o envio de
um Projeto de Lei ou de uma Medida Provisória
para apreciação do Congresso
Nacional barrando a entrada dessas carcaças
no País. "Nossa expectativa é
que uma solução judicial possa
superar essa questão de forma definitiva
e impeça que brechas sejam utilizadas
para criar um problema ambiental", disse.
Entre as justificativas
para a proibição da importação,
o governo brasileiro apontou a relação
entre o acúmulo e transporte de resíduos
de pneus e problemas de saúde, como
a malária, dengue e febre amarela.
Os pneus são locais ideais para a proliferação
de mosquitos transmissores dessas doenças.
A fumaça, as cinzas e o óleo
pirolítico gerados com a queima de
resíduos de pneus (de fácil
combustão) também representam
riscos para o homem e o meio ambiente. Como
o tempo de degradação do pneu
é indeterminado, ele é considerado
não biodegradável. Em sua composição,
há metais pesados altamente tóxicos
e substâncias cancerígenas, como
chumbo, cromo, cádmio e arsênio.
"O objetivo declarado do Brasil de reduzir
a exposição a riscos à
vida ou à saúde humana, animal
ou vegetal, oriundos do acúmulo de
resíduos de pneus, enquadra-se, ao
nosso ver, no rol de políticas abrangidas
pelo artigo XX(b) do Acordo Geral sobre Tarifas
e Comércio (GATT) 1994. Confirmam esse
entendimento as provas trazidas ao painel
que demonstram o amplo reconhecimento de políticas
de não-geração de resíduos
adicionais como meio de gestão de resíduos",
diz um trecho do relatório final da
OMC.
O relatório da OMC
também reconhece que a entrada de pneus
remoldados do Mercosul no Brasil não
constitui "discriminação
arbitrária ou injustificável"
contra produtos de outros países, nem
restrição disfarçada
ao comércio internacional . Em 2002,
a partir de uma ação movida
pelo Uruguai no Tribunal Arbitral do Mercosul,
o Brasil foi obrigado a aceitar a importação
de remoldados dos países-membros deste
mercado. O processo, no entanto, se restringiu
a aspectos econômicos.
O contencioso dos pneus
iniciou em janeiro de 2006, com a instalação
do painel arbitral na OMC. O impasse, no entanto,
começou em novembro de 2003, quando
o Bureau Internacional das Associações
de Vendedores e Recapadores de Pneumáticos
(Bivaper, sigla em francês), alegou
que as restrições brasileiras
estariam causando prejuízos comerciais
a reformadores europeus. De janeiro a março
de 2004, a União Européia investigou
o caso. O governo brasileiro forneceu aos
europeus todas as informações
sobre os argumentos que basearam a adoção
da medida, incluindo as questões de
saúde pública e de meio ambiente.
Apesar dos esforços do Brasil, a União
Européia entendeu que as medidas contrariavam
as regras da OMC e solicitou que o País
acabasse com a proibição. Diante
da negativa brasileira, em junho de 2005,
a União Européia fez novas consultas
e, mais tarde, solicitou a abertura do painel,
que agora chega ao seu relatório final.