12 de Outubro de 2007 -
Paulo Machado - Ouvidor da Radiobrás
- Brasília - A sociedade contemporânea
se torna cada dia mais complexa. Essa complexidade
se traduz em opções para o ser
humano se alimentar, vestir, locomover, informar
ou até mesmo se divertir. Para o cidadão
fazer as escolhas necessárias
a cada momento, é preciso que tenha
informação.
As informações
são tão complexas quanto a realidade
que elas retratam. Ao jornalismo compete buscar
no Estado, no governo e na sociedade essas
informações, organizá-las
em forma de notícias e servi-las ao
público para que tome decisões.
Foi isso que a Agência Brasil fez no
caso da reportagem multimídia sobre
o “Consumo consciente” que pode ser acessada
na seção de Grandes Reportagens.
No caso dos organismos geneticamente
modificados (OGMs), genericamente chamados
de transgênicos, essa informação
se torna vital, literalmente falando, pois
o que está em jogo é o direito
à vida, à segurança alimentar
e a um meio ambiente equilibrado.
Há pouco mais de
50 anos o brasileiro médio se alimentava
de arroz, feijão, carnes, frutas e
verduras, tudo in natura. Praticamente não
existiam comidas congeladas ou industrializadas.
E muito menos alimentos preparados com ingredientes
geneticamente modificados.
A população
continua contando com o bom e velho jornalismo
para se informar sobre o que faz bem ou faz
mal à saúde ou ainda sobre o
que se descobriu ou falta descobrir a respeito
de determinado alimento, forma de preparo
ou uso de ingredientes modificados. Muitas
dessas informações deveriam
estar nos rótulos dos produtos, mas
ainda não estão por razões
diversas, apesar de a Lei de Biossegurança*
obrigar os fabricantes a fornecer esses dados.
Mas será que o jornalismo
se preparou para acompanhar o ritmo das inovações
e a complexidade da sociedade de consumo pós-industrial?
As expressões utilizadas
no título desta coluna e os respectivos
conceitos que as envolvem foram cunhados nas
últimas décadas – também
não existiam há 50 anos atrás.
Seu significado ligado à vida (bios,
em grego), reflete a complexidade que ela
atingiu na sociedade contemporânea desde
que o homem resolveu modificar as cadeias
genéticas das espécies originadas
há milhões, bilhões de
anos pela natureza em equilíbrio.
Essas formas de vida, transformadas
pela ação científica
do homem, disputam espaço, tanto nas
prateleiras do supermercado, quanto nas cadeias
alimentares das diferentes espécies
que ainda sobrevivem.
Ao Estado compete regular
e fiscalizar essas transformações
genéticas promovidas por empresas ligadas
ao fornecimento de insumos para a agricultura
e ao setor de alimentos. Ao jornalismo cabe
informar sobre as pesquisas, a regulação,
a fiscalização e as possíveis
conseqüências para o homem e para
meio ambiente, proporcionando ao cidadão
condições de participar desse
debate e tomar decisões.
Para participar desse debate,
o cidadão precisa se apropriar dessa
linguagem biológica, entender o significado
e os conceitos e, principalmente, os interesses
econômicos e políticos que envolvem
a questão. Com exceção
de alguns poucos grupos de ambientalistas,
de cientistas e de gestores públicos,
observa-se que a sociedade tem se mantido
e vem sendo mantida apartada dessa discussão.
Não cabe no espaço,
nem nos objetivos desta coluna, discutir os
motivos por que as coisas estão acontecendo
dessa maneira e não de outra. A questão
aqui é como o jornalismo da Agência
Brasil vem cobrindo o assunto para possibilitar
a inclusão do tema na agenda da cidadania.
O Estado brasileiro vem
criando uma multiplicidade de leis e de órgãos,
muitos deles disputando entre si competências
e responsabilidades para regular e fiscalizar
o assunto. Esse foi o caso que envolveu a
Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa) e a Comissão
Técnica Nacional de Biossegurança
(CTNBio) a respeito da consulta pública
realizada pela Anvisa para estabelecer normas
e procedimentos de fiscalização
do uso de organismos geneticamente modificados
e seus impactos na saúde humana. O
fato foi retratado na matéria Regulamento
da Anvisa sobre transgênicos será
documento consultivo, publicada em 10 de agosto.
Mas, se a cobertura tem
obtido êxito em noticiar os fatos desse
processo, a sua contextualização
tem deixado a desejar no que tange mostrar
as relações entre os diversos
protagonistas e os interesses que os motivam
ou que defendem.
Reportar opiniões
de um lado e de outro envolvidos na disputa
é importante, mas explicar em que contexto
essas opiniões se inserem é
fundamental para que o cidadão forme
a própria opinião.
A cobertura da Agência
Brasil sobre transgênicos tem refletido
as controvérsias entre os grupos representantes
das indústrias de insumos agrícolas,
produtoras de sementes transgênicas
e agrotóxicos e os ambientalistas nas
decisões tomadas pela CNTBio sobre
a liberação de variedades geneticamente
modificadas para consumo humano e animal.
O episódio mais recente retratado pela
Agência envolveu a liberação
comercial da primeira variedade de milho transgênico
pela CNTBio.
As matérias não
contêm nenhuma referência mais
específica às pesquisas nas
quais a CTNBio baseou a avaliação
da biossegurança do plantio do milho
transgênico Liberty Link. A reportagem
se limitou a colher as opiniões pessoais
dos técnicos e dos representantes das
partes interessadas como se houvesse apenas
dois lados na questão.
Foram publicadas 104 matérias
desde julho de 2006 até agora. Algumas
das dificuldades em tratar do tema puderam
ser verificadas no dia 8 de outubro, quando
foi publicada a seguinte errata:
“As matérias ‘Comissão
de biossegurança libera milho transgênico’,
‘Aprovação de milho transgênico
ainda precisa da ratificação
do Conselho Nacional de Biossegurança’,
‘CTNBio aprova nova liberação
de milho transgênico para venda no país’
e ‘Comissão de biossegurança
libera terceiro tipo de milho transgênico’,
publicadas respectivamente em 16 de maio (as
duas primeiras), 16 de agosto e 20 de setembro,
permaneceram com uma informação
errada até as 20h44 de hoje (8). As
matérias identificavam equivocadamente
o órgão pelo qual passam as
decisões da Comissão Técnica
Nacional de Biossegurança (CTNBio).
Trata-se do Conselho Nacional de Biossegurança,
e não do Comitê Nacional de Biotecnologia.
A correção foi feita a partir
de contato de leitor com a Ouvidoria da Radiobrás.”
A mensagem do leitor André
Soares Oliveira, que deu origem à correção
do erro, foi a seguinte: “Devo registrar alguns
erros nas notícias da Agência
Brasil sobre os transgênicos. Uma vez
aprovados pela Comissão Técnica
Nacional de Biossegurança (CTNBio),
eles seguem para ratificação
pelo Conselho Nacional de Biossegurança
(CNBS), que é o órgão
formado pelos ministros e presidido pela Casa
Civil. O Comitê Nacional de Biotecnologia
não tem nada a ver com esse processo.
Gostaria que vocês corrigissem as notícias
e tomassem conta desse detalhe importante.”
Se até os jornalistas
têm dificuldades em utilizar nomes,
siglas e conceitos, imaginem o cidadão.
Todavia, a complexidade do tema não
pode ser uma desculpa para que ele não
seja devidamente esclarecido. É necessário
um esforço muito maior do que o feito
até agora para conseguir aprofundar
a apuração dos fatos e dos interesses
que estão por trás deles, traduzir
os conceitos e incluir a população
nesse debate. Esse é o desafio que
se coloca neste momento para os profissionais
da Agência Brasil. Talvez, para dar
conta do assunto com a atenção
e a importância que ele requer, seja
necessária, até mesmo, certa
especialização dos profissionais
e das estruturas de produção
do jornalismo.
Até a próxima
semana.
(*) A Lei da Biossegurança
pode ser acessada em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11105.htm
e o decreto que a regulamentou em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/_Ato2004-2006/2005/Decreto/D5591.htm
Participe do 3º ENCONTRO
REGIONAL DE OUVIDORIAS PÚBLICAS – REGIÃO
SUL –
"A Construção
da Ouvidoria Pública no Brasil",
que se realizará nos dias 25 e 26 de
outubro de 2007, em Porto Alegre.
Mais informações: http://www.cgu.gov.br/Eventos/Ouvidoria_Sul/Index.asp